Investigadoras quebram “preconceitos” associados ao uso das leguminosas

A comunidade científica tem sido consensual em considerar que se a população não alterar os seus padrões alimentares e se a forma como se produzem os alimentos não for melhorada, não haverá capacidade de se produzirem alimentos em quantidade e qualidade suficiente para alimentar a crescente população mundial. Isto porque não se está a fazer a utilização sustentável dos recursos ambientais: “Não estamos a cuidar da saúde do ambiente”. 

Marta Vasconcelos

Este foi o ponto de partida para as investigadoras do Centro de Biotecnologia e Química Fina (CBQF) da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, Elisabete Pinto e Marta Vasconcelos, destacarem à Ambiente Magazine a importância das leguminosas para a sustentabilidade ambiental e, ao mesmo tempo, para a saúde humana. É com este mesmo objetivo que o CBQF está a desenvolver um estudo que visa compreender os hábitos e barreiras colocadas à ingestão de leguminosas em Portugal. 

De acordo com as docentes, as leguminosas, pela sua “capacidade eficiente de fixação do azoto”, permitem que “o seu cultivo reduza”, ou até mesmo “dispense”, a utilização de “fertilizantes químicos ricos em azoto” e, ainda, um “enriquecimento dos solos em azoto”, que será “útil nos cultivos subsequentes”. Além disso, são também “promotoras da biodiversidade” e “melhoram a qualidade do solo” em várias vertentes, como por exemplo, “aumentam as reservas de matéria orgânica e seu arejamento”, “estimulam a atividade biológica”, “melhoram a sua estrutura”, “reduzem a erosão” e “aumentam a capacidade de retenção de água”. Por outro lado, está, também, a riqueza nutricional, nomeadamente em “proteína, ferro e zinco”, fazendo com que “estas possam substituir”, pelo menos parcialmente, alguns “alimentos de origem animal”, sem que surjam carências nutricionais: “Como é sabido, a produção animal é um dos principais responsáveis pela libertação de gases com efeito estufa, pelo consumo de grandes quantidades de água e por uma elevada pegada ecológica”, referem. 

[blockquote style=”2″]Não se encaixam nos hábitos culinários atuais da população[/blockquote]

Elisabete Pinto

Segundo as investigadoras, existem “preconceitos” associados às leguminosas: “Não são alimentos muito consumidos pelos portugueses na atualidade e as questões organoléticas não são o único determinante para tal”. Desde logo, dizem as investigadoras, está associada às leguminosas a “conotação de que são alimentos para pobres”, que apresentam uma “elevada saciedade” e que são “utilizados, essencialmente, por quem não tem poder económico para comprar carne”. Também por isso, ao longo do tempo, “as feijoadas foram ficando cada vez mais ricas em carne”, especialmente, “carnes ricas em gordura e enchidos”, tornando o “prato pesado e de difícil digestão”, dizem. Contudo, o ser “pesado” é frequentemente e erradamente atribuído ao feijão: “Com a conotação de ser pesado, vem a conotação de que engordam muito, sendo que tal também não é verdade”, esclarecem. Ainda ligado aos “efeitos fisiológicos”, as leguminosas são muito associadas à “flatulência” e “outros distúrbios gastrointestinais”, sendo que na realidade estes não são assim tão frequente, garantem. Outros aspetos que levam ao “baixo consumo de leguminosas” devem-se ao facto de estas não se encaixarem nos “hábitos culinários atuais da população” e da sua “preparação implicar muito tempo”. No caso das crianças, afirmam as investigadoras, é frequente “existirem barreiras” associadas à textura de algumas leguminosas.

