#GrandeEntrevista: “A cidade do Porto quer liderar dando o exemplo” (I)

Um apaixonado pela cidade do Porto. Este é talvez o melhor adjetivo que descreve o nosso entrevistado que, desde 2013, sente um imenso orgulho em poder fazer algo em prol da cidade. Nasceu em 1976, é engenheiro eletrotécnico de formação e isso nunca foi motivo suficiente para deixar o Porto: hoje, assume a vice-presidência da Câmara Municipal do Porto, com o pelouro de Ambiente e Transição Climática e de Inovação e Transição Digital. É de Filipe Araújo que falamos: um portuense de gema que nos fala da trajetória ambiental e dos feitos que a cidade tem conseguido conquistar. Esta é a primeira parte da Grande Entrevista.

Desde 2013 que assume a pasta do Ambiente e Inovação no Município do Porto. O que levou Filipe Araújo a aceitar este cargo?

A paixão pelo Porto e por poder fazer algo pela cidade sempre me preencheu. Apesar de ser engenheiro eletrotécnico, a minha decisão sempre oi de car aqui na cidade, mesmo havendo oportunidades de ir trabalhar para fora. Sempre pretendi usar aquilo que sabia em prol da cidade, se a na vertente profissional, se a no serviço público.

O Ambiente passou a ocupar um lugar central nas políticas municipais do Porto e de muitas outras cidades. Quando é que esta área assume a centralidade nas políticas? E o que esteve na origem duma maior aposta nesta área?

No Município do Porto, sempre tivemos a consciência que o ambiente desempenha um papel especial. Desde o nosso primeiro manifesto que as questões ambientais sem- pre estiveram presentes. Obviamente que, numa cidade, há que acudir a outros problemas que tenhamos: em 2013, identificamos outras áreas prioritárias, como a área cultural, social e o desenvolvimento económico, criando uma cidade com outra pujança e que hoje o Porto tem. De certa forma, os pilares tradicionais do desenvolvimento sustentável estão presentes desde 2013 naquilo que tem sido a nossa atuação. que é um acto é que, mesmo a nível nacional e europeu, a importância das políticas ambientais tem- -se vindo a tornar cada vez mais uma lógica para o público em geral: em 2013, havia um oco, mas não era uma preocupação da sociedade. E diria que, nos últimos 6 anos, essas políticas ambientais começaram a vir ao de cima, até porque começamos a discutir aquilo que é o desenvolvimento da nossa sociedade sem ter em conta essas políticas. Nos últimos anos, tem havido uma mudança nesse sentido, aliás, isso é patente naquilo que é o European Green Deal que, claramente, está muito mais alicerçado em algo que as cidades á vinham a preconizar e a trabalhar antes mesmo das políticas europeias que to- dos conhecem. As cidades, e nomeadamente o Porto, trilhou um caminho desde 2013 que hoje está muito imbuído nas políticas euro- peias e nacionais. Diria que as cidades oram também responsáveis por serem o motor e indutor destas políticas ambientais estarem cada vez mais na ordem do dia.

Como é que, hoje, a cidade se afirma em matéria ambiental?

A cidade do Porto quer liderar, dando o exemplo. Temos a noção que as políticas ambientais de nada servem, se não orem aplicadas ou se orem meros chavões. Temos tentado que, dentro da cidade, com as suas características de cidade, que tem apenas 42 quilómetros quadrados, mas que tem outras muito interessantes, ir liderando, dando exemplo em políticas de descarbonização, de aumento de áreas verdes, utilizando soluções de base natural, em políticas de arborização, olhando para o arvoredo e os seus potenciais, mas fazê-lo, olhando, por exemplo, para as políticas de árvores autóctones, que são mais bem adaptadas ao território Em todos esses aspetos, a cidade do Porto conseguiu ir dando e exemplos claros daquilo que são as políticas ambientais e do seu real impacto no território. É nesse sentido que temos trabalhado. É certo que há uma série de desígnios que as políticas ambientais encerram: descarbonização, economia circular, preservação e aumento da biodiversidade nas cidades, qualidade do ar, redução do ru do, entre outros, e é em todos estes temas que o Porto tem procurado dar exemplos claros e investir nestas áreas, de forma a que tenha a qualidade de vida que todos ambicionamos e que queremos dei ar para as gerações futuras. 

Quais são as áreas prioritárias do Município? E qual tem sido o caminho de atuação nessas áreas?

