“O que mais me orgulho é de ter unido a cidade com o verde”

José Sá Fernandes, vereador do Ambiente, Clima e Energia e Estrutura Verde da Câmara Municipal de Lisboa, recebeu a Ambiente Magazine nos Paços do Concelho para uma Grande Entrevista sobre o estado do ambiente na capital. A distinção Lisboa Capital Verde Europeia foi um dos focos da conversa, e o vereador garante que apesar de muitos projetos terem ficado adiados devido à pandemia da Covid-19, o compromisso para o futuro mantém-se. Daqui a 10 anos, Sá Fernandes não tem dúvidas de Lisboa será uma cidade mais verde, excelente para passear.

A Lisboa Capital Verde Europeia é um projeto emblemático para a Câmara de Lisboa. Entretanto a pandemia Covid-19 alterou toda a atividade económica do mundo. O que a Capital Verde Europeia conseguiu atingir? O que ainda se propõe a atingir? E o que terá ficado para trás?
Ter a distinção “Capital Verde Europeia” é um dos maiores prémios que se pode receber para as cidades que se propõem atuar sobre as diversas variantes relacionadas com o ambiente. Lisboa ganhou porque evoluiu muito nos últimos 10/12 anos. E desenhou um compromisso para o futuro, 2030/2050, que é ambicioso mas credível. É a primeira vez que esta distinção é atribuída a uma cidade do sul da Europa.

O trabalho feito, e aquilo que nos propusemos, não ficará para trás. Muitas das iniciativas foram adiadas, devido à pandemia. É evidente que num ano onde recebemos um prémio destes tínhamos uma série de programação ligada às questões ambientais. Íamos promover uma série de conferências, exposições, entre outros eventos, uns que não se realizarão, outros serão adiados.

No entanto, a essência da Capital Verde é o seu compromisso, e este mantém-se. Assim o é com o compromisso da Câmara Municipal, como com as empresas que laboram na cidade. Assinámos um compromisso com mais de 200 empresas, em fevereiro. Existe um mural na Avenida Calouste Gulbenkian onde está assinalado esse compromisso do futuro, até porque ninguém faz nada sozinho.

Temos metas muito claras sobre todos os parâmetros ambientais que queremos atingir, esse compromisso está espelhado no site da Capital Verde assim como no da Câmara Municipal. Devido ao contexto da pandemia, muitas desses objetivos até poderão ser acelerados. Por exemplo, ao nível do digital e teletrabalho, que obviamente têm consequências na mobilidade na cidade, e na própria habitação dos centros históricos da cidade.

Em termos de conferências, perdemos. Tínhamos previsto três grandes conferências mundiais, a dos Oceanos, a dos Transportes da União Europeia que passa para 2021, e a Urban Future que também não se realiza. Os outros eventos adiámos. Íamos ter uma grande Exposição sobre a Água no Pavilhão Ciência Viva, sobre Energia no MAT, e sobre as Alterações Climáticas no panorâmico de Monsanto, que ficam para o ano.

A minha perceção é que este é um evento que se prolonga de uma maneira ou de outra e tiraremos boas lições disto tudo. Porque hoje há mais sensibilidade para as pessoas falarem dos temas que abordaríamos nestas conferências e as exposições visavam questões ambientais como escassez de água, a energia, biodiversidade, entre outros. Este abalo que ainda sentimos e a incerteza interior que cada um tem, mas também coletiva, criou uma obrigação de discutirmos as matérias ambientais.

Como pretendem então atuar para atingir os objetivos que se tinham proposto na Capital Verde Europeia?
Através da informação, dando continuidade a um trabalho que temos feito, muito bom, disponível na internet e que estará nas bibliotecas, que visa uma panóplia de temas, desde a energia, alimentação saudável, água, árvores. Por outro lado, a partir de setembro vamos ter o mapa do ruído disponível e sobre poluição atmosférica; já temos disponíveis a matriz da água e energética. Adiámos o debate sobre a Saúde Pública e Ambiente, que será a 3 de novembro. Pressinto que as pessoas vão querer discutir este tema com incidência na questão da poluição atmosférica e ruído, pois houve um período em que a cidade não as teve.

Outra temática são as ondas de calor. Teremos um dossier pronto para abordar este tema no contexto das cidades a partir de setembro.

