No universo da investigação científica, uma descoberta recente liderada por cientistas da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) promete redefinir o conceito de sustentabilidade industrial e ambiental. A equipa, coordenada pelo investigador Paulo Martinho, no âmbito do projeto de Doutoramento em Química de Marcos Bento, conseguiu sintetizar uma molécula inovadora capaz de transformar dióxido de carbono (CO2) em monóxido de carbono (CO), utilizando a luz solar como fonte de energia. Esta descoberta insere-se ainda no âmbito do projeto CO2PILOT – “CO2 valorisation with earth abundant metals: From bench to pilot”, que une esforços de várias instituições de renome, como as Universidades de Lisboa, Aveiro e Nova de Lisboa, a Universidade de Glasgow, no Reino Unido, e o DIFFER, o Instituto Holandês de Investigação Fundamental em Energia (Dutch Institute for Fundamental Energy Research), nos Países Baixos.
A inovação baseia-se na obtenção de um composto de rénio, um metal raro, que se distingue pela sua capacidade de ativação através da luz solar, permitindo a conversão de CO2 em CO de forma eficiente, económica e sustentável. Este processo não só utiliza uma fonte de energia renovável, como reduz a necessidade de condições industriais exigentes e o consumo energético associado. Além disso, contribui diretamente para a redução da pegada de carbono, ao valorizar um subproduto industrial comum como o CO2 e transformá-lo num recurso de elevado valor económico. Sendo assim, um passo importante na descarbonização dos processos industriais e na produção sustentável de recursos essenciais para a vida humana.
A Ciência por Detrás da Descoberta
Uma vez que a molécula de CO2 é muito estável e dificil de ativar e transformar em novos produtos. O composto de rénio desenvolvido por esta equipa apresenta uma estrutura molecular que facilita a interação com o CO2, promovendo a sua transformação em monóxido de carbono. Este avanço foi possível devido a toda a experiência de investigação desenvolvida pela equipa usando diferentes métodos experimentais e computacionais. Estas ferramentas permitiram modelar e identificar os passos intermidários da reação, de modo a compreender o mecanismo de ação da molécula de rénio na presença de CO2. Posto isto, a combinação de todos os métodos experimentais e computacionais envolvidos ajudou a equipa a enteder a reação com mais clareza possibilitando futuras otimizações do processo, visando maior eficiência e sustentabilidade.
Impactos Industriais e Ambientais
O monóxido de carbono gerado através deste método pode ser aplicado a diferentes processos industriais. Um dos seus usos mais promissores é no processo Fischer-Tropsch, um dos principais métodos usados para a produção de hidrocarbonetos, como combustíveis sintéticos. Estes combustíveis podem substituir os derivados do petróleo, reduzindo a dependência de recursos fósseis e ajudando a mitigar as alterações climáticas.
Adicionalmente, o CO gerado pode ser utilizado como matéria-prima na produção de uma vasta gama de produtos químicos e farmacêuticos. Este recurso demonstra a sua versatilidade como bloco de construção molecular, essencial para o desenvolvimento de novos materiais e compostos industriais.
A nível ambiental, este processo destaca-se pela sua abordagem sustentável. Transformar o CO2 – um dos principais gases de efeito estufa – num recurso útil não só ajuda a reduzir as emissões, como também contribui para a implementação de princípios da economia circular. O reaproveitamento de resíduos industriais em novos produtos é um passo crítico para a transição para uma economia mais verde e resiliente.
Desafios e Perspetivas
A descoberta, embora promissora, representa apenas o início de um longo percurso de desenvolvimento. A equipa de investigadores concentra agora os seus esforços em expandir o processo para uma escala piloto laboratorial. Este é um passo essencial para comprovar a viabilidade do método em contextos industriais. Desenvolver reatores capazes de converter CO2 em CO em maiores quantidades, mantendo a mesma eficiência observada em laboratório, é o próximo grande desafio.
Além disso, o potencial deste processo vai muito além da produção de combustíveis. O CO gerado pode ser utilizado na síntese de plásticos mais sustentáveis, na criação de polímeros avançados e na produção de pequenos compostos moleculares essenciais para a indústria química e farmacêutica. Estas aplicações diversificadas demonstram o impacto transversal desta tecnologia, que pode beneficiar múltiplos setores da economia.
Uma Nova Era para a Valorização do CO2
No contexto das alterações climáticas e da necessidade urgente de reduzir as emissões de carbono, esta descoberta apresenta-se como uma solução prática e inovadora. A utilização da luz solar como fonte de energia não só promove a adoção de fontes de energia renováveis, como também redefine o papel do CO2, tradicionalmente visto como um resíduo problemático.
Para além do impacto ambiental, a valorização do CO2 através deste processo tem implicações económicas significativas. O desenvolvimento de tecnologias que convertam resíduos industriais em recursos valiosos pode atrair investimentos e impulsionar a criação de empregos em setores estratégicos, como a química verde e a engenharia de materiais.
*Este artigo foi publicado na edição 109 da Ambiente Magazine