O contributo da gestão de resíduos para o modelo de desenvolvimento circular

Por Paulo Praça, Presidente da Direção ESGRA

Decorreram cerca de 40 anos da consagração do regime jurídico de gestão de resíduos em Portugal, através do Decreto-Lei n.º 488/85, de 25 de novembro, com o objetivo de criar condições para o  desenvolvimento de uma estratégia destinada a incentivar a menor produção de resíduos, o desenvolvimento de processos tecnológicos que permitam a sua reciclagem, a eliminação dos não reciclados em condições de máximo aproveitamento do seu potencial energético, e outros, e de adequada proteção do ambiente, estabelecendo como ponto de partida o conhecimento real dos quantitativos de resíduos produzidos, sua caracterização, destino final e seus responsáveis, a partir do qual foram criadas as bases da gestão dos resíduos.

Em 40 anos houve uma evolução tremenda, quer do ponto de vista tecnológico quer conceptual. No entanto, as principais preocupações ou objetivos são os mesmos, produzir menos resíduos, potenciar a maior valorização possível dos resíduos produzidos e proteger o ambiente.

Desde então, a nível nacional, a evolução registada é muitíssimo significativa. Foram erradicadas todas as lixeiras, o País dotou-se de instalações e equipamentos capazes de assegurar a gestão e tratamento de todos os resíduos produzidos de forma a dar resposta às necessidades da população e de proteção do ambiente e da salubridade pública.

Ao nível da União Europeia, a proliferação de instrumentos estratégicos, regulamentação e diversas formas de apoio à proteção do ambiente tem sido muito intensa, destacando o lançamento do Plano de Ação da UE para a Economia Circular, que, com o objetivo de promover a transição da Europa para uma economia circular, adotou um conjunto de medidas para promover o crescimento económico de forma sustentável. Neste contexto, foram fixados metas e objetivos destinados à gestão e tratamento de resíduos, a fim de atingir níveis mais elevados de reciclagem dos resíduos urbanos e redução da sua deposição em aterro, de modo a maximizar o valor e a utilização de todas as matérias-primas, produtos e resíduos, promovendo poupanças de energia e diminuindo as emissões de gases com efeito de estufa.

A regulamentação, as exigências ambientais e a complexidade de todo o enquadramento têm vindo a evoluir significativamente com vista a alcançar um “novo” paradigma de desenvolvimento circular e uma gestão sustentável de meios e recursos de forma a preservar o ambiente e a reduzir a extração de matérias-primas críticas, onde a gestão e tratamento de resíduos urbanos tem um papel fundamental, na medida em que permite a transformação de resíduos em recursos.

Acontece que, para que o contributo da gestão de resíduos para o modelo de desenvolvimento circular se cumpra é preciso uma atenção diferente da que tem sido dada no nosso País, nos últimos 20 anos, onde, sucessivamente, são adiadas soluções de operacionalização que acabam por se tornar urgentes levando à atual situação de colapso iminente com o esgotamento de soluções como o aterro, das quais ainda dependemos, quando deveria ser um encaminhamento residual.

E assim, quando ao fim de anos de estagnação assistimos à apresentação de um plano de ação corajoso e paradigmático para devolver ao setor a atenção e as soluções que precisa, o Pais vê-se novamente mergulhado numa situação de instabilidade política cujo arrastamento se pode vir a traduzir numa ameaça séria e concreta à sustentabilidade da gestão de resíduos e recursos.

*Este artigo foi publicado na edição 110 da Ambiente Magazine