Os debates ainda poderão ser alargados a exemplos concretos. Por exemplo, vamos ter instalações fotovoltaicas no final do ano na cidade. Lisboa vai ser a primeira cidade do mundo, julgo eu, cuja água excelente vem ter à cidade com energia limpa, num investimento da EPAL. E a água distribuída em Lisboa também será feita com energia limpa pois será montada uma estação fotovoltaica nos terrenos da EPAL, no Parque das Nações e em Telheiras. E já podemos ver a primeira instalação de água reutilizável para rega dos espaços públicos. A nossa central fotovoltaica relacionada com o reabastecimento dos autocarros elétricos da Carris também está prestes a entrar em funcionamento.
Ou seja, temos uma nova realidade que poderá proporcionar debates in loco, mostrando obra feita, quer na água, quer na energia.

Provavelmente, no último trimestre do ano, teremos a Praça de Espanha requalificada, o Vale de Alcântara muito adiantado ou pronto, outros jardins rearranjados, o que permitirá debater como se muda o “alcatrão” de sítios urbanos para espaços verdes.

É verdade que este é um trabalho que fazemos há 10 anos, mas a memória das pessoas fica mais viva quando a coisa é nova.

Vamos manter uma exposição, que está adiada, sobre os jardins históricos do país, uma maneira de mostrarmos Portugal. Desde o princípio da Capital Verde que queríamos mostrar Portugal, não olharmos para o umbigo e focarmo-nos em Lisboa. Esta exposição vai abrir a 1 de julho na Biblioteca Nacional. E teremos outra sobre os Parques e Reservas Nacionais, em setembro.

A Capital Verde Europeia assumiu um compromisso de metas para 2030/50, para a câmara, empresas e pessoas. Mais empresas podem aderir?
Sim. Tínhamos a referência de uma data para a assinatura pública do compromisso. Neste compromisso temos metas claras relativamente às renováveis, eficiência energética, entre outros, que se mantêm, estão a cumprir-se e, em alguns casos, estão a ser ultrapassadas.

Mas há três aspetos que são fundamentais. Tínhamos falado envergonhadamente sobre o assunto mas agora assumimos: a aposta no hidrogénio. Provavelmente para o ano já poderemos ter a primeira estação de hidrogénio numa cidade em Portugal, a partir da nossa central fotovoltaica em Carnide. Outro dos pontos em que aceleramos a discussão é o da pobreza energética. Temos que acelerar uma transição nesta área, até porque a pandemia dá mais força a isso. O outro elemento, que só pode ser considerado a partir de 1 de janeiro de 2021, devido à legislação, são as comunidades energéticas. Isto significa transferência de energia de edifícios que produzam em excesso para aqueles que tenham essa necessidade.

Já referiu os projetos que estão na calha para um desenvolvimento mais sustentável e verde. Qual a dimensão destes?
Estes projetos impactam em várias aéreas. Tem que se garantir que a água que se utiliza é reutilizável. Por exemplo, relembro que as ETAR’s de Lisboa também terão painéis fotovoltaicos que garantam que o seu funcionamento seja feito com energias renováveis. A EPAL e as Águas do Atlântico é que são responsáveis por este excelente trabalho.

Espero no inverno termos uma grande novidade que é lavarmos o Bairro Alto com água reutilizável. Vamos também aproveitar as águas das antigas nascentes de Lisboa para rega, na zona de Ajuda e Alcântara.

Temos também atuado em pequenos jardins ao longo da cidade que irão começar a abrir.

De que forma se pode envolver mais os cidadãos neste caminho?
Estamos a elaborar guias para que as pessoas se possam informar melhor. Vamos lançar um concurso de fotografia/ilustração com a Sociedade das Belas Artes. Estamos a investir nas redes sociais para espalhar a informação e para que as pessoas participem nas várias discussões. Temos atuado na sensibilização e na divulgação dos bons hábitos.

Criámos também uma plataforma de identificação das árvores da rua, onde neste momento temos 40 mil catalogadas, e até ao final do ano esperamos ter placas identificativas.

Penso que terá considerado que, após este mandato autárquico, será a hora de se olhar outra vez para o rio. Quer desvendar um pouco das suas ideias relativamente a esta matéria?
Temos feito muito ao nível do rio. Há 12 anos começámos por tirar os esgotos do rio, havia na altura 100 mil casas a despejar diretamente para o rio. Depois tirámos os carros junto do rio. Vamos lançar agora