“O objetivo é liderarmos na reciclagem em Portugal e irmos além das metas europeias definidas para o país” (Parte I / II)

“Um setor moderno e inovador, com um enorme potencial de evolução”. É assim que Ana Isabel Trigo Morais começa por definir o setor dos Resíduos em Portugal. Nesta Grande Entrevista, a CEO da Sociedade Ponto Verde (SPV), prefere olhar para as oportunidades, deixando os desafios e entraves de fora. E se há “ator” fundamental para tornar a economia circular uma realidade, a responsável parece não ter dúvidas do papel do setor, pois não se limita, apenas, a cumprir metas, mas sim a evoluir no sentido de criar não só embalagens cada vez mais sustentáveis, mas também novas soluções que mobilizem os consumidores para a reciclagem, satisfazendo as necessidade de toda a cadeia. Enquanto prioridade atual da SPV, a inovação e sua importância para este setor é um tema que fica bem presente ao longo desta conversa.

Como é que a Sociedade Ponto Verde define atualmente o setor das embalagens em Portugal?

“A Sociedade Ponto Verde define o sector das embalagens como moderno e inovador, com um enorme potencial de evolução para cumprir uma das suas principais missões: a criação de valor ambiental, social e económico. “Ator” fundamental da economia circular, o setor não se limita a cumprir as metas de reciclagem – é o único a cumpri-las em Portugal – e procura sempre evoluir de forma a satisfazer as necessidades quer dos embaladores, quer dos consumidores. Continua, por isso, a investir para aperfeiçoar métodos e serviços essenciais e resolver lacunas que existem ainda em alguns segmentos de embalagens. O objetivo é o mesmo de sempre: liderarmos na reciclagem em Portugal e irmos além das metas europeias definidas para o país. Os nossos parceiros são vitais para o cumprimento deste objetivo”.

Que evolução se tem assistido neste setor?

“Creio que tem sido feito um trabalho extraordinário e vou centrar-me no período que compreende a atividade da SPV, os últimos 25 anos, pois partimos do “zero” e conseguimos montar, em conjunto com os parceiros da cadeia de valor, um sistema de reciclagem de embalagens em Portugal que conta hoje com 60 mil ecopontos à disposição dos cidadãos.

Os dados relativos à recolha seletiva de embalagens mostram que o sistema funciona.

Em 2021, foram encaminhadas mais de 435 mil toneladas para reciclagem, o que representa um aumentou de 6,4%, face ao ano anterior. E o primeiro trimestre de 2022 registou também uma evolução positiva comparativamente com o período homólogo, com mais de 105 mil toneladas de embalagens encaminhadas para reciclagem. Estes últimos dados mostram que, dos materiais colocados no ecoponto, o vidro destaca-se com um crescimento de 9%, seguido do plástico e do papel/cartão, com um crescimento de 6% e de 3%, respetivamente.

São números que mostram o trabalho feito por todos os agentes da cadeia de valor, desde as empresas aos municípios, e também pelos cidadãos. A reciclagem é uma tarefa coletiva e a mobilização de todas as partes faz-se pela inovação, pela responsabilização e pela colaboração”.

O que é que significa inovar o setor das embalagens? E que implicações acarreta essa inovação?

“No sector das embalagens, a inovação significa trabalhar em rede e partilhar conhecimentos e experiências. Só assim será possível preparar o setor para os desafios que tem pela frente – numa auditoria realizada à gestão dos resíduos urbanos de plástico, o Tribunal de Contas faz um conjunto de recomendações cuja concretização passa por novas abordagens às políticas de gestão de resíduos e à sua valorização, assim como ao financiamento do sistema. A inovação também passa por aqui e exige compromissos de todas as partes, quer sejam operadores privados ou entidades públicas.

A inovação passa ainda pela partilha do conhecimento entre a indústria embaladora, a ciência, a academia, os empreendedores, os recicladores e os sistemas municipais e intermunicipais. No processo de conceção de uma nova embalagem, por exemplo, é necessário integrar um conjunto de princípios que tenham sempre como objetivo final a melhoria dos processos de recolha, separação e tratamento.

