Limpeza Urbana: “Um setor que impacta de forma direta a vida das pessoas, mas que passa ao lado do senso comum”

Luís Capão, presidente do Conselho da Administração da Cascais Ambiente, foi o grande impulsionador da criação da Associação Limpeza Urbana – Parceria para as Cidades + Inteligentes e Sustentáveis (ALU), que surgiu há dois anos e meio: “Tive a possibilidade de viajar e investir nesta área que, muitas vezes, é esquecida”.

Afinal, o que engloba a Limpeza Urbana? Tem tudo que ver com a “limpeza de terrenos e ribeiras”, bem como aquilo que vai além da recolha seletiva e indiferenciada, ou seja, a “recolha de cortes de jardins ou de monos”: engloba também a componente das pragas, como o “tratamento das invasoras que vão aparecendo nas cidades”, nomeadamente as “ervas que aparecem nos passeios”, que tem muito que ver com o “uso de substâncias químicas e tóxicas”, refere o administrador. A limpeza urbana abarca ainda a questão das papeleiras, a forma como as cidades são limpas, o potencial da descarbonização, de otimização numa era de smart cities e, ainda, o impacto que os equipamentos (varredoras ou camiões do lixo) e trabalhadores têm num território. Esta área vai ainda ao encontro da limpeza das praias com destaque para os microplásticos, bem como a sensibilização e a mobilização das pessoas para estes temas, “mais ainda numa altura em que a pandemia, com o abandono das máscaras, realçou a importância destes serviços”, sucinta.

Numa altura em que as viagens se transformaram em algo acessível para todos, Luís Capão afirma que as cidades foram, consequentemente, obrigadas a terem uma noção territorial e de competitividade: “As empresas internacionais ou nacionais não têm interesse em ter a sua montra num território sujo e que não é visitado”, além de que o património não tem o mesmo valor que tem num município, cidade, vila ou freguesia onde não haja um nível de integração de limpeza interessante, sublinha. A limpeza urbana tem ainda um impacto forte na componente de fixação de capital humano: “Uma cidade limpa é mais competitiva, fixa melhor o capital humano e dá melhor resposta e uma qualidade de vida acima das outras”. Nas pessoas, o impacto torna-se ainda mais evidente quando, atualmente, as cidades são cada vez mais vividas no espectro completo daquilo que são as 24 horas do dia: “O munícipe avalia cada vez mais rápido aquilo que é o papel e as respostas que a autarquia está a dar àquilo que se vai passando na cidade”.

É assim que Luís Capão constata tratar-se de um setor que impacta de forma direta a vida das pessoas, mas que passa ao lado do senso comum: “A ALU atua assim numa área que não é regulada e que não existe informação: é uma área onde normalmente se apagam fogos diariamente e onde existe uma grande conflito entre os cidadãos e os serviços da Câmara”. Isto porque não há estratégia nem planeamento: “O problema de Portugal nem sempre é a falta de recursos, mas claramente, a duplicação de esforços”. Neste caso específico, a ALU começou por criar um “grupo de cidades”, mais focadas nesta área, e, depois, juntou o setor privado: “Criamos um ecossistema que permita dar respostas a desafios brutais que existem nas cidades de hoje”.

Questionado sobre o porquê de o Governo nunca ter dado atenção a esta área, o fundador da ALU explica que a falta de ação tem que ver com o facto de nunca ter havido preocupação sobre a temática: “Nunca houve ninguém que despertasse (o Governo) de forma organizada para estes assuntos”. Por isso, a ALU quer fazer aquilo que nunca foi feito nas associações ou, pelo menos, copiar aquilo que melhor foi feito nas existentes até agora: “Focamos aquilo que é a transparência, a igualdade e as oportunidades entre os associados, autarquias e privados: queremos prestar um serviço público”, afinca.

[blockquote style=”2″]A limpeza urbana emprega diretamente 12 mil trabalhadores[/blockquote]

O III Encontro Nacional de Limpeza Urbana, que arranca esta terça-feira, 29 de junho, e que termina a 1 de julho, é um acontecimento que marcará o setor de forma significativa e afincada o país, despertando interesse e preocupação sobre os temas em questão. Os dois primeiros encontros, promovidos pela Câmara Municipal de Cascais e pela Cascais Ambientais, serviram, assim, de “mote” para um evento de âmbito nacional que este ano realiza-se no Altice Forum Braga. O sucesso dos eventos que se realizaram em Cascais deram a possibilidade a este de se aperfeiçoar: “Fizemos uma parceria com as maiores feiras internacionais de ambiente e vamos contar com a exposição de 24 stands de empresas”, adianta. Será, assim, uma “grande conferência de três dias”, que contará uma zona de exposições e com uma zona de conferência. Até à data, o III Encontro Nacional de Limpeza Urbana já conta com 350 inscrições.

