Governo quer criar uma task force para alavancar a economia circular

Num mundo cada vez mais “complexo e contraditório”, onde os valores já não são os mesmos, Filipe Duarte Santos, presidente do CNADS – Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, reitera o papel fulcral da economia para se atingir a sustentabilidade, mais ainda em Portugal, que está entre o grupo de países que muito beneficiou da civilização que se desenvolveu na Europa.

O especialista, que falou num debate promovido recentemente pela Fundação Inatel, reconhece que Portugal, para conseguir ter uma “economia robusta”, necessita de ter outra cultura ao nível do empreendedorismo: “Não podemos olhar para as empresas como algo que desconfiamos, pois são elas que produzem riqueza”. E, “sem se valorizar as empresas e sem lhes dar incentivos, não vamos passar da cepa torta: a competição é feroz e, se não tivermos uma cultura de empreendedorismo e de pessoas que arrisquem, vão lá para fora correr o risco”, alerta.

Reiterando esta posição, António Costa e Silva, ministro da Economia e do Mar, reconhece que o mercado português é muito limitado: “Uma empresa portuguesa, para ter sucesso, tem que se internacionalizar, tem que ser competitiva e inovadora”. E se, em 2022, as exportações em Portugal atingiram 50% do Produto Interno Bruto (em 2005, eram 27%), muito se deve à “resiliência dos empresários e ao empreendedorismo”, afirma o dirigente, destacando que há sinais positivos nesse sentido: “Precisamos de ter políticas públicas que sustentem esses sinais, desde as políticas fiscais e de inovação até às de ligação do sistema científico e tecnológico”. A esse nível, Portugal está dar passos, sendo o PRR – Plano de Recuperação e Resiliência um bom exemplo disso, contando com 53 agendas mobilizadoras: “No início, o Governo tinha a perspetiva que iam aparecer 10 e apareceram mais de 70 propostas, consórcios de empresas e entidades que se juntaram. Temos agendas para várias áreas, desde o têxtil até à metalomecânica, que bateu recorde de exportações no ano passado”. Aliás, Portugal é um país que “fabrica máquinas e consegue exportar”, refere Costa e Silva, considerando que a “grande falha” assenta no “custo elevado do conteúdo importado das nossas exportações. E, muitas vezes, preferimos importar, produzir o nosso produto e exportar”. Ou seja, “não há uma organização do tecido produtivo e não há uma aposta para incorporar o conteúdo nacional”, sucinta. Um dos bons exemplos que tem sido feito no âmbito destas agendas mobilizadoras, e que foi uma “revelação de 2022”, é o setor do calçado que, no primeiro semestre do ano, exportou “40 milhões de pares de sapatos” para 172 países do mundo: “Estamos a competir com os italianos nos setores de maior valor acrescentado”, atenta o dirigente. Outro “exemplo extraordinário” é o têxtil e o vestuário, que registou um novo recorde em 2022 com 5300 milhões de euros em exportações: “Uma indústria que já olha para as fibras recicladas”, refere o dirigente, lembrando que a “indústria da moda é uma das mais poluentes”, onde apenas “1% do material é reciclado”. Mas, “se estes empresários conseguirem reciclar estes materiais podem ter um desenvolvimento extraordinário”, indica. Nesta lógica de economia circular, o ministro adiantou que o plano do Governo passa por “criar uma task force”, no sentido de desenvolver ainda mais esta área: “Pode ser uma cadeia promissora para criar riqueza”.

“É preciso avaliar as políticas e ter humildade de ver o que está a funcionar e reconhecer o que não está a funcionar para se corrigir”

Sobre Portugal estar ou não preparado para pensar a 20 ou 30 anos, tendo em conta os ciclos curtos de legislação, o ministro da Economia e do Mar refere que esse é o problema central da democracia: “Sou um profundo democrático, mas o regimes democráticos favorecem o taticismo e o pensamento a curto-prazo e não a longo-prazo”. Agora, na “vida das famílias e das empresas”, há planeamento: “Temos de ter uma visão e, acima de tudo, temos de fazer em todas áreas aquilo que fez na luta contra crise pandémica e mobilizar a inteligência do país, trazendo cientistas e empresários para definir políticas”.

É precisamente nas políticas públicas que Filipe Duarte Santos se debruça para lamentar o déficit que existe, nomeadamente nas políticas florestais para diminuir o risco de incêndio: “Quando se publica uma legislação, tem que haver metas e, se possível, saber quais os os seus objetivos, para depois se fazer uma avaliação e identificar o que não correu bem antes de se partir para um novo ciclo legislativo. Este é um processo extremamente pedagógico”.

Em matéria do Oceano e sobre os projetos possíveis de ser alavancados, o especialista dá o exemplo de Sines, enquanto polo de produção de amónia verde e de metanol, enquanto substitutos dos combustíveis fósseis em tudo o que diz respeito à navegação no oceano: “Sines pode ser um centro muito importante nesse sentido”. Recorrendo à água, Filipe Duarte Santos destaca ainda a possibilidade de se fazer eletrólise a partir de água do mar: “Pode-se avançar e vai-se avançar”. A capacidade que o oceano tem em “reter e captar o CO2″ é muito maior que a área terrestre ou gerar energias renováveis: “Portugal tem aqui uma posição destacada em relação às eólicas offshore”, exemplifica.

Em matéria de se verem projetos aprovados e concretizados, António Costa e Silva reconhece que ainda se perde muito tempo na tomada de decisão e a questão do licenciamento é vital: “O primeiro ministro já criou uma task force e já produziu um resultado inicial para para simplificação do licenciamento e administrativo e, espero que seja ainda mais dinâmico em termos do futuro”. Defendendo a visão de Filipe Duarte Santos, o ministro considera que a gestão, a organização e o foco de resultados são os problemas centrais: “É preciso avaliar as políticas e ter humildade de ver o que está a funcionar e reconhecer o que não está a funcionar para se corrigir”.

O debate foi promovido na sessão “Diálogos de Sustentabilidade – Tema: Economia Azul”, promovido pela Fundação Inatel.

📸 Facebook da Inatel

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