GEOTA aponta aspetos positivos e negativos relativos ao Plano Ferroviário Nacional

Foi apresentado publicamente pelo Governo no passado dia 17 de novembro de 2022 o Plano Ferroviário Nacional (PFN). Apesar de concordar com os grandes objetivos e princípios defendidos no PFN, o GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente constata que a estratégia de aplicação preconizada é contraditória com esses mesmos princípios e, em muitos casos, é danosa para a coesão territorial e para o ambiente.

Num comunicado, o GEOTA destaca um conjunto de objetivos preconizados no PFN com os quais concorda e outros que discorda.

Os grandes objetivos e princípios definidos pelo PFN com os quais GEOTA concorda:

  • O combate às alterações climáticas tem de ser uma prioridade para Portugal, conjugado com o aumento da coesão territorial que é uma condição da solidariedade social à escala nacional;
  • A ferrovia é, em regra, mais amiga do ambiente do que os outros meios de transporte terrestres, pelo que os modos ferroviários devem constituir a espinha dorsal do sistema, que deve ser assumidamente intermodal, garantindo a coerência entre os diversos modos;
  • A transferência modal do transporte individual (TI) e do avião para a ferrovia deve constituir um objetivo central da estratégia e planeamento ferroviário. Portanto, a ferrovia, associada aos modos de transporte público e aos modos suaves, tem de ser competitiva face ao TI e ao avião;
  • Na ferrovia, a infraestrutura é indissociável do padrão de serviço pretendido, e é pela definição dos padrões de serviço que se deve começar o seu planeamento;
  • Devemos densificar a rede ferroviária, apostar em muito maiores frequências em todos os serviços, e levar a ferrovia pesada diretamente aos centros das cidades;
  • No serviço intercidades, a frequência mínima de serviço deve ser de uma circulação de duas em duas horas em cada sentido;
  • Tendo em conta a densidade demográfica e as distâncias em causa, o eixo Braga-Faro deve merecer atenção especial em termos de frequência de serviço e velocidades mais elevadas;
  • Devemos ter ligações internacionais em alta velocidade para competir com o avião;
  • Devemos reabilitar e revigorar o nosso cluster industrial ferroviário: construção, manutenção e recuperação de material circulante;
  • Devemos olhar para a ferrovia como o novo grande programa de investimentos, incluindo a recuperação de linhas desativadas, p.e. a linhas do Alentejo, do Douro e de Leixões.

As lacunas e falhas apontadas por GEOTA a este PFN:

  • Este PFN foca-se essencialmente sobre as infraestruturas, subvalorizando a questão essencial dos horários e em geral a exploração da rede e coordenação de serviços;
  • Este PFN assenta toda estratégia de aplicação na premissa errada de que a velocidade é o fator primordial da qualidade do serviço, quando na realidade o fundamental é uma conjugação de frequência, cobertura, intermodalidade, coerência e redução dos tempos totais de trajeto, incluindo acessos, transbordos e tempos de espera;
  • Este PFN demonstra escassa preocupação custo/eficácia/impactes, optando repetidamente por opções com viabilidade não demonstrada, e em muitos casos social e ecologicamente conflituosas — p.e as novas linhas de alta velocidade (AV) Lisboa-Porto-Valença. A AV ferroviária implica investimentos, expropriações e consumos energéticos muito elevados; a construção de uma nova linha numa região acidentada e densamente povoada implicaria inevitavelmente grandes impactes; e a procura dos serviços AV é reduzida e inacessível à grande maioria dos cidadãos. Tudo isto é contraditório com os proclamados objetivos sociais e ambientais;
  • Este PFN privilegia a construção de novas linhas e variantes, em detrimento da requalificação das linhas existentes. É uma má opção, porque geralmente as linhas existentes têm bons traçados e bom potencial de aumento de capacidade através da duplicação ou da retificação pontual, aproveitando o domínio público ferroviário e reduzindo os custos de expropriações;
  • Este PFN atribui uma prioridade esmagadora à faixa litoral Lisboa-Valença, uma excessiva polarização sobre Lisboa e Porto, e uma estrutura arborescente para o resto do País, em vez da reconstrução ou criação de uma rede. Esta abordagem reforça o despovoamento do interior;
  • Este PFN não é claro quanto à qualidade dos serviços preconizados, em especial o serviço intercidades; não apresenta prazos, nem metas temporais, nem prioridades de investimento ligadas a melhorias a qualidade dos serviços;
  • Este PNF cede à perspetiva megalómana, centrada na infraestrutura, sem prazos e menosprezando os indicadores de desempenho. Esta abordagem terá como consequência inevitável o aumento desregulado de custos, e, portanto, a ineficácia em tempo útil dos investimentos para garantir melhores níveis de serviço, atirando com os objetivos declarados para um futuro incerto. Este PFN está, portanto, condenado a manter o padrão de insucesso de várias iniciativas no sector dos transportes, como a maioria das recentes obras ferroviárias (que não melhoraram os tempos de percurso nem a qualidade do serviço), do PART (que não inverteu a tendência de aumento de carros a entrar diariamente em Lisboa e Porto, ainda que a redução do preço dos passes fosse relevante) ou criação da Carris Metropolitana (que piorou os indicadores de serviço devido à redução de horários e aos percursos rebuscados);
  • Este PFN assume que o Programa Nacional de Investimentos (PNI 2030) continuará a ser seguido, o que não é de bom agoiro, pois o PNI sofre de sérias deficiências metodológicas, nomeadamente na falta de indicadores de desempenho e no desprezo do custo-eficácia. Exemplos de desperdício de recursos: a ideia de fazer uma linha alta velocidade Carregado-Lisboa para ganhar 3 min, ou a linha do vale do Sousa para fazer um comboio por hora, são opções com custos desproporcionados face aos benefícios;
  • Este PFN esquece regiões importantes, como o Oeste e a respetiva linha;
  • 90 dias de consulta pública é muito curto para uma matéria desta complexidade e importância.

No mesmo comunicado, o GEOTA não tem dúvidas de que o dia 17 de novembro de 2022 vai entrar para a história das políticas públicas portuguesas: “Pela primeira vez desde o fim da ditadura, Portugal volta a ter um documento com o planeamento estratégico para desenvolvimento a longo prazo da rede ferroviária, permitindo consolidar uma visão para futuras intervenções”.