ForestWatch quer quebrar “ciclo de desinvestimento e ausência de gestão” nos territórios de baixa densidade

O despovoamento do Interior levou a que milhares de hectares que estavam destinados à agricultura ou à pastorícia passassem para o domínio da ocupação florestal (matos e áreas arborizadas), processo amplificado por investimentos privados na instalação de espécies florestais de crescimento rápido. Este quadro, quando em presença de episódios meteorológicos severos, tem resultado em fogos de grandes dimensões, devastando extensas áreas rurais do interior e colocando em risco vidas humanas. Face a esta situação, e por forma a dotar a política pública de resposta aos fogos rurais, foram delimitados territórios vulneráveis que incluem as freguesias com mais de 40% do seu território com perigosidade alta ou muito alta de incêndio, agrupadas e, manchas com mais de 200 km2, segundo a intensidade de uso agrícola, constituindo o referencial para a aplicação de medidas relacionadas com a criação dos futuros Programas de Reordenamento e Gestão da Paisagem e de Áreas Integradas de Gestão da Paisagem. Este foi o ponto de partida para Nuno Forner, representante da ZERO, e Susana Carneiro, representante do Centro PINUS, darem a conhecer o projeto Forestwatch.

Trata-se de um projeto que surge num contexto de “oportunidades”, mas também de “incertezas”, quanto à continuidade das políticas públicas para a floresta: “Ainda que as dinâmicas conjunturais apontem no caminho correto, as ameaças de instabilidade e imprevisibilidade das políticas públicas em períodos de tempo superiores aos quatro anos das legislaturas, são incompatíveis com investimentos públicos e privados de longo prazo – e de larga escala – que apostem numa floresta multifuncional, biodiversa e resiliente”. É por esta razão que a ZERO e o Centro PINUS, através do Forestwatch, se querem posicionar no sentido de garantir que serão “disponibilizados mecanismos financeiros adequados ao fomento das espécies autóctones situadas em minifúndio”, como os carvalhos, ou o pinheiro-bravo, “criadas condições para a generalização da gestão colaborativa do minifúndio nos territórios vulneráveis” e que seja “assegurada a implementação de modelos de remuneração dos serviços de ecossistemas prestados por esses espaços florestais em minifúndio e territórios vulneráveis”.

O Forestwatch, desenvolve-se ao longo de 20 meses, desde junho de 2021 até janeiro de 2023, e é liderado pela ZERO que conta com o Centro PINUS como parceiro. Embora todas as atividades previstas no projeto estejam interligadas, à ZERO cabe a “divulgação de bons exemplos de gestão agrupada e associativa em matéria florestal”, a “monitorização da aplicação de iniciativas de remuneração dos serviços de ecossistemas”, a “criação de uma plataforma acessível aos cidadãos onde constarão dados sistematizados sobre a gestão florestal em Portugal”, assim como a “gestão e divulgação do projeto”. Já o Centro PINUS tem o papel da “recolha e tratamento de dados e informação”, da “criação e divulgação de um barómetro do investimento florestal”, da “monitorização e documentação dos fatores de sucesso na criação de formas de gestão agrupada, como por exemplo, Entidades de Gestão Florestal e de Unidades de Gestão”, da “prospeção, caracterização, e conceção de soluções de investimento colaborativo em espécies autóctones em áreas de minifúndio” e da “promoção de ações de comunicação, incluindo webinars informativos e formativos”. Quanto às ações relativas à “promoção de reuniões” com os decisores públicos, com gestores associativos e investidores, bem como a “tomada de posições públicas” assumem responsabilidade partilhada, afirma os responsáveis.

[blockquote style=”1″]E como se desenvolve na prática o Forestwatch?[/blockquote]

De acordo com os coordenadores do projeto, com base numa “apurada e profunda recolha de informação” junto dos organismos públicos e “sistematização de dados sobre a execução de políticas públicas florestais” serão desenvolvidos um “conjunto de ferramentas, trabalho de advocacy e sensibilização”, nomeadamente, junto de decisores políticos, gestores florestais, outras organizações e investidores na área florestal, e um “programa de comunicação que inclui tomadas de posição públicas”. Ao nível de ferramentas, são de destacar a “criação de um barómetro de atualização sobre investimentos florestais fundamental na monitorização e avaliação na implementação das políticas públicas na área da floresta”, e  o “desenvolvimento de uma plataforma colaborativa online acessível aos cidadãos onde constarão dados sistematizados sobre a gestão florestal em Portugal”, bem como “informação sobre as espécies autóctones e os serviços de ecossistema”, possibilitando aos cidadãos “participarem nas consultas públicas e analisarem as suas preocupações a atrasos ou desvios em matéria de gestão florestal sustentável”, explicam. Neste âmbito, os responsáveis partilham ainda a intenção de “conceber soluções de investimento colaborativo em espécies autóctones em áreas de minifúndio”, baseadas na “implementação de Entidades de Gestão Florestal (EGF) e de Unidades de Gestão Florestal (UGF)”, com vista a “atrair investidores particulares para alavancar a criação de uma nova economia em territórios de baixa densidade”.

Ao nível da sensibilização, serão promovidos “webinares informativos e formativos para divulgação do enquadramento legislativos e de mecanismos de financiamento dirigidos à gestão agregada de propriedades situadas em território onde domina o minifúndio direcionados a proprietários rurais e gestões florestais”, a “divulgação em diferentes momentos de bons exemplos de gestão agrupada e associativa em matéria florestal e conceção” e a “divulgação de spots infográficos: um sobre gestão colaborativa no minifúndio e outro sobre a importância de plantar espécies autóctones para prevenir os fogos rurais e promover os serviços de ecossistemas”.

