“No futuro, será que faz sentido pensarmos num secretariado permanente da Convenção (de Albufeira)?”

No terceiro dia do 15.º Congresso da Água vários especialista “juntaram-se” numa mesa redonda para debater os “Usos da água em contexto de cooperação transfronteiriça: vulnerabilidade e escassez partilhada”. O 15.º Congresso da Água, promovido pela APRH (Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos), começou no dia 22 de março (segunda-feira) e termina esta sexta-feira (26 de março).

Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) começou a sua intervenção por destacar a importância e a mais-valia que é o facto da Delegação Portuguesa da Comissão para a Aplicação e o Desenvolvimento da Convenção de Albufeira (CADC) ser presidida por um (uma) diplomata: “Desde sempre que Portugal indicou que seria um diplomata a liderar esta mesma delegação e assim continuará a ser porque este é um assunto lidado de Estado a Estado”. Ainda nestas matérias, o presidente disse que se há algo que tem caracterizado esta Convenção e a sua existência é o “bom senso” entre ambos os países (Portugal e Espanha) em “negociar” e “adaptar” um “tratado internacional em 1998”, bem como a adoção da Diretiva-Quadro da Água (DQA): “Significou que fomos capazes de colocar em cima da mesa à época um instrumento moderno de gestão integrada de recursos hídricos”. Assim é que, adianta Nuno Lacasta, a Convenção de Albufeira tem vindo a ser citada “internacionalmente” como um instrumento de referência: “Este é um resultado de relações amistosas entre países democráticos e integrados no contexto da União Europeia que têm o interesse de trazer uma estratégia serena da gestão dos recursos hídricos reconhecendo, claro, as diferenças entre os países”.

De acordo com o presidente da APA, nos últimos 20 anos é notório o nível de coordenação entre os dois países: “Mais intensa no segundo ciclo, com a preparação e apresentação de critérios e sessões de participação conjuntas ou pela troca franca de críticas aos instrumentos de planeamento de ambos os países”. No caso de Portugal, “não deixamos de criticar os diferentes planos de região hidrográfica quando achamos que assim o devia ser e continuaremos a fazê-lo”, vinca. Já no terceiro ciclo, mesmo em pandemia provocada pela Covid-19, a relação entre Portugal e Espanha foi reforçada com mais e melhores níveis de coordenação: “Os níveis de interação hoje em dia são muito intensos apesar, também, por exemplo, da volatilidade política em Espanha que não tem ajudado a que essa interação ocorra, na medida em que, os interlocutores do debate espanhol estão em mudança de Governo ou de administração”. É também visível mais cooperação: “Temos pela primeira vez um conjunto de projetos conjuntos – o POCTEP –  que, além de serem projetos muito importantes são uma nova abordagem na forma de cooperação”. Neste momento, segundo Nuno Lacasta, estão a ser ultimados cerca cinco projetos de avaliação conjunta: Massas de água; Prevenção de riscos, inundações e seca na bacias do Minho e Lima; Proteção de conservação entre peixes migradores no troço internacional afluentes; Ações para controle e eliminação do jacinto-de-água no troço transfronteiriço do rio Guadiana; Valorização Ambiental e Gestão Integrada da Água e dos Habitats no Baixo Guadiana transfronteiriço. Em cima da mesa está ainda o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e os Fundos Comunitários com um “portfólio de mais projetos conjuntos” ao nível da “monitorização” e do “planeamento”, acrescenta.

Apesar de já ser notório o nível de cooredenação entre os dois países, Nuno Lacasta chama a atenção para a importância de existir “mais negociação” até porque as posições, quer de Espanha, quer de Portugal, nem sempre são iguais: “Aqui é importante o fórum que temos para discussão específica sobre o regime de caudais no Guadiana”, exemplifica. Também, “mais perspetiva”, isto é “perceber onde queremos ir na gestão luso-espanhola de bacias transfronteiriças”, diz, destacando que o caminho passa por “mais contactos e mais projetos conjuntos”.

[blockquote style=”2″]Porque não (fazer investimentos) também em matéria de gestão da água particularmente nos troços transfronteiriços?[/blockquote]

Quanto ao futuro, o presidente da APA salientou uma série de “chamadas de atenção” que devem ser tidas em conta por Portugal e Espanha. A primeira passa logo pela “incorporação de cenários de alterações climáticas” no planeamento hidrológico, nomeadamente na própria Convenção e gestão: “Temos um caminho a fazer, inclusive nos planos de região hidrográfica e na variedade de instrumentos de planeamento”. Este é um “desafio complexo” na medida em que se promova um “mecanismo” capaz de fazer “estudos de impacte das alterações climáticas” ibéricas e nos troços transfronteiriços: “Esse é um projeto que continua em cima da mesa”, afirma. A isto acresce a relevância de “mais monitorização” conjunta: “No século XXI faz pouco ou nenhum sentido não terminar troço transfronteiriço e ter uma estação do lado de cá e uma do lado de lá. Não precisamos disso”, atenta.

Nas chamadas de atenção, o presidente da APA alertou para a importância de se continuar o trabalho de classificação e de comparação de metodologias: “Existe ainda alguma disparidade e, é difícil ter certo tipo de conversas quando as nossas métricas são distintas”. Embora já se façam investimentos conjuntos, como é o caso das redes transfronteiriças de energia, o presidente da APA considera que os mesmos devem ser reforçados: “Porque não (fazer investimentos) também em matéria de gestão da água particularmente nos troços transfronteiriços?”.

A crise do Tejo em 2017 fez com que Portugal tivesse adquirido um “melhor conhecimento de monitorização e de gestão”, sendo que as ações para os cenários de escassez que se fazem sentir em algumas zonas país já estão em marcha: “É situação desafiante e estão a ser analisadas um conjunto de possibilidades”. Ainda assim, Nuno Lacasta assegura que “a APA assume um papel de árbitro imparcial”, dando nota do “estudo definitivo” que está a ser desenvolvido sobre as “dificuldades hídricas em Portugal” e, que está em “articulação estreita” com o Roteiro para a Adaptação às Alterações Climáticas.

Em matérias de participação, o presidente da APA considera que é uma questão que deve ser melhorada, promovendo, por exemplo, a exploração de “mecanismos de participação por parte da sociedade civil”, relativamente aos “órgãos formais da Convenção”. Na Convenção, “há espaço para gerimos de forma mais automática e mais regulada”, precisa o presidente da APA, ressaltando a importância de “mais automatismos” na gestão de cheias ou de secas: “(Nas cheias) temos bons exemplos no Douro e no Tejo e gostaríamos de ter no Guadiana. (Nas secas) Portugal e Espanha têm um conjunto de planos nacionais, regionais e medidas que provam que somos capazes de o fazer”, vinca.

Em jeito de conclusão, Nuno Lacasta deixa uma questão de reflexão: “No futuro, será que faz sentido pensarmos num secretariado permanente desta Convenção como outras que têm pelo mundo fora?”