Desde 2014 que elaboramos uma estratégia ambiental que temos conseguido levar a cabo. A primeira área tem muito que ver com a preservação e expansão das áreas azuis da cidade: é recuperar uma parte dos jardins e parques (alguns estavam em mau estado), aumentar as áreas verdes, a renaturalização das ribeiras (como o rio Tinto) e potencialização das áreas azuis, utilizando soluções de base natural (como é o caso do Parque Oriental e do Parque da Asprela). Outra área é seguir uma lógica de consciencialização, educação ambiental e sustentabilidade, no sentido de dar visão e transformar geracionalmente aquilo que é o comportamento das pessoas, alertando-as para as questões de economia circular, como por exemplo trabalhar na redução do plástico de uso único. A neutralidade carbónica é, também, uma prioridade para o Porto: é um desígnio da cidade, mas muito transversal e que envolve todos e não apenas o município. Deste desígnio, nasce o Pacto do Porto para o Clima, onde estamos a trabalhar em várias vertentes: a área da energia, que á é um trabalho que remonta a 2014 e que assenta em sermos e cientes no uso da energia, mas também olhar para as cidades como produtoras, ou se a, passarmos a produzir a energia que consumimos numa lógica de energia distribuída; mas também na vertente mobilidade descarbonizada: há 6 anos que temos a maioria da nossa rota com carros elétricos ou híbridos plug-in. Também queremos e temos incentivado a STCP – Sociedade de Transportes Colectivos do Porto a apostar em transportes públicos com veículos zero emissões e muito á se fez, através de investimentos encontrados pelo Governo na questão do desenvolvimento dos transpor- tes. Em matéria de res duos, o Porto vai ter, em 2023, toda a cidade coberta com recolha de res duos orgânicos: temos 30 mil am lias que á depositam os res duos orgânicos em contentores próprios.

Todas as decisões que a cidade do Porto toma são baseadas na informação e no conhecimento, sendo esta uma área muito importante. No plano de arborização, por exemplo, o Município trabalha com pessoas da área bio-climática, arquitetos paisagistas, urbanistas e outras especialidades para que, fruto desse conhecimento, o plano atenda a questões como a adaptação s alterações climáticas, espécies corretas e ruas que vamos arborizar para mitigar túneis de vento. Quando alamos de arborizar, temos de ter consciência que hoje as cidades precisam de muito conhecimento para tomar decisões certas e não ter árvores em s tios onde não têm condições para crescer. Porto gosta e quer sempre trabalhar com o conhecimento.

Finalmente, se queremos dar o exemplo, queremos tornar a cidade num laboratório vivo, onde se possa testar soluções e p r em prática todos estes projetos. Trata-se de dinamizar as soluções.

A gratuitidade dos transportes será estendida a todas as faixas etárias?

Como linha de orientação, tivemos o PART – Programa de Apoio Redução Tarifária nos Transportes, lançado em 2019, e que assentou na redução do tarifário nos passes urbanos e metropolitanos de uma forma considerável, o que levou muitos cidadãos a escolher o transporte público para se deslocarem. Nessa altura, o Porto disse que a gratuitidade até aos 12 anos, prevista no PART, era importante, mas interessava-nos também o e eito geracional. Por isso, a título individual, decidiu aumentar a gratuidade entre os 13 e 15 anos e, um ano depois, estender até aos 1 anos. sucesso desta medida é enorme e vemos que tem impacto nos nossos jovens e que muda o comportamento: hoje, temos mais de 220 mil validações por mês de jovens entre os 13 e 1 anos a andar nos transportes públicos. Agora, em relação a expandir esse tema, fazemo-lo de uma forma diferente: se o transporte público também incorpora o táxi, usamos este meio para responder s necessidades das pessoas com mais de 65 anos e que, muitas das vezes, sentem dificuldade na locomoção para se deslocarem a um centro de saúde ou a um hospital. É através do serviço “Táxi Saúde + 65” , acessível aos munícipes titulares do Cartão Porto. que a cidade do Porto dispõe de mais um meio de mobilidade que responde s necessidades das pessoas e, ao mesmo tempo, contribui para uma mobilidade partilhada, sustentável e e ciente. 

Fala-se muito da importância do poder das ações locais no combate às alterações climáticas. Como é ou como deveria ser essa ação local? E que benefícios devem ser aproveitados da proximidade que as cidades conseguem ter junto dos cidadãos?

As cidades são, de acto, muito próximas dos cidadãos, ao contrário dos governos nacionais ou de uma própria Comissão Europeia e, nesse sentido, temos a consciência e ata daquilo que são as necessidades das pessoas e daquilo em que podemos trabalhar com elas. Temos variadíssimos programas de proximidade a dar como exemplo: os apoios s rendas ou a gratuitidade dos transportes são ações muito importantes e que demonstram esta proximidade

*Esta é a primeira parte da Grande Entrevista incluída na edição 96 da Ambiente Magazine