José Miguel Júdice: “A mobilidade é causa de liberdade e fator de liberdade”

Até que ponto a pandemia mexeu com as nossas liberdades, direitos e garantias? Esta foi uma das questões que Rosália Amorim, diretora do Diário de Notícias, fez ao advogado José Miguel Júdice, no âmbito do painel “Futuro da Mobilidade numa Europa abalada pela Pandemia e pela Guerra”, promovido na IV Convenção da ARAC – Associação dos Industriais de Aluguer de Automóveis sem Condutor.

José Miguel Júdice e Rosália Amorim

No entender do advogado, há três fatores que podem imobilizar as pessoas: “o medo, o medo da liberdade, e a ideia de que alguém sabe melhor do que nós aquilo que é bom para nós”. Assim, a pandemia “habituou-nos a não ter liberdade”, refere, relembrando que “foi instalado o pânico que deu origem a que as pessoas não saíssem”. Para José Miguel Júdice, a mobilidade é, assim, “causa de liberdade e fator de liberdade” e aquilo que se provou, no decorrer da pandemia, foi que “os exageros criados com pânico, tantas vezes artificial, tiveram o resultado de aumentar exponencialmente outras causas de morte, de estruturar crianças em fase de aprendizagem, de não permitir a socialização em idades cruciais durante dois anos, criando angústia, doenças mentais e, no final, países como a Finlândia, que apostaram na liberdade e na responsabilidade tiveram menos mortes do que aqueles que fizeram a ditadura como nós”.

“É possível fazer na Europa quase tudo o que se faz no extremo Oriente”

Enquanto “fator de desenvolvimento económico, social e político”, a mobilidade também é crucial: “Apostar na mobilidade é também apostar no progresso”, afinca. E com o progresso vem o conhecimento: “É importante termos algum conhecimento histórico para percebermos o nosso tempo e olharmos para o futuro: é engraçado olhar para os desafios e as dificuldades que encontramos com os olhos com que se olhava para o aparecimento dos meios de transporte, como os caminhos de ferro no século XIX ou as máquinas a vapor no século XVII”. Mesmo com todos os desafios, José Miguel Júdice demonstra otimismo quanto ao futuro: “A entropia não vai tomar conta disto”. Mas há desafios enormes como o das transições: “É muito fácil dizer que o comboio foi um instrumento essencial de civilização, mas, na altura, vai-se explicar isso a quem vive do transporte a cavalo”, exemplifica. Olhando para o presente, o advogado considera que, em matéria de mobilidade, assiste-se a uma “explosão de condições e potencialidades” que as novas tecnologias permitem: “O problema da luta contra as alterações (resolve-se) através de alterações tecnológicas, de investimento e inovação, da investigação científica, da criação de novas soluções que resolvam magicamente ou não os problemas”, defende.

No desígnio das alterações climáticas, José Miguel Júdice é defensor de se encontrar soluções para que, por exemplo, “a deslocação não seja tão necessária” ou que os “empregos procurem as pessoas e não as pessoas a procurarem empregos”. Ainda assim, deixa um alerta: “Não nos iludamos: a Europa não vai sobreviver como a conhecemos, se não formos capazes de assimilar centenas de milhares dos emigrantes que vêm fazer aquilo que nós, cada vez mais, fazemos menos”.

No tema da industrialização e da promessa de que a Europa iria, finalmente, avançar nesse sentido, o advogado não olha para a pandemia como um fator de imobilização: “A Europa e os EUA estão a industrializar-se brutalmente em indústrias mais contemporâneas que desencadeiam novos técnicas e novos processos”, como, por exemplo, “a vacina contra a Covid-19”. Agora, “os cidadãos são muito engraçados: querem ser protegidos ao mesmo tempo que querem ter acesso a tudo. É possível fazer na Europa quase tudo o que se faz no extremo Oriente, só que fica mais caro”. A questão é se “Estaremos nós dispostos a pagar as nossas camisolas, sapatos, computadores ou telemóveis mais caros? A ter ordenado tão baixos como nesses países?”. O que para o advogado é, verdadeiramente, impensável é “queremos a indústria, mas queremos a proteção social, os vencimentos e não queremos pagar os preços que isso custa nos produtos que vamos comprar como consumidores: isso é muito hipócrita”, remata.

Sob o mote “Mobilidade, Sustentabilidade e Digitalização – Novos Desafios”, a IV Convenção da ARAC decorreu na passada sexta-feira, dia 31 de março, em Alcobaça.

 © ARAC – Associação Nacional dos Locadores de Veículos

 

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