Gases refrigerantes ilegais equivalem à circulação anual de 6,5 milhões de carros

O novo relatório divulgado, esta sexta-feira, pela EIA (Environmental Investigation Agency), sediada em Londres e com a qual a ZERO (Associação Sistema Terrestre) tem vindo a trabalhar na área dos gases fluorados, revela que o potencial impacte climático deste comércio ilegal pode equiparar-se às emissões de mais de 6,5 milhões de carros a circular durante um ano.

O relatório “O Crime Mais Assustador para a Europa – O Comércio Ilegal de Gases Hidrofluorcarbonetos Refrigerantes” (Europe’s Most Chilling Crime – The illegal trade in HFC refrigerant gases) aponta, segundo um comunicado divulgado pela ZERO, a Roménia como principal ponto de entrada dos HFC ilegais, provenientes da China, contrabandeados via Turquia e Ucrânia.

A União Europeia (UE) reviu a sua Regulamentação para os Gases Fluorados (Gases-F) em 2014 para a eliminação faseada dos HFC, uma família de gases com efeito de estufa sintéticos, centenas a milhares de vezes mais potentes que o dióxido de carbono (CO2), e que são comumente usados na refrigeração, ar condicionados, proteção de incêndio, aerossóis e espumas. No entanto, lê-se no mesmo comunicado, à medida que “as provisões diminuem e os preços aumentam devido às quotas da UE para os HFC, o comércio ilegal prolifera para responder à procura”.

De acordo com Clare Perry, líder das campanhas climáticas da EIA, “não é exagerado dizer que, a estabilidade futura da sociedade humana anda no fio da navalha e o tempo está a acabar para se enfrentar eficazmente a alteração climática. Não poderemos dar um único passo em falso nos nossos esforços para manter o aumento da temperatura global abaixo dos 1,5ºC e, a escala massiva do comércio ilegal de HFC para a UE deveria estar a fazer soar alarmes por todo o bloco – este é o maior eco crime de que ninguém ouviu falar e que necessita de mudar, rapidamente.”

A investigação da EIA para o relatório “Europe’s Most Chilling Crime” identifica a Roménia como o “ponto de entrada chave dos HFC ilegais no mercado da UE”, realçando uma “rede de intermediários envolvidos no comércio ilegal e a prática corrente de subornos para contrabandear HFC através das fronteiras”. Evidências de esforços de fiscalização bem-sucedidos em outros pontos críticos de comércio ilegal, como na Polónia e Lituânia, sugerem que “os contrabandistas são oportunistas e exploram os mercados com fraca fiscalização”, revela o estudo.

Segundo o comunicado da ZERO, os investigadores da EIA infiltraram-se no mercado altamente lucrativo da Roménia e não encontraram falta de fornecedores dispostos a violar a lei e entregar HFC contrabandeados, por vezes até em cilindros de uso único que foram proibidos na UE. A EIA identificou uma tendência crescente da circulação ilegal de HFC-404A ilegal, um refrigerante muito potente cujo uso em grandes sistemas de refrigeração foi banido: “Em 2020 este refrigerante contabilizou mais de um terço de todas as apreensões de HFC”.

A revelação mais preocupante foi a “descoberta de que estes gases perigosos estão a ser contrabandeados pela Europa através de passageiros e condutores ignorantes do facto nos compartimentos de bagagens em comboios transcontinentais, entre outros métodos”. É por isso que se constata que o comércio ilegal floresceu: “A fiscalização e as coimas são raras e geralmente não são proporcionais aos lucros obtidos. Em particular, a corrupção nos postos transfronteiriços da Roménia precisa de ser abordada com urgência”.

Embora a dimensão do comércio ilegal de HFC não possa ser estimado com precisão, a EIA acredita que é significativo, provavelmente entre os 20-30% do comércio legal – e com uma quota anual permitida pela UE de 100,3 milhões de toneladas equivalentes de CO2 (CO2e), isto indica que o volume de HFC ilegais a entrar na UE é potencialmente da ordem dos 30 milhões de toneladas de CO2e.por ano, cerca de metade das emissões totais de Portugal.

Olhando a Portugal, é a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) a autoridade nacional competente para implementação dos normativos nacionais relativos a Gases Fluorados. A GNR/SEPNA, através da Direção do Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) tem competências de entidade fiscalizadora nesta temática, competindo à IGAMAOT (Inspeção-Geral do Ambiente) e ASAE a instrução e aplicação de coimas.

Através de um conjunto de contactos da ZERO com as diversas entidades intervenientes, nomeadamente em termos de fiscalização, foi confirmada a “existência de irregularidades”, essencialmente no “setor automóvel associado ao carregamento de ar condicionado” e no “setor industrial relativo a refrigeração de instalações”.

De acordo com a associação, ainda não existe um “conhecimento concreto da proveniência dos gases fluorados que entram no país de forma ilegal”, mas, no “quadro da partilha de informações policiais, é possível confirmar que existe efetivamente um mercado ilegal paralelo de gases fluorados no nosso país”.

Francisco Ferreira, presidente da ZERO, considera que “é fundamental as autoridades portuguesas, nas suas diferentes competências, darem uma maior atenção ao tráfico de gases fluorados em Portugal que põe em causa o atingir de objetivos climáticos dado o seu elevadíssimo potencial de aquecimento global; além disso, é necessário um esforço das autoridades para também garantirem o adequado encaminhamento destes gases em equipamentos que atinjam o fim de vida”.

O relatório Europe’s Most Chilling Crime inclui uma série de recomendações da EIA para abordar de forma abrangente o comércio ilegal de HFC ao abrigo da Regulamentação da UE para os gases fluorados.