[blockquote style=”2″]Trabalhar ao longo de toda a cadeia de valor[/blockquote]

E o que é que pode ser feito para combater o problema? As responsáveis consideram que o primeiro passo a ser dado passa pela educação ambiental: “Esclarecer a população para os benefícios do seu consumo, bem como desmistificar alguns conceitos erradamente associados ao seu consumo”. Por outro lado, está a necessidade de se “encontrar soluções que tornem mais prática a sua inserção nas refeições”, como é o caso das “conservas de leguminosas cozidas”, bem como uma “maior diversificação de produtos alimentares” feitos a partir das leguminosas e que possam encaixar melhor nos hábitos alimentares atuais: “O mercado já disponibiliza massas, cereais de pequeno-almoço, hambúrgueres, pães, snacks, e existirá, certamente, espaço para mais inovação alimentar”. Depois, acrescente as investigadoras, também ajudaria que “Chefs de renome” criassem e divulgassem receitas contendo leguminosas, “aumentando assim a reputação de tais alimentos”. Paralelamente a estas intervenções junto do consumidor, é necessário “trabalhar ao longo de toda a cadeia de valor”, desde logo “incentivando a produção de leguminosas”, que “diminuiu muito nos últimos anos”, nomeadamente, em Portugal, atentam.

Quando comparado com outros países, Portugal está num bom caminho no que ao consumo de leguminosas diz respeito, tendo em 2003 destacando a “importância das leguminosas”, com a “individualização destas no guia alimentar português: a roda dos alimentos”. Mas mesmo assim, os “dados de disponibilidade alimentar não têm mostrado uma evolução favorável no seu consumo”, afirmam. Contudo, Elisabete Pinto e Marta Vasconcelos acreditam que todas as campanhas feitas desde 2016, com a celebração do ano internacional das leguminosas – despoletado pela Organização para a Alimentação eva Agricultura das Nações Unidas (FAO) – e com uma série de projetos científicos internacionais que incluíram o país nestes últimos anos, além de diversas campanhas nacionais de apelo à prática de uma alimentação mais sustentável, fazendo alusão direta às leguminosas, acreditam que em breve haverão resultados positivos.

[blockquote style=”2″]Encontrar sinergias que possibilitem a criação de sistemas de produção[/blockquote]

Quanto ao estudo que está a ser desenvolvido as investigadoras revelaram que o projeto tem o acrónimo de TRUE, sendo que as sua designação já permite antever qual é o objetivo principal do projeto: “Caminhos de transição para sistemas baseados em leguminosas sustentáveis na Europa”. Trata-se, assim, de um “consórcio de 24 parceiros europeus” que envolve, além de “equipas de investigadores académicos, atores empresariais e sociais da produção e processamento de produtos de base de leguminosas”. O TRUE pretende encontrar “sinergias” que possibilitem a “criação de sistemas de produção” e “fileiras agroalimentares de sucesso de leguminosas”. Tal objetivo, afirmam as investigadoras, pode ser alcançado por meio de “uma abordagem multidisciplinar” que “equilibra os valores ambientais, económicos e sociais” e minimiza o “impacto ambiental”. Ou também, pela via de “otimização da diversidade e da resiliência em termos comerciais e ambientais” em toda a cadeia de fornecimento e da “produção de alimentos de excelência nutricional”, acrescentam. 

Quais as perspetivas para o futuro próximo?

“Com todas as ações que estão a ser levadas a cabo em toda a cadeia de valor (workshops, desenvolvimento de novos produtos, campanhas de divulgação, entre outros), pretende-se despertar todos os intervenientes para a importância das leguminosas, desde o produtor ao consumidor, bem como encontrar sinergias que tornem a sua inclusão o mais rentável possível, nunca descartando o enorme valor que têm em termos de sustentabilidade ambiental. Acresce que um novo projeto europeu que trabalhará com leguminosas acabou de arrancar: o INCREASE. Neste projeto, iremos selecionar mil cidadãos na Europa para cultivarem, nos seus jardins, varandas ou quintais, mil variedades de feijão (cada participante cultivará cinco ou seis variedades). Esta riqueza genética estava até agora “guardada” em bancos de sementes e a ideia é trazê-la para as nossas vidas e quotidianos. Estejam atentos às novidades e participem!”

*Fotografia: Fonte – DECO PROTESTE