Intensificação da agricultura tem prejudicado estado das aves em Portugal

Muitas aves estão a desaparecer a um ritmo alarmante dos campos, bosques, estuários e praias, devido às atividades humanas. Esta é uma das conclusões do relatório Estado das Aves em Portugal 2022, publicado esta quinta-feira, 3 de novembro, pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA). O relatório, que compila os resultados de 23 programas de monitorização e censos de aves a decorrer em Portugal, demonstra também o impacto positivo das ações de conservação da natureza.

“Para muitas espécies, o estado das suas populações em Portugal é preocupante, mas em muitos casos ainda reversível”, declara Domingos Leitão, Diretor Executivo da SPEA, destacando que “temos provas de que a conservação resulta, e ainda vamos a tempo, se houver vontade política para passar da exploração desmesurada à gestão sustentável”.

De acordo com o estudo, uma das maiores ameaças às aves em Portugal é a “intensificação da agricultura”, que deixou espécies como o picanço-barreteiro ou o sisão numa situação periclitante. “Esta exploração exaustiva dos nossos campos, com recurso a pesticidas e outros contaminantes, sistemas de regadio que secam a região circundante, e monoculturas que esgotam a biodiversidade, terá sido uma das causas do declínio preocupante do carraceiro (ou garça-boieira), cuja população nidificante se reduziu em 77% em apenas 7 anos”. Também, “espécies mais comuns, como o peneireiro ou a andorinha-das-chaminés têm visto os seus números regredir ao longo das últimas décadas”, aponta o estudo.

Já as aves que fazem o ninho nas praias poderão estar a sofrer com a “perturbação das zonas costeiras”, que inclui não só uma “maior presença humana e de cães”, mas também a “limpeza mecânica” das praias. É o caso do borrelho-de-coleira-interrompida: “3 censos diferentes apontam para um decréscimo muito preocupante desta espécie”. Tanto o Arenaria (programa de monitorização de aves costeiras) como o Programa Nacional de Monitorização de Aves Aquáticas Invernantes detetaram reduções muito grandes no número de borrelhos-de-coleira-interrompida que passam o inverno no país, enquanto o censo dirigido especificamente a esta espécie, revela que a sua população nidificante diminuiu 46% nos últimos 19 anos, indica a análise, partilhada pela SPEA.

Igualmente preocupante, de acordo com o estudo, é a situação de espécies globalmente ameaçadas, como o britango (ou abutre-do-egito) e a pardela-balear – a ave marinha mais ameaçada da Europa – que também em Portugal estão em declínio.

Mais encorajadora é a situação atual da gaivota-de-audouin, cuja colónia de nidificação na ilha Deserta, no Algarve, se tornou nos últimos anos na mais importante para a espécie a nível global. O projeto LIFE Ilhas Barreira, coordenado pela SPEA, está desde 2019 no terreno a proteger este local importante e as diversas espécies que dele dependem.

Outro caso de sucesso evidente, reportado no relatório, é o do grifo, cuja população nidificante teve um crescimento muito importante: “há hoje 5 vezes mais grifos a nidificar em Portugal do que há 20 anos, fruto também das muitas medidas de conservação que estiveram em curso ao longo desse período. Infelizmente, algumas ameaças continuam muito presentes, como o uso ilegal de venenos, que afeta os grifos, mas também muitas outras espécies de abutres e águias”.

O relatório Estado das Aves em Portugal 2022 inclui ainda informação de novos censos dirigidos, que vêm trazer dados sobre espécies que não estavam a ser monitorizadas eficientemente nos últimos anos: “gaivota-de-patas-amarelas, gralha-de-nuca-cinzenta, periquito-de-colar, borrelho-de-coleira-interrompida e coruja-do-nabal”. No caso das gaivotas-de-patas-amarelas, por exemplo, este censo veio mostrar que “um terço da população de Portugal continental está a nidificar nos meios urbanos”, o que tem conduzido a “crescentes interações negativas com as pessoas em algumas cidades”.

De acordo com a SPEA, os dados que permitiram aferir este Estado das Aves em Portugal foram, em grande parte, recolhidos por centenas de voluntários que dedicaram o seu tempo a observar, contar e registar aves nos diferentes censos e programas de monitorização. Só no censo de milhafres/mantas, que decorre anualmente nos Açores e na Madeira sob coordenação da SPEA, já participaram mais de 2300 voluntários desde 2006.

“Temos sempre presente que sem a generosidade dos voluntários, muitos destes censos não seriam possíveis,” afirma Domingos Leitão, acrescentando que “os resultados mostram o poder da ciência-cidadã, mas por outro lado é triste que não haja mais investimento do Estado na monitorização das espécies. Portugal tem a necessidade e a obrigação de acompanhar o estado da sua biodiversidade e de reportar esses dados à Comissão Europeia. Mas há muitas espécies para as quais há lacunas de informação e, e se não fossem os voluntários e o envolvimento de inúmeras organizações não-governamentais, para muitas espécies não haveria dados para reportar.”

Este relatório foi produzido com o apoio do projeto “Ciência Cidadã – envolver voluntários na monitorização das populações de aves”, promovido pela SPEA em parceria com a Wilder – Rewilding your days e o Norwegian Institute for Nature Research (NINA), financiado pelo Programa Cidadãos Ativ@s/EEAGrants, fundo gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Fundação Bissaya Barreto.