Um dos momentos que marcará este Encontro será a apresentação do primeiro estudo, feito pela ALU, sobre a caracterização do setor da limpeza urbana em Portugal: “Não existe absolutamente dado nenhum: quantos meios estão envolvidos, qual é o valor acrescentado ou quais são as áreas que deveremos considerar como limpeza urbana”. Este estudo está dividido em duas áreas: recolha de resíduos indiferenciados e de resíduos seletivos, e a limpeza urbana. No conjunto, a limpeza urbana e a atividade regulada de recolha de resíduos indiferenciados e seletivos têm um impacto anual de, aproximadamente, mil milhões de euros na criação de valor acrescentado bruto (VAB) para a economia portuguesa, estimando-se que os custos com a limpeza urbana ascendem a 30 euros por habitante anualmente. Destes mil milhões de euros, 563 milhões advêm da recolha de resíduos e 468 milhões da limpeza urbana, precisa o estudo. Os resultados dos inquéritos realizados aos municípios e às empresas mostram ainda que estas atividades envolvem 44 mil postos de trabalho. No caso da limpeza urbana, a mesma emprega diretamente 12 mil trabalhadores, considerando tanto o setor público como o privado, a que se juntam mais 7.500 postos de trabalho indiretos. Já o trabalhador médio, é homem, tem 48 anos e o sétimo ano de escolaridade. Estes resultados, evidencia Luís Capão, são mais uma prova do impacto que o setor tem no dia-a-dia e nas cidades: “São serviços que passam todos os dias nas nossas casas”. E, voltando aos resultados do estudo, os trabalhadores deste setor – os varredores ou os “homens do lixo” –  são um ativo que não está minimamente explorado, mas com imensas oportunidades: “São homens e mulheres que, se virem as suas competências reforçadas por aquilo que pode ser o aumento do potencial do trabalho que desenvolvem, têm um potencial enorme e evitam o problema da duplicação de esforços”. E aqui as novas tecnologias terão um impacto muito importante, nomeadamente na diversidade dos serviços que estes trabalhadores podem desenvolver, assim como na capacitação dos mesmo em prestar um serviço com mais qualidade: “Isto é permitido através das novas tecnologias, como o 5G, a machine to machine ou a IOT”.

[blockquote style=”2″]Limpeza urbana tem de ser pensada em conjunto com a recolha de resíduos porque o impacto é gigante[/blockquote]

Apesar de não ter havido o “carinho desejado” por parte da Secretaria de Estado do Ambiente sobre estes resultados, nomeadamente sobre  as ações que estão previstas serem feitas pela ALU, Luís Capão destaca que houve uma grande conquista: “O Governo convidou a ALU para fazer parte das comissões consultivas dos grandes ferramentas estratégias, como o Regime Geral da Gestão de Resíduos (RGGR), o Plano Nacional de Gestão de Resíduos (PNGR) e o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2030)”. Neste momento, afirma o responsável, no PNGR, vai entrar o tema limpeza urbana, algo que não entrava até então; e no PERSU 2030 já vai existir medidas específicas para a limpeza urbana: “É uma vitória influenciar aquilo que são estes documentos estratégicos que, por sua vez, poderão influenciar aquilo que são medidas governativas de apoio em capacitação, equipamentos ou em descarbonização desta área”.

Relativamente às linhas de ação que estão a ser trabalhadas pela ALU, Luís Capão começa por adiantar que a “Governança” e o “Reconhecimento” são uma área que se centrará na valorização dos municípios, empresas, trabalhadores e todo o ecossistema envolvente. O mesmo acontecerá ao nível internacional: “Já temos parcerias acordadas com outras organizações semelhantes”. Ao nível da “Capacitação” perceber o que é a limpeza urbana e quem, no Governo, fica responsável pela área: “Não podemos dissociar aquilo que é regulado do que não é regulado: a limpeza urbana não tem de ser regulada, mas tem de ser pensada em conjunto com a recolha de resíduos porque o impacto é gigante”. Ainda nesta área, o responsável destaca a importância de se “perceber como é que se pode fornecer informação para que os dirigentes municipais, gestores públicos e administradores das empresas privadas possam ter mais ferramentas para otimizar a gestão dos equipamentos e das equipas”. A isto acresce, ainda, a “Sensibilização e a  “Legislação”, de forma a existirem “ferramentas legais”, bem como a “Inovação”. Luís Capão destaca o município de Cascais como um exemplo de inovação: “Tivemos já a demonstração da primeira varredora a hidrogénio e vamos receber a primeira varredora elétrica de cinco metros cúbicos: fomos o primeiro município a ter duas varredoras elétricas, de marcas diferentes, com o apoio do Fundo Ambiental”.

De uma forma genérica, Luís Capão defende que a limpeza urbana é um tema que tem que ser mais falado e discutido por parte de todos: “Somos também nós cidadãos responsáveis pela limpeza de uma cidade”, sustenta.

Atualmente, a ALU representa 22 cidades e freguesias e 20 empresas privadas, abarcando 15% da população nacional, o equivalente a 1 milhão e meio de habitantes. O potencial passa por representar 308 freguesias ou cidades.