Falta “cultura de prevenção” ao setor florestal, alertam especialistas

Moda na Floresta” serviu de mote para a 2B Forest e a The Navigator Company promoverem uma conversa em torno da “Importância da utilização de equipamentos de proteção individual” que juntou vários especialistas para partilhar experiências e reflexões sobre o tema. Apesar de se verificar uma grande evolução nos temas “certificação” e “segurança” ao longo dos últimos 15 anos, a conclusão desta conversa é de que a “cultura de prevenção” tende a demorar a incutir-se nas organizações e nos trabalhadores. Esta conversa, que, essencialmente, quis transmitir uma “visão descontraída” da segurança na floresta, foi promovida no passado dia 28 de maio, sábado, na 12.ª da Expoflorestal, realizada em Albergaria-a-Velha, Aveiro. 

Em representação do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), João Fernandes começou por partilhar os números oficiais da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) para lembrar que, nos últimos 15 anos, em Portugal, o número de acidentes de trabalho rondou os 250 mil por ano: “Esta é a nossa realidade”, declarou. Ao nível dos custos, João Fernandes refere que, por cada acidente de trabalho, há um custo direto de 1500 euros: “Falamos de 600 milhões de euros por ano que custam ao país”. No setor florestal, em 2000, a cada meia hora havia um acidente; já “em 2017, a cada 14 minutos, havia um acidente no setor agroflorestal”, lamenta. 

O responsável considera que não há noção por parte do setor sobre a perigosidade na utilização de motosserras e de equipamentos moto-manuais: “Uma corrente de motosserra trabalha normalmente a 20 metros por segundo e, se essa corrente nos atinge a um décimo por segundo, passa, no nosso corpo dois metros de corrente: são cortes que deixam sempre mazelas”.

Ao nível destes equipamentos de proteção individual, João Fernandes reconhece que os custos elevados podem ser, muitas das vezes, um entrave, defendendo um benefício em termos de IRS: “Penso que o Estado também ganharia nisso”. Ainda assim, este “custo elevado” não pode e não deve ser um impedimento: “É preciso consciencializar as pessoas da importância efetiva do equipamento de proteção individual que, por muito caro que seja, é mais barato do que as contas do hospital”. E por isso, a “cultura de prevenção”, algo que não existe em Portugal, serve de chamada de atenção por parte do representante do ICNF: “A maioria dos acidentes ocorrem nas pequenas circunstâncias”. Ainda assim, é visível a evolução que se tem vindo a notar dos últimos 30 anos: “Um equipamento individual de motosserrista não existia numa montra sequer e, hoje, quando se compra uma motosserra já se vê inúmeros modelos de fatos de proteção”, exemplifica. 

Em jeito de alerta, João Fernandes chamou a atenção para o que se passa na “descaracterização dos acidentes”, que tem que ver com as seguradoras: “Muitos operadores não trazem equipamento de proteção individual e, muitas vezes, o mesmo está na viatura”. O mesmo serve para a questão dos “dispositivos e máquinas” que não estão no sítio correto, atenta. Tão importante nesta questão da segurança, é a “manutenção” das máquinas e equipamentos: “A maioria das pessoas não fazem manutenção”, afirma. 

[blockquote style=”1″]Equipamentos de segurança não podem ser um custo, mas sim um investimento[/blockquote]

Da parte da certificação esteve Joana Faria, diretora-executiva da FSC Portugal, um sistema de certificação florestal, que partilhou aquela tem sido a sua experiência na área: “Há 15 anos, assistimos uma evolução, mas este é um marco que nunca estará terminado: nunca vamos chegar a um situação de estar tudo feito”. Desde 2018 que o FSC Portugal tem desenvolvido ações no terreno onde “apresentamos estas questões da segurança: uma primeira sessão teórica e uma segunda onde vamos para o terreno”. O objetivo é o de “contribuir para uma causa comum”, demonstrando que as “questões de sensibilização e de pedagogia”, são essenciais, atenta. 

Também numa mensagem de “alerta”, Joana Faria chamou a atenção para a importância da mudança de mentalidade: “Não devem pensar que a formação ou os equipamentos de proteção individual são um custo porque, são de facto, um investimento para organização e para as pessoas que lá trabalham”. E, no final de tudo, “são um investimento para a nossa floresta: não há coimas de 60 mil euros que paguem uma vida. Temos de ser agentes de segurança e passar a palavra”, alerta. 

