Mais de 200 contribuições na consulta pública sobre resíduos expressam a preocupação da sociedade civil, afirmam organizações

Encerrou na última sexta-feira, dia 20 de novembro, a consulta pública sobre três diplomas na área dos resíduos, que contou com mais de 200 contributos de pessoas e organizações em apenas duas semanas, sobre um documento com mais de 400 páginas, e sem que tivesse havido qualquer aviso prévio de que esta consulta iria realizar-se nestas datas.

Os níveis de participação nesta consulta pública são “indicativas da preocupação transversal aos cidadãos portugueses,” especialmente tendo em conta que “as condições em que foi realizada estão longe de serem ideais”, alertam organizações ambientais.

De acordo com o mesmo comunicado, a “proposta de legislação sob consulta”, para a qual apenas foi disponibilizado um “período mínimo legal de 15 dias”, apresentava duas versões diferentes: “uma com 344 páginas” e “uma segunda com mais de 400” -, em “dois portais de acesso diferentes”, o que dificultou a “agregação de informação e participação”.

Mesmo assim, a Sciaena, a ZERO e a ANP|WWF vêem com “otimismo os mais de 200 contributos para esta consulta pública”, que mostram como os “cidadãos têm muito a contribuir para o pacote legislativo” apresentado, em linha com as suas preocupações ambientais. “Praticamente a totalidade dos portugueses (96%) está ciente dos problemas gerados pela poluição dos descartáveis de plásticos mas não têm as alternativas disponíveis e asseguradas por lei”, esclarece Renata Fleck, da Sciaena. “O contributo para esta consulta, que disponibilizámos aos cidadãos, centrava-se particularmente no facto do governo se demitir de definir metas para a reutilização e, mais grave, deixar a definição destas metas nas mãos da indústria que mais se tem oposto à reutilização”, acrescenta a responsável.

A repercussão da “falta de vontade política” do Governo em definir o rumo que Portugal deve tomar em relação à “utilização de embalagens reutilizáveis” também chegou a outros países, lê-se no comunicado. Esta motivou, assim, uma carta assinada por cinco associações ambientais da União Europeia, onde exigem uma mudança na posição do ministro de Estado, da Economia e Transição Digital, Pedro Siza Vieira, do secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor, João Torres, do ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, e da secretária de Estado do Ambiente, Inês Costa.

Na carta intitulada “Direito dos cidadãos de ´escolher reutilizar` removidos da proposta de legislação portuguesa”, as associações Break Free From Plastic, Changing Markets Foundation, European Environmental Bureau, Seas At Risk e Zero Waste Europe indagam os governantes portugueses, responsáveis pela elaboração da legislação, sobre qual o motivo para o decreto-lei apresentado na consulta omitir as metas de reutilização para embalagens que figuravam na versão anterior do pacote legislativo.

Na versão anterior, segundo o comunicado das organizações, constava que “até 2025, pelo menos 30% do volume anual de bebidas colocadas no mercado deve ser embalado em embalagens reutilizáveis”, meta que seria aumentada para “em pelo menos 70% do volume anual de bebidas colocadas no mercado em 2030”. Porém, na versão que foi colocada a consulta pública, o Governo recuou e apresentou uma legislação em que “são as estruturas representativas de setores de atividade económica, designadamente da indústria, do comércio, da distribuição e da restauração” que “devem adotar, até 2023, instrumentos de autorregulação que definam metas de gestão relativas ao volume percentual anual de bebidas colocadas no mercado embaladas em embalagens reutilizáveis, para 2025 e 2030”.

A proposta de autorregulação que agora consta na versão mais atual coloca em “risco todos os esforços” que já foram envidados no que toca à “redução da utilização de materiais descartáveis”. As entidades a quem foram delegados os poderes de regulação são reconhecidamente aquelas que lutam há muito tempo contra estas medidas, por terem interesse económico direto na perpetuação da atual economia linear, opondo-se à transição para uma economia circular. A proposta apresentada desvirtua a diretiva europeia dos plásticos de uso único e coloca sérios obstáculos à transparência e ao serviço e bens públicos por que as instituições públicas se devem bater, lê-se no comunicado.

De acordo com as organizações, a publicação desta proposta demonstrou que “muitas das propostas apresentadas pelo Governo são passos na direção errada” e a “sociedade civil parece ter deixado isso claro”. É, assim, altura de “reconhecer a transversalidade” do Ambiente em todos as áreas governativas, especialmente na “economia” onde é cada vez mais uma “oportunidade de negócio e não um entrave”, já que a “reciclagem de embalagens cria apenas 36 empregos por tonelada de resíduos” enquanto que a “reutilização das mesmas cria 296 empregos”, afirmam as organizações. Além disso, refere o comunicado, o Governo tem, também, uma “oportunidade de fazer prevalecer as propostas iniciais sobre reutilização e cumprir com o prazo de implementação dos sistemas de depósito”, se pretender apostar numa “recuperação económica verdadeiramente justa” (com mais emprego) e sustentável (com menos resíduos produzidos e poluição dos ecossistemas)”.