Como pioneira no sector da reciclagem, a SPV sempre procurou uma abordagem alinhada com a inovação e a partilha de conhecimentos. Só assim tem sido possível responder aos desafios colocadas ao sector pela União Europeia e abrir caminho para consolidar a circularidade e a reciclabilidade como palavras-chave para construir um futuro assente na economia verde”.

Que desafios / entraves enfrenta o setor que se quer inovador?

“Num sector que depende da inovação para criar não só embalagens cada vez mais sustentáveis, mas também novas soluções que mobilizem os consumidores para a reciclagem, mais do que desafios ou entraves, preferimos falar de oportunidades. Em dezembro do ano passado a terceira vaga do “Radar da Reciclagem” da SPV revelava que 40% dos portugueses referia ainda ter dúvidas sobre a reciclagem. Ou seja, apesar do caminho percorrido até aqui, há espaço para continuar a desenvolver soluções inovadoras e atrair cada vez mais consumidores.

Mais ecopontos e incentivos para aumentar a reciclagem de embalagens foram outras das conclusões deste trabalho e aqui estamos perante mais uma oportunidade de melhorar o sistema através de soluções mais inovadoras. No grande consumo os maiores desafios passam por conseguir encontrar novas soluções que tratem a pegada ambiental das suas embalagens e ajudem a evitar constrangimentos nos processos de reciclagem.

O trabalho recente do Tribunal de Contas identificava diversos constrangimentos que existem no sector dos resíduos, mas isso só pode ser um estímulo para que todas as entidades relacionadas com esta atividade procurem melhorar processos e criar outras formas de potenciar a reciclagem.

Obviamente que um sistema de gestão ágil, devidamente financiado e enquadrado do ponto de vista legislativo é um estímulo para criar um ambiente de inovação e onde os resíduos sejam vistos como um valor económico, gerador de emprego e de novas oportunidades empresariais”.

Qual tem sido o contributo da Sociedade Ponto Verde em prol da inovação do setor das embalagens?

“A ferramenta Pack4Sustain é o mais recente contributo da SPV, mas devo acrescentar que a inovação é uma das nossas maiores prioridades e isso fica patente no investimento de 13 milhões de euros que alocamos em I&D e Inovação e cujos resultados se manifestam nos dados obtidos dos nossos clientes, que através da eliminação de embalagens superfluas diminuiram 50% o peso das embalagens, ao reduzirem a quantidade de embalagens obtiveram menos 6600 toneladas de embalagens colocadas no mercado e menos 8000 toneladas de resíduos gerados. Esta aposta tem permitido encontrar novas soluções, mais digitais, verdes e eficientes para que entrem no mercado embalagens mais fáceis e orientadas para a reciclagem e para a correta gestão de resíduos. Ou seja, o contributo da SPV tem de beneficiar toda a cadeia de valor.

Em particular fazemo-lo através do Ponto Verde Lab, uma plataforma de conhecimento dedicada aos nossos clientes e assente na adoção das melhores práticas de ecodesign e design for recycling assegurando a melhoria da pegada ambiental das embalagens.

Neste eixo estratégico da SPV, destaco ainda o Re-Source, um programa de aceleração da inovação em parceria com a Beta-i que vai ter em breve a sua segunda edição. É mais uma iniciativa bem-sucedida que vem mostrar que o trabalho colaborativo dos diferentes agentes da cadeia de valor, envolvendo empreendedores, inovadores e academia, permite a criação de novas soluções.

Posso referir a título de exemplo um dos projetos apoiados pela SPV que visa encontrar materiais alternativos ao plástico. Trata-se de um projeto executado pelo Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica, de avaliação do uso de subprodutos da indústria agroalimentar para produção de biofilmes de origem vegetal em alternativa a filmes plásticos.