Por fim, no acompanhamento das políticas públicas serão promovidas “reuniões periódicas” com os decisores públicos, com gestores associativos, organizações não governamentais de ambiente e investidores na área florestal consciencializando para a “necessidade de se promoverem investimentos nas espécies florestais autóctones, na criação de modelos de gestão conjunta de espaços florestais (EGF e UGF) e na implementação de mecanismos de remuneração e valorização de serviços de ecossistemas”. Relativamente a este último, será feito o “acompanhamento e a monitorização na aplicação de modelos de remuneração dos serviços de ecossistemas”, precisam os coordenadores do projeto.

[blockquote style=”2″]Chamar a sociedade para a discussão do tema floresta[/blockquote]

Questionados sobre como é que o Forestwatch vai responder aos desafios que os territórios de baixa densidade enfrentam, nomeadamente, em alavancar investimento público, Nuno Forner e Susana Carneiro explicam que existe um conjunto de instrumentos concebidos pelos poderes públicos para a promoção de uma floresta multifuncional, biodiversa e resiliente que procuram responder aos desafios que os territórios de baixa densidade enfrentam: “Mas, este investimento obriga a que os mesmos sejam devidamente escrutinados, quanto à sua conceção (análise) e quanto à sua execução/implementação (monitorização e avaliação), sob pena de não existir qualquer reflexão crítica sobre os resultados obtidos”.  O projeto ForestWatch procura, pois, “exigir que não são sustidos ou revertidos os objetivos e as medidas de planeamento” visando “estabelecer um contrato intergeracional que quebre o ciclo de desinvestimento e ausência de gestão dos territórios de floresta associados à pequena propriedade”, onde as “espécies autóctones possam ter um papel de relevo na criação de valor económico para os proprietários rurais e na prestação de serviços ambientais ao conjunto da sociedade”. 

Uma outra grande vantagem do projeto prende-se com a tentativa de chamar a sociedade para a discussão do tema florestas: “Com a recolha e sistematização de informação, a disponibilização de mesma de forma clara e concisa, numa plataforma online acessível ao cidadão pretende-se contribuir para literacia, assim como para a melhoria do nível de participação ativa da comunidade na discussão em processos de tomada de decisão relativa a políticas públicas na área da floresta”.

[blockquote style=”2″]Políticas e os incentivos devem ser concebidos em função dos diferentes perfis de proprietários[/blockquote]

Relativamente ao panorama atual das florestas, Nuno Forner e Susana Carneira contatam que a “escassa alocação de verbas” no âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), é um dos aspetos a lamentar: “Ainda mais, face ao esforço financeiro que o país necessita de fazer nos próximos anos para recuperar décadas de subinvestimento público, em particular nas regiões que mais necessitam de apoios”. A isto, acresce a problemático da floresta Norte e Centro ter “dificuldade de acesso a incentivos públicos”, como evidencia o facto de apenas 16,9% das verbas contratualizadas do PDR2020 até janeiro de 2021 se destinarem a investimentos na floresta da região Norte: “Apesar de sinais de mudança como os anúncios regionais do PDR2020, as regiões onde predomina a dimensão maior ainda são os principais beneficiários. Também é nessas regiões que os apoios à gestão agrupada têm sido concentrados: no final de 2020, 60% da área em ZIF localizava-se nas NUT II Alentejo e LVT”, referem.  No âmbito da preparação do PEPAC, o Plano Estratégico que estabelece as orientações para a aplicação das verbas da PAC (Política Agrícola Comum) em Portugal, o enquadramento da floresta e dos pequenos produtores, quer agrícolas, quer florestais, parece, na visão dos responsáveis, não ter sido o melhor: “A insatisfação relativa ao processo de consulta e envolvimento dos agentes do setor na preparação do PEPAC é comum a um conjunto alargado de entidades, que constituíram uma coligação cívica também integrada pela ZERO e pelo Centro PINUS”.

Face a estes desafios, a ZERO e o Centro PINUS defendem que as políticas e os incentivos devem ser concebidos em função dos diferentes perfis de proprietários: “A diversidade do nosso país exige bons diagnósticos regionais e políticas e elegibilidades igualmente regionais”. Uma vez que a floresta em Portugal é maioritariamente privada, “a gestão do território é sobretudo uma questão económica”, em que a rentabilidade, ou a sua ausência, marca a paisagem: “Existindo um desfasamento entre as necessidades da sociedade e dos proprietários e gestores do território, a remuneração dos designados serviços dos ecossistemas, como o armazenamento de carbono ou a proteção da biodiversidade, do solo e da água são indispensáveis”, atentam.

 Quais as perspetivas para o futuro?

“A floresta tem um papel central no combate às alterações climáticas, na bioeconomia e na economia circular e as políticas como a Estratégia Florestal Europeia recentemente aprovada reconhecem-no. Isto decorre naturalmente de uma preocupação social, mas a literacia do cidadão comum ainda é insuficiente. Apenas com uma sociedade mais informada e consciente será possível suster com consistência políticas de longo prazo, independentes de ciclos eleitorais. Iremos dar um passo nesse sentido com o projeto ForestWatch mas o compromisso com essa atuação pelos seus promotores extravasa o âmbito do referido projeto”.

O projeto ForestWatch, cujo investimento total é de 109 888,89€, tem o apoio do Programa Cidadãos Ativ@s, financiado pela Islândia, Liechtenstein e Noruega, sendo gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian, em consórcio com a Fundação Bissaya Barreto.