Modelo circular é um aliado na promoção da Economia Circular no setor da Saúde

Muito se fala sobre economia circular e a importância de um modelo capaz de promover um desenvolvimento sustentável. Associado ao tema, está a reciclagem e a importância desta prática. Numa altura em que se ouve que os “recursos são escassos” e com as previsões a indicar que em 2030 haverá mais população, o cenário é alarmante: o mundo não terá condições para suportar tanto consumo. Desta vez, centramos a nossa atenção numa área que, nos últimos dois anos, tem sido fortemente trazida para o debate: a Economia Circular na Saúde. Juntamente com especialistas, partilhamos a abordagem que tem sido feita neste setor em prol da sustentabilidade. Damos ainda a conhecer o mais recente projeto que promete revolucionar a saúde oral em Portugal.

Adalberto Campos Fernandes

Adalberto Campos Fernandes, docente na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa e antigo ministro da Saúde (2015-2018), parece não ter dúvidas sobre a importância do modelo circular para a economia: “A abordagem criteriosa na gestão de recursos permite encarar o futuro com maior confiança, na medida em que diminui os impactos ambientais e atenua as consequências de exaustão dos recursos naturais”. Olhando para o setor da saúde, o docente diz ter “particulares vulnerabilidades” a este tipo de estratégia, mas “em grande parte das atividades, é possível, com grandes ganhos de eficiência e de qualidade, promover a substituição do modelo tradicional linear pelo modelo de economia circular”. Em Portugal, são já muitos exemplos no setor farmacêutico e da biotecnologia: “Tendo em conta os impactos associados, o potencial de crescimento e desenvolvimento da economia circular é muito relevante”. Um dos eixos estratégicos a desenvolver passa, assim, pela “promoção das boas práticas” associadas à “reciclagem, reprocessamento dos produtos e equipamentos em condições de rigorosa segurança e controlo de qualidade”, constatando que “as modernas intervenções têm contribuído para a melhoria da eficiência, garantindo a integridade e a funcionalidade dos produtos e melhorando, significativamente, o controlo do desperdício e o consumo inadequado de recursos”. A Covid-19 veio “agilizar os mecanismos de cooperação internacional” no âmbito da União Europeia”. Neste contexto, Portugal vai “liderar uma parceria de 16 regiões europeias” que visa a “mobilização de esforços na inovação regional e nacional” com destaque para a “parceria inter-regional na área dos têxteis”.

O antigo ministro da Saúde acredita que a promoção da economia circular no setor vai passar pelo “aprofundamento da colaboração entre o Estado e as empresas. Importará consolidar um clima de eficaz parceria entre todos os setores intervenientes no setor da saúde em Portugal”, sucinta.

[blockquote style=”1″]42% mostra preocupação com o tema da entrega das embalagens e medicamentos fora de uso[/blockquote]

Luís Miguel Figueiredo

Questionado sobre as oportunidades que a economia circular traz à saúde, Luís Miguel Figueiredo, diretor-geral da Sociedade Gestora Valormed, aponta o “acréscimo de responsabilidade” que se “traduzirá numa maior credibilidade” do setor. Olhando aos desafios, e com uma recente revisão da literatura a demonstrar que “há ainda muita falta de informação da população sobre os perigos de contaminação do ambiente e da saúde humana causados pelo descarte errado dos medicamentos”, o responsável destaca a importância de se “prosseguir com o reforço das ações de sensibilização, educação e comunicação a todos os níveis em relação a esta fileira de resíduos”. E baseia-se num recente estudo de opinião que indica que “apenas 42% da população mostra preocupação com o tema da entrega das embalagens e medicamentos fora de uso” em Portugal: “Não há razões, no entanto, para que, quem ainda não o faz, não participe, pois a Valormed oferece aos cidadãos um sistema cómodo para se libertarem de embalagens vazias e medicamentos”.

Enquanto player-chave do setor do medicamento, a gestora promove a prática da economia circular, através da “colocação de contentores nos pontos de recolha localizados nas farmácias e parafarmácias aderentes” e, ao mesmo tempo, “procura, com a ajuda dos profissionais que nestes locais desenvolvem a sua atividade, incentivar e sensibilizar os cidadãos para a necessidade de devolução das embalagens e medicamentos fora de uso e de prazo no sentido de lhes ser dado o tratamento ambiental adequado”.

Relativamente à aposta que tem sido feito por parte da Valormed para chegar às empresas e à sociedade, Luís Miguel Figueiredo lembra que o setor do medicamento é “fortemente regulado” e, por isso, desde sempre, que “manifestou a preocupação em incluir na sua atividade questões associadas à sustentabilidade ambiental”.

[blockquote style=”1″]Clínica Zero Desperdício[/blockquote]

Ana Sofia Lopes e Paula Policarpo

Ainda dentro da saúde, destaque para um projeto-piloto que, além de querer dar a devida importância à saúde oral, quer promover a economia circular numa área onde há ainda muito desperdício. Chama-se “+Saúde Oral Zero Desperdício” e trata-se de um projeto-piloto de clínica, onde “democratizar” o acesso ao cuidado de saúde oral é a grande missão, à qual se junta a vertente sustentável, não fosse esta uma clínica “zero desperdício”. Ana Sofia Lopes, médica dentista, e Paula Policarpo, presidente da Zero Desperdício, são as mentoras deste projeto-piloto, que surge do atual panorama da medicina oral em Portugal pouco conhecido dos portugueses: 70% da população têm falta de dentes naturais; 32% nunca visitam o médico dentista ou apenas o fazem em caso de urgência; 22% nunca vão a um médico dentista ou vão menos de uma vez por ano porque não têm dinheiro para o fazer; 92% das consultas são realizados no setor privado; 11% dos estudantes que não tiveram acesso a atendimento dentário faltaram à escola; 46% foram a uma consulta com um médico dentista no ultimo ano. A esta “crise”, acresce que Portugal tem um excesso de dentistas: “Somos 15 mil profissionais, onde a maioria se encontra numa situação precária”, alertam.

Foi com base neste “cenário negro”, que surge o “+Saúde Oral Zero Desperdício”: “Queremos providenciar um projeto ao nível da saúde oral, com um conjunto de tratamentos à população mais vulnerável”. Este é o principal objetivo, a que se junta a vertente da economia circular, onde serão privilegiadas todas as práticas sustentáveis, desde as “compras ecológicas”, às “localizações operacionais”. Tratando-se de um “espaço já existente”, acresce que grande parte dos materiais e equipamentos, dentro das possibilidades, vão ser reciclados ou reutilizados: “Queremos encontrar fornecedores e soluções para diminuir o desperdício. Tudo o que for feito (na clínica) terá que ser sustentável”. Além da vertente social e ambiental, o “+ Saúde Oral Zero Desperdício” quer ainda tocar na componente económica, possibilitando aos jovens médicos dentistas conseguirem um emprego: “Queremos absorver competências humanas, combatendo o grande número de desemprego que existe nesta área”.

Durante a sua implementação, o projeto-piloto vai ser “monitorizado”, de forma a perceber o seu impacto a nível de “consumos”, implementando “ações que visam ultrapassar a ineficiências detetadas” e com uma preocupação a nível tecnológico com a “desmaterialização de processos”.

As promotoras do projeto esperam que a iniciativa esteja operacional no primeiro semestre de 2022 na junta de freguesia de Campolide, mas o desejo é de que este “modelo 360.º” seja possível ser escalado a outras zonas da cidade de Lisboa ou mesmo do país.

*Este artigo foi publicado na edição 89 da Ambiente Magazine