Também Raquel Martinho, representante da PEFC Portugal, confirma aquela que tem sido a evolução na área florestal: “Vê-se uma diferença e que a certificação é uma ferramenta que ajuda a equacionar ,não só o cumprimento legal que é obrigatório como também é específica na área da saúde e segurança do trabalho”. Nota-se ainda que é “mais fácil” partilhar experiência e conhecimento: “No mês passado, fizemos um trabalho que é a prova disso mesmo e um contributo para continuar a mudar mentalidades”. 

Sendo que a “legislação” e as “normas” têm de ser obrigatoriamente cumpridas e que vão “evoluindo” constantemente, Raquel Martinho considera que, enquanto perdurar a mentalidade dos “custos elevados” ou de “que os acidentes só acontecem aos outros”, eventos como estes são um grande contributo para “pensar de outra forma” e “pôr a cultura negativa” de parte, refletindo “na prevenção e na ação direta no terreno como ajuda a abrir horizontes, não [como] regras, mas como uma orientação e ajuda para cumprir aquilo que nos faz bem e de quem está envolvido”. 

Da parte das entidades patronais, a responsável apela que não vejam a aquisição dos equipamentos de segurança como uma obrigação de custo elevado: “Quando são precisas, os custos vão aumentar exponencialmente e, uma vez mais, devem ser vistas como um investimento”.  

[blockquote style=”1″]Um coima muito grave, com culpa e no escalão máximo do volume de negócios rondam os 61.200 euros[/blockquote]

Confirmando a taxa de sinistralidade que existe na agricultura e na floresta, Elisabete Jesus, engenheira da ACT, partilha algumas das responsabilidades que devem ser tidas em conta pelo trabalhador e pelo empregador. 

Sobre obrigações, a responsável refere que o empregador tem de  “zelar continuamente e permanentemente pela segurança dos seus trabalhadores”, devendo existir a tal “cultura de prevenção: não pode ver a segurança apenas como obrigações pontuais que têm de cumprir, mas como um todo”. Ter em consideração a “proteção coletiva”, bem como a “avaliação dos riscos” também faz parte das obrigações: “Só conhecendo os riscos é que depois podemos atenuar ou eliminar os mesmos”, refere.

Ao nível dos equipamentos de proteção individual, o empregador deve “fornecer os equipamentos e registar a sua entrega” e “escolher equipamentos adaptados ao trabalhador”, bem como garantir a “entrega gratuita”. O empregador deve ainda garantir a “conservação” dos equipamentos de proteção individual e da sua manutenção , bem como assegurar “formação e informação”, sendo “obrigatórias 40 horas de formação profissional por ano a cada trabalhador”. Ainda dentro do tema dos equipamentos, também cabe ao trabalhador a obrigação de “utilizar corretamente os equipamentos, zelar pela sua conservação e manutenção e, alertar o empregador no caso de deficiência do mesmo”. A resistência à utilização dos equipamentos individuais, de acordo com Elisabete Jesus, tem que ver com “falta de cultura de segurança” da própria empresa ou organização que “não dá a importância devida à segurança ao equipamento de proteção individual”. Quando as obrigações não são cumpridas, há a ocorrência de um maior número de acidentes de trabalho, bem como a sua gravidade: “O equipamento de proteção individual pode não evitar que ocorra o acidente, mas minimiza as consequências do acidente, bem como as doenças profissionais como a surdez”.

Ao nível das responsabilidades, Elisabete Jesus destaca a importância dos seguros de acidentes de trabalho estarem em dia, alertando para a “descaracterização” dos acidentes de trabalho: “Se o trabalhador não está cumprir as regras de segurança, a seguradora não vai assumir a sua responsabilidade e será o empregador assumir”. Ao nível das contraordenações, a responsável refere que tem que ver com a violação de uma norma, havendo uma coima associada que se divide em em três escalões de gravidade: leve, grave e muito grave. Por exemplo, “a coima mínima por uma contraordenação leve por negligência e no escalão mais baixo do volume de negócios são 204 euros e, no limite, para uma muito grave com culpa, no escalão máximo do volume de negócios, são 61 200 euros”. Dentro da responsabilidade há ainda a “civil” e a “criminal”, que acontece quando se “age de forma inconsequente”, seja por parte do trabalhador, seja por parte do empregador, colocando em perigo terceiros: “Pode ser aplicada uma pena de prisão pelo código penal”. Por fim, a responsabilidade disciplinar é a “possibilidade do empregador poder exercer o poder disciplinar que tem sobre o trabalhador enquanto estiver ao seu serviço”, refere.

No caso da exploração florestal quando existem “várias empresas a trabalhar em conjunto”, a responsável chama a atenção para o facto de todos os intervenientes serem responsáveis, devendo “cooperar entre si para a segurança e saúde dos trabalhadores” que estão naquele espaço.