No total, através da plataforma Ponto Verde Lab, falamos de 46 projetos de investigação e desenvolvimento já apoiados pela SPV, de 87 entidades que decidiram inovar connosco”.

Quando se fala em inovação, o ecodesign deve surgir como prática obrigatória?

“Seguir os princípios do ecodesign é uma prática fundamental para se ultrapassar um dos maiores desafios do setor: conseguir reduzir a quantidade de resíduos resultantes das embalagens que se encontram no mercado. Encontrar materiais alternativos, reduzir a utilização de matéria-prima ou evitar soluções que causem constrangimentos à reciclagem, são alguns dos caminhos.

Embora haja um esforço e uma grande articulação entre a SPV, as empresas embaladoras e os sistemas de recolha e gestão de resíduos para aumentar as quantidades recicladas, a verdade é que, sabemos que há ainda um trabalho a fazer. Quem aplica o conceito do ecodesign consegue fazer mais e melhor, criando embalagens mais e melhor recicláveis para serem colocadas ao serviço dos consumidores e posteriormente encaminhadas para a valorização.

Na prática, isto significa que a adoção de alterações no momento de conceção das embalagens e de uma maior aposta em técnicas de prevenção dos seus resíduos vai, seguramente, permitir criar melhores versões dessas mesmas embalagens e melhorar o serviço de reciclagem em Portugal.

O tema é de tal modo relevante que esteve em destaque numa iniciativa realizada pela SPV em janeiro deste ano sobre o futuro das embalagens. Foi destacada a importância de investir em ecodesign, em bioeconomia e em outras metodologias inovadoras que contribuam para a melhoria crescente das embalagens, tornando-as mais fáceis de reciclar”.

Quais são as vantagens do ecodesign para o consumidor? Qual a visão que o consumidor tem sobre o ecodesign?

“A aplicação do ecodesign beneficia todos. Um consumidor mais informado e exigente, com um papel participativo e ativo neste movimento em prol da preservação ambiental vai optar por ter um consumo mais consciente e responsável e isso reflete-se nas suas escolhas diárias, também nas embalagens. Ou seja, vai privilegiar embalagens pelas suas “credenciais” ambientais e que gerem o menor impacto no pós-consumo. Aqui, há ainda muito que esclarecer os consumidores, elevando a literacia ambiental que permita escolhas mais esclarecidas”.

Qual deve ser o papel das empresas quando se fala em transformação e inovação do setor das embalagens?

“O papel das empresas, ao abrigo da sua responsabilidade enquanto produtores e embaladores, deve assegurar que, no fim do dia, os produtos de grande consumo que colocam ao serviço dos consumidores são, o mais possível, amigos do ambiente.

Sabemos que as empresas estão a fazer este percurso e que as práticas que adotam estão baseadas nos princípios ESG. Mas é preciso que sejam ainda mais dinâmicas, inovadoras e “verdes”, o que passa por terem a capacidade de direcionar investimentos e usarem as tecnologias e a digitalização para obterem resultados mais responsáveis, mais inclusivos, mais transparentes e mais inovadores e, assim, conseguirem gerar valor ambiental, social e económico para Portugal”. 

Que outros atores devem ser chamados para contribuir para um setor mais inovador?

“Creio, acima de tudo, que deve estar mais enraizado o trabalho colaborativo entre empresas, estado, academia e sistemas de gestão de resíduos. O papel do Estado – e aqui incluo o Governo, a administração pública e as autarquias – é vital na promoção da inovação, da regulação, do financiamento e da transparência de todo o sistema. Precisamos de novas soluções e novas atitudes para atingir as metas que nos comprometemos a nível europeu.

Mas além de uma articulação entre vários agentes, é essencial desenvolver um sistema de estatística e de indicadores rigorosos, que seja o retrato fiel do sector. Aqui, seria muito bem visto pela SPV a criação de novos instrumentos, essenciais para a transparência de todo o sistema”.

 

Esta é a primeira parte da grande entrevista que foi incluída na edição 93 da Ambiente Magazine.

 📸 Raque Wise