Mais quatro populações de espécies da flora ameaçadas estão a ser destruídas pelo avanço da agricultura intensiva, alerta ZERO

Após a denúncia de um cidadão, associados da ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável) constataram no terreno que está a ocorrer a “destruição de populações de várias espécies da flora ameaçadas”, na sequência do “arranque de mais um olival tradicional”, com recurso a “mobilizações de solo para instalação de um projeto de agricultura intensiva”, junto a Beringel, concelho de Beja, dentro do perímetro de rega de Alqueva.

Segundo o comunicado da ZERO, tratam-se de importantes populações de Linaria ricardoi (espécie de conservação prioritária, com estatuto de “Em perigo”), de Bellevalia trifoliata (estatuto de “Criticamente em perigo”), de Echium boissieri (estatuto de “Vulnerável”) e de Galium viscosum (estatuto de “Vulnerável”).

A ZERO já informou o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) desta situação, mas as expectativas em relação à “eficácia de atuação” da referida entidade são “quase nulas”, atendendo ao facto de “estarmos em presença de locais que estão fora de áreas classificadas”, refere o mesmo comunicado.

A ZERO remeteu também esta informação à EDIA (Empresa de Desenvolviemto e Infraestruturas de Alqueva), entidade que é responsável para gestão dos perímetros de rega e tem compromissos assumidos na conservação da espécie de conservação prioritária Linaria ricardoi, atendendo que a área de distribuição desta espécie é parcialmente coincidente com as áreas sujeitas à instalação do regadio.

Zona Especial de Conservação de “Alvito-Cuba” delimitada de forma

De acordo com a associação ambiental, este é mais um caso em que se detetam “insuficiências graves” na aplicação da Diretiva Habitats, a qual obriga que os Estados-membros da União Europeia, como Portugal, assegurem a preservação dos habitats das espécies de interesse comunitário, delimitando áreas para o efeito. No caso concreto, situação que há anos é do conhecimento do ICNF, as populações de Linaria ricardoi encontram-se quase totalmente fora dos 992 hectares das duas áreas disjuntas que formam a Zona Especial de Conservação (ZEC) “Alvito-Cuba”, a qual foi definida no ano 2000.

Esta situação, segundo a ZERO, foi relatada recentemente ao Ministério do Ambiente e Ação Climática (MAAC), propondo a adição de novas áreas à ZEC que garantissem a preservação desta espécie fortemente ameaçada pelo avanço das culturas permanentes intensivas na área de Alqueva. No entanto, segundo o comunicado da ZERO o “alerta foi completamente ignorado” pela equipa ministerial.

Informação sobre valores naturais classificados não está sistematizada

Para além das “evidentes debilidades” na representatividade de algumas espécies e habitats na Rede Natura 2000, passados mais de 20 anos sobre a designação de áreas destinadas à sua preservação, o país continua a não possuir um “Cadastro Nacional dos Valores Naturais Classificados”, um arquivo de informação sobre os valores naturais classificados e as espécies vegetais ou animais a que seja atribuída uma categoria de ameaça pela autoridade nacional de acordo com critérios internacionais definidos pela União Internacional para a Conservação da Natureza.

Ainda que esteja previsto no Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade publicado em 2008, “este importante instrumento de apoio à tomada de decisão continua a não existir, apesar de já estar disponível a maior parte da informação que resultou da elaboração de listas vermelhas (flora vascular, invertebrados) ou da revisão dos livros vermelhos (peixes de águas dulçaquícolas e migradores, anfíbios e répteis, aves e mamíferos)”, atenta a ZERO. A sua publicação permitiria “definir adequadamente as prioridades e gizar soluções de intervenção consequentes que melhorassem o estado de conservação das espécies e dos seus habitats”, assegura a associação ambientalista.

Neste contexto de “enorme preocupação com a inércia e a desatenção das autoridades”, a ZERO exige, no mesmo comunicado, que a atual equipa do MAAC deixe de concentrar as suas preocupações no “imprudente processo de cogestão” das Áreas Protegidas e centre, desde já, a sua “atuação na preservação os valores naturais ameaçados”, muitos dos quais localizados fora das Áreas Classificadas (Áreas Protegidas, Rede Natura 2000 e outras resultantes de compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português), encontrando “os recursos humanos e financeiros para o efeito”.

E parece ser urgente começar por melhorar a coerência ecológica e a eficácia da Rede Natura 2000, com a criação de novos Sítios e a revisão de limites de ZEC já existentes, sendo o caso de Linaria ricardoi a situação que requer mais atenção no imediato, antes que mais populações desapareçam.

No que respeita às outras espécies da flora e fauna ameaçadas, a ZERO advoga o início de um debate na sociedade portuguesa no sentido de se encontrarem soluções que limitem fortemente as pressões e ameaças à conservação dos valores naturais que hoje ocorrem nos territórios, sob pena de se assistir à extinção de mais algumas plantas e animais nos próximos anos em Portugal.