#Opinião: “O que comemorar hoje, 25.09.2023, no primeiro Dia Nacional da Sustentabilidade em Portugal?”

Por: Alice Khouri, Fundadora da Women in ESG Portugal, Advogada e PhD Candidate, e Maria Teresa Goulão, especialista em sustentabilidade, Premio Nacional de Ambiente 

Hoje, dia 25 de setembro de 2023, celebra-se pela primeira vez em Portugal o Dia Nacional de Sustentabilidade. A data escolhida pelo Conselho de Ministros remonta ao 25 de setembro de 2015, quando as Nações Unidas adotaram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que consistem nas metas globais destinadas a abordar uma diversificada natureza de desafios globais, incluindo pobreza, fome, saúde, educação, igualdade de género, água e saneamento, energias limpas e acessíveis, crescimento económico sustentável, redução das desigualdades, ação climática, dentre outras.

Alice Khouri

Eleger uma data emblemática para celebrar a sustentabilidade trata-se de uma decisão coerente com o compromisso que Portugal tem demonstrado com a Agenda 2030 e o desenvolvimento efetivamente sustentável, o que se nota, por exemplo, pelo facto de que Portugal apresenta, na maioria dos ODS, um desempenho acima da média da EU consoante o recente Relatório do Tribunal de Contas. Adicionalmente aos esforços amplamente divulgados, nota-se ainda que este ano, pela segunda vez, o país apresentou o Relatório Voluntário Nacional sobre Desenvolvimento Sustentável no Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas (em NY no passado mês de julho) e, no próximo dia 3 de outubro lançará o segundo relatório do Observatório dos ODS intitulado “ODS em Foco: Insights sobre as empresas portuguesas”.

Apesar do notável aumento da visibilidade – ou popularidade – da sustentabilidade nos dias de hoje, acompanhado de um protagonismo na agenda pública e privada, o conceito ainda parece relativamente abstrato para muitos. Tal realidade dificulta a sua aplicação com a urgência necessária e, por isso, antes de celebrar, é essencial entender exatamente o que estamos a reconhecer na data de hoje.

Em 1987, a Comissão Brundtland das Nações Unidas definiu a sustentabilidade como “a capacidade de satisfazer as necessidades presentes sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atenderem às suas próprias necessidades”. Esse conceito, reforçado nos grandes marcos históricos e conferências ao longo da década de 80 e 90, enfatiza o uso responsável dos recursos naturais para garantir um ambiente sustentável para as gerações futuras. É uma preocupação com a questão intergeracional e a necessidade de equilibrar o uso dos recursos, ideia que, por exemplo, foi retratada no vídeo comercial da Apple que se tornou viral nas últimas semanas.

Esclarece-se, contudo, que o conceito de sustentabilidade evoluiu bastante desde 1987 e, especialmente nos últimos anos, adicionaram-se ao agravamento das alterações climáticas outros cenários igualmente alarmantes e que requerem ações urgentes: de natureza não só ambiental (e em suas mais variadas vertentes de ecologia e biodiversidade), como também económica e social. O conceito, assim, transcende para âmbito verdadeiramente transversal, e exige a alocação e junção de esforços, com urgência, o que tem subsidiado decisões variadas no âmbito da UE. Destaque-se que esforços, contudo, exigem ambição prévia. E é esta ambição que devemos aprender a quantificar para então poder implementar via ações concretas – via regulamentos e legislação – e cobrar, monitorar a sua realização, em sectores públicos e privados. Ainda prestamos pouca atenção à ambição e aos compromissos refletidos por trás dos números e métricas, e pouco refletimos sobre o impacto de tais ambições nas decisões políticas, e é isto hoje que queremos provocar neste breve artigo de opinião. A sustentabilidade que comemoramos pressupõe um direito da humanidade complexo e que requer metas ambiciosas o suficiente para conter e, se possível, reverter o quadro de risco atual.

Teresa Goulão

Como um exemplo da atualização das ambições políticas, neste mês de setembro o Parlamento Europeu votou a favor de acelerar a produção de energia renovável no continente, com o objetivo de que as energias renováveis satisfaçam 42,5% das necessidades energéticas da região até 2030 e apelando aos Estados-Membros da UE para que atinjam 45% da sua procura de energia com energia limpa. Trata-se de uma revisão da ambição com relação a este aspeto, já que o objetivo anterior era de 40%, definido no RePowerEU logo após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Importante passo na ambição de um aspeto relevante para a sustentabilidade em uma de suas vertentes ambientais (que é a inserção de renováveis e a intensificação da transição energética), mas que também agora deve ser acompanhado em políticas efetivas.

