#GrandeEntrevista: “Os novos sistemas RAP vão trazer algumas especificidades face aos sistemas até agora conhecidos no país” (I)

A União Europeia quer travar a poluição gerada por produtos descartáveis no meio ambiente. As medidas preconizadas na diretiva de plásticos de uso único, que pretendem dar resposta a este objetivo, vêm trazer novas exigências e chamar mais agentes à limpeza urbana. O CEO do Electrão, Pedro Nazareth, fala sobre os desafios que a diretiva traz ao setor dos resíduos. Os futuros sistemas, a criar com base no princípio da responsabilidade alargada do produtor, para a gestão destes novos fluxos, terão que cobrir não só os custos de gestão e sensibilização, mas também de limpeza do espaço público. Esta é a primeira parte da Grande Entrevista

Quais são as grandes novidades que vem impor a diretiva dos plásticos de uso único?

A diretiva europeia relativa aos produtos de plásticos de uso único tem como objetivo central prevenir a produção de resíduos de plástico e reduzir a sua dispersão no ambiente, em particular no meio marinho.

Parte das disposições desta diretiva foram já transpostas para a lei portuguesa em 2021 e determinados produtos de plástico de utilização única, como cotonetes, talheres, pratos, palhinhas ou varas para balões, deixaram de ser colocados no mercado, numa medida clara de prevenção da produção de resíduos dirigida a produtos de muito baixa reciclabilidade. Por outro lado, diferentes setores de atividade económica foram chamados à gestão de fim de vida dos produtos que colocam no mercado através da obrigatoriedade de implementação de novos sistemas de Responsabilidade Alargada do Produtor (RAP).

De que tipo de produtos falamos concretamente?

Falamos de produtos de tabaco com filtro, toalhetes, balões, artes de pesca, recipientes para alimentos, sacos, invólucros e recipientes e copos para bebidas. Estes correspondem aos produtos de utilização única mais encontrados nas praias europeias e por isso foram considerados prioritários no âmbito desta diretiva, que surge em linha com a “Estratégia europeia para os plásticos em economia circular”.

São produtos e empresas que pertencem a diferentes setores de atividade económica, mas que partilham algumas características que impactam a gestão de fim de vida. Os toalhetes de limpeza, por exemplo, pouco têm que ver com os produtos de tabaco com filtro, no entanto, ambos incorporam plástico. No seu processo de degradação libertam microplásticos que podem ser bioacumuláveis quando incorretamente descartados com impactos nocivos para o ambiente e saúde humana.

Quais são as semelhanças face aos sistemas de base RAP já implementados?

Os novos sistemas RAP vão trazer algumas especificidades face aos sistemas até agora conhecidos no país…

Até aqui estes sistemas apenas alargavam a responsabilidade operacional e financeira das empresas produtoras às atividades de recolha, triagem e reciclagem, como são exemplo os sistemas de embalagens, pilhas e equipamentos elétricos usados, atualmente geridos pelo Electrão. Os novos sistemas RAP definidos para os plásticos de uso único trazem duas grandes novidades: o envolvimento das empresas na prevenção do “littering”, ou seja, do descarte incorreto de resíduos no espaço público e nas atividades de limpeza deste mesmo espaço público, nomeadamente através da participação financeira na recolha de resíduos das papeleiras, varredura manual, varredura mecânica e limpeza de praias.

Trata-se de uma grande alteração da responsabilidade das empresas: da reciclagem e da promoção dos comportamentos de reciclagem para a limpeza do espaço público e promoção do descarte correto de resíduos.

Qual o ponto de situação da transposição da diretiva?

A diretiva ainda terá que ser integralmente transposta para a lei nacional. O setor aguarda a publicação, para breve, da revisão do Decreto-Lei n.78/2021 que irá materializar esta transposição, com a definição dos regimes de responsabilidade alargada do produtor dos diferentes produtos de plástico de utilização única. Apenas após esta publicação as empresas produtoras visadas poderão organizar-se e formalizar os instrumentos para operacionalizar estas novas responsabilidades.

Que trabalho já foi desenvolvido neste sentido?

O Electrão promoveu o desenvolvimento de um estudo, que foi realizado pela GIBB Engineering e Nowa, recentemente apresentado no IV Encontro Nacional de Limpeza Urbana, sobre a caracterização da atividade e dos resíduos da limpeza urbana.

Esse estudo permitiu concluir que os custos com a atividade de limpeza urbana, geradora de resíduos, ascendem a cerca de 204 milhões de euros. Este é o custo suportado pelos orçamentos dos 308 municípios portugueses, em alguns casos com a participação de juntas de freguesia. Nesta análise não foram contabilizadas as atividades de limpeza urbana que não têm que ver com a limpeza de resíduos, como é o caso da limpeza de grafittis ou lavagem de ruas.  Este valor está em linha com o resultado do estudo que a ALU já tinha apresentado. Este estudo apontava para um valor global de 300 milhões de euros, sendo que dois terços, o equivalente a 204 milhões de euros, correspondem à componente que gera resíduos: varreduras, papeleiras e limpeza de praias. Em termos de peso falamos de uma estimativa aproximada de 300 mil toneladas de resíduos de limpeza urbana produzidos no país. Isto significa que cada habitante produz, em média, por ano, 30 quilos de resíduos que são geridos nas atividades da limpeza urbana

E qual o valor a que corresponde a fração de plásticos de uso único recolhidos no âmbito da limpeza urbana?

Os produtos de plástico de uso único, que são abrangidos pela diretiva, representam cerca de 5,6% das quantidades recolhidas na limpeza urbana. Estima-se que o valor de cobertura de gasto a ressarcir aos municípios, no âmbito da responsabilidade alargada do produtor, referente aos plásticos de uso único, seja de 12 milhões de euros.

Como foi possível chegar a estas conclusões? Qual a metodologia utilizada?

Para chegar a esta conclusão caracterizaram-se amostras de resíduos com origem nas varreduras manuais, mecânicas, limpeza de papeleiras e limpeza de praias nalguns municípios. Foi realizada uma campanha em época húmida e outra em época seca. O estudo concluiu que os resíduos das papeleiras e da varredura manual têm elevada qualidade, mais do que os materiais que se recuperam via TMB (Tratamento Mecânico Biológico). O baixo grau de contaminação permite que possam ser mais facilmente reciclados. Para além dos fluxos alvos da diretiva, a caracterização permitiu identificar ainda uma elevada quantidade de embalagens usadas, nomeadamente vidro, que corresponde a cerca de 13% dos resíduos resultantes da limpeza urbana.

 

*Esta Grande Entrevista foi incluída na edição 98 da Ambiente Magazine