F-Gases: O impacto de acelerar a sua eliminação

Atualmente, os Gases Fluorados (F-Gases) constituem 5% das emissões, mas daqui a uns anos – 2050 – já representarão 12%. A tendência será para aumentar e as consequências são notórias: “Chegam a representar 23 mil vezes o impacto do CO2 (que é o caso concreto do hexafluoreto de enxofre – SF6 – utilizado em equipamentos de transmissão e distribuição de alta tensão, como isolante numa ampla gama de equipamentos elétricos e eletrónicos, exemplos de disjuntores, quadros de potência e aceleradores de partículas, ou em semicondutores e eletrónica; também é para a produção de metais). Já o “potencial de aquecimento global dos F-Gases” utilizados para os “circuitos frigoríficos” é mínimo relativamente a outros com emissões superiores. Este foi o ponto de partida para Nuno Roque, secretário-geral da APIRAC (Associação Portuguesa das Empresas dos Sectores Térmico, Energético, Eletrónico e do Ambiente), destacar o impacto de se acelerar a eliminação dos F-Gases, tanto nas empresas que trabalham esta área como no consumidor final.

Primeiramente, importa perceber que os F-gases não são todos iguais, são muito diferentes até: “Alguns deles são componentes-chave em várias aplicações, incluindo tecnologias inovadoras de aquecimento e arrefecimento, como Bombas de Calor”. Tal como indica o responsável, “as Bombas de Calor desempenham um papel fundamental na transição energética da União Europeia (UE)”, uma vez que “contribuem para a descarbonização e a eficiência energética dos edifícios, a utilização de energias renováveis e a resiliência geral do sistema energético”. Por isso, “se manuseados corretamente”, os Gases Fluorados aplicados à Refrigeração e Climatização são seguros: “Não são tóxicos, nem inflamáveis e são muito mais eficientes que outros tipos de fluidos”, assegura.

Olhando para a posição da Europa sobre os F-Gases, Nuno Roque explica que na UE, “os edifícios consomem cerca de 50% do total da energia”, sendo que, neste consumo, “cerca de 40-50% resulta de energia aplicada a aquecimento e arrefecimento”. E com base nos relatórios mais recentes da Agência Internacional de Energia (IEA), Protocolo Green Deal e a Onda de Renovação, a UE só pode atingir seus objetivos de descarbonização no “setor de aquecimento e arrefecimento em edifícios, se o total do parque instalado de bombas de calor quadruplicar até 2030: esta é a razão do tema ser tão importante no espaço europeu”. Já em Portugal, assiste-se a “algumas leituras e tentativas tímidas”, refere, dando como exemplo, o “Programa Edifícios + Sustentáveis” e a “promessa para a execução do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR)”. Quanto às medidas, essas são escassas: “Se considerarmos a importância que a dependência energética e a fatura global energética têm, é difícil compreender que menos de 1% do PRR seja dedicado aos edifícios, e que apenas 1/3 desse valor seja destinado a medidas de eficiência energética e descarbonização”. Neste particular, o setor de Refrigeração, Ar Condicionado e Bombas de Calor oferece um “grande potencial de baixo custo” para facilitar a “descarbonização” através de “melhorias na eficiência energética”, a “eletrificação de aquecimento” por meio de “Bombas de Calor” e facilitando uma “abordagem mais circular da energia”, incluindo a “integração das energias renováveis no sistema energético”. Neste contexto, “as bombas de calor assumem preponderância fundamental”, determina.

Questionado sobre a importância de se falar sobre os F-Gases, secretário-geral da APIRAC atenta que a maior parte dos novos fluidos alternativos, principalmente os de mais baixo PAG (potencial de aquecimento global), são inflamáveis: “A mudança leva algum tempo. Corremos inclusivamente o risco de não se separar o trigo do joio e que os decisores tomem opções mal fundamentadas com prejuízo tremendo para quem investe e qualifica no respeito pelos bons propósitos ambientais”. Aliás, alerta o responsável, já se assiste a “grandes problemas” como é o caso da “próxima proibição de vendas de equipamentos de refrigeração comercial com PAG de 150 ou menos”, porque “muitos locais não permitem gases inflamáveis”, como os “aeroportos, estações de comboio ou centros comerciais”. Todas estas infraestruturas têm pontos de produção, distribuição ou venda de bens alimentares e de bebidas: “Ora, parece evidente que os frigoríficos e arcas congeladoras habitualmente utilizados não serão permitidos se a proibição cega e desenfreada continuar”, refere.

[blockquote style=”2″]A indústria de bombas de calor precisa de alguma flexibilidade[/blockquote]

Quanto à posição APIRAC, o responsável é claro: “A indústria e toda a cadeia de valor de Refrigeração, Ar Condicionado e Bombas de Calor apoia totalmente o Green Deal europeu e os seus objetivos de redução emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 55% até 2030 e para atingir a neutralidade climática até 2050, e tem demonstrado ser uma das mais ativas na transição para uma economia e sociedade descarbonizadas e ecológicas”. Prova disso é que “continuamos a promover o princípio da eficiência energética em primeiro lugar por meio de melhorias nos nossos produtos no âmbito do Ecodesign e trabalhamos afincadamente para melhorar os fluidos e reduzir a ocorrência de fugas”, sucinta. Além disso, a APIRAC apoia o atual Regulamento Europeu sobre Gases Fluorados e a redução progressiva para a sua colocação no mercado: “A própria revisão do Regulamento inclui medidas acrescidas de restrição de F-Gases que são benéficas para a eficiência energética e mais abrangentes ao nível do todo o ciclo de vida do produto, incluindo um upgrade quanto à evolução para alternativas no âmbito dos fluidos naturais, estabelecendo novos requisitos e competências para as empresas e profissionais envolvidos”.

Já sobre o futuro dos F-Gases, Nuno Roque refere que as emissões de fluidos frigorigéneos usados em bombas de calor representam uma “proporção insignificante” das emissões em comparação com as “emissões decorrentes de soluções de combustível fóssil existentes”, pelo que “a mudança para bombas de calor não deve ser desacelerada para evitar custos ambientais e económicos desnecessários”. Na visão do secretário-geral da APIRAC, determinados setores essenciais para uma transição eficaz, económica e inclusiva não podem funcionar sem Gases Fluorados: “Certos Gases Fluorados são necessários para fabricar bombas de calor com maior eficiência energética”. No entender do responsável, a indústria de bombas de calor precisa de “alguma flexibilidade”, incluindo o “uso de HFCs em algumas aplicações para garantir a quadruplicação necessária do stock de bombas de calor” e, assim, cumprir as metas da UE. Para além disso, embora já sejam as soluções mais económicas em comparação com as alternativas, como o hidrogénio, Nuno Roque defende que as bombas de calor devem permanecer “financeiramente acessíveis” aos utilizadores finais. Mas, nada se resolverá sem a “correção” de processos: “Enquanto favorecermos os circuitos ilegais com empresas não certificadas a poderem intervir corretamente nas operações, enquanto profissionais não habilitados puderem persistir na compra e manuseamento, enquanto os utilizadores finais não exigirem certificação dos processos por parte dos profissionais, enquanto os canais não especializados forem protegidos em vendas desmedidas a preços irreais com acesso ilimitado, o comércio ilegal de fluido continuará e as fugas e emissões para a atmosfera não só se manterão como prática como aumentarão”, remata.

O que são os F-Gases?

“Os Gases Fluorados são usados em indústrias e aplicações diversas e são uma segunda geração de substâncias regulamentadas. A primeira geração já retirada do mercado europeu tinha como especial dano a camada de ozono. A segunda geração impacta com o aquecimento global e é alvo de acompanhamento e regulamentação específica no espaço europeu para a minimização dos seus danos, quer pela qualificação dos agentes intervenientes – empresas e pessoas -, quer para a sua redução e até, quando se justifica, a sua retirada de mercado. As emissões são causadas por fugas de fluido frigorigéneo (neste caso, Gás Fluorado) durante o processo de fabrico, e sobretudo ao longo da vida dos equipamentos em que são utilizados. As três principais famílias de Gases Fluorados – hidrofluorocarbonetos (HFCs), perfluorcarbonetos (PFCs) e hexafluoreto de enxofre (SF6) – têm aplicações distintas e impacto diverso no meio ambiente”.