A respeito deste cenário que envolve a sustentabilidade em seu conceito mais sofisticado e transversal, no qual a ambição é um primeiro passo do compromisso, note-se que a evolução da conscientização popular por meio da litigância climática, por exemplo. Desde 2017, início das pesquisas sobre litígios climáticos globais por parte do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, houve um aumento significativo no número de ações judiciais relacionadas às questões climáticas em todo o mundo.  Atualmente há cerca de  2.500 litígios climáticos e ambientais, em mais de 65 jurisdições em todo o mundo.

Embora a maioria dessas ações judiciais tenha como alvo os governos e decisores políticos, é cada vez mais comum ver na litigância a cobrança social para que empresas mudem o seu comportamento e estejam aderentes às ambições e urgências declaradas. Nos tribunais nacionais e internacionais, observamos um aumento notável nos casos baseados em alegações de responsabilidade civil envolvendo empresas multinacionais, governos, instituições financeiras e até mesmo bancos centrais por supostas violações das leis de devida diligência corporativa e práticas enganosas de “greenwashing”. Setores como os de combustíveis fósseis e energia, por exemplo, estão especialmente expostos a essas ações legais.

No próximo dia 27 de setembro, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em Estrasburgo, vai ouvir formalmente seis jovens portugueses  que apresentaram uma ação judicial sem precedentes relacionada ao clima, direcionada a um conjunto de 32 países europeus. Como explica o Tribunal, os reclamantes “alegam que os incêndios florestais que ocorrem em Portugal todos os anos desde 2017 são um resultado direto do aquecimento global”. No mesmo sentido, no Brasil alguns litígios garantiram jurisprudências que  reforçam  o escopo da ação climática  reconhecendo o Acordo de Paris como um tratado relacionado à garantia dos direitos humanos. Na Suíça, um grupo de 2.000 mulheres com mais de 65 anos apresentou uma ação judicial contra o governo suíço, alegando que a saúde e a vida das mulheres idosas está em risco devido às ondas de calor causadas pelas alterações climáticas. O Tribunal de Montana, em agosto deste ano, decidiu que o Estado de Montana tem a obrigação constitucional de proteger os seus habitantes das alterações climáticas e gerir, de forma adequada, os riscos relativos às alterações climáticas.

Apesar de a ambição estar relacionada a um compromisso nacional ou supranacional, o impacto nas metas empresariais é imediato e a sociedade assim tem exigido por meio da litigância exemplificada ou, de forma indireta, por meio do impacto no valor financeiro e reputacional das empresas. Investigadores do Grantham Research Institute, da London School of Economics, realizaram um estudo intitulado “Impacts of climate litigation on firm value” que indica que ações de litigância climática e ambiental ou decisões judiciais desfavoráveis ​​reduzem o valor da empresa em -0,41%, em média.

Acreditamos, portanto, que não vai ser suficiente a ambição na esfera política e de tomada de decisões públicas. A sustentabilidade transversal como a que almejamos – e que pretende a durabilidade do nosso planeta e seus recursos – requer esforços multidirecionais, com ambição dos líderes: políticos, mas também corporativos, com reflexos diretos na estratégia negocial das empresas.

Respondendo ao título desta coluna comemorativa – e provocativa – talvez uma forma eficiente de celebrar esta data seja conjugar a dupla de verbos: ambicionar e implementar. Conhecer o conceito mais condizente com a atualidade e suas implicações práticas requer assumir a necessidade de ambição mais agressiva nas metas de uma sustentabilidade de forma transversal (E, S e G) e, então, incorporar o seu conceito na estratégia corporativa, no dia a dia da sociedade e cobrar que assim seja feito.

Este é um dia de celebração, sim, por uma sociedade portuguesa que eleja a sustentabilidade (transversal) no centro de suas políticas públicas e também estratégias corporativas, mas sobretudo é um dia de alerta: serve para relembrar que, além desta data específica no ano, continuam todos os outros 365 dias a clamar por nossa dedicação (efetiva) a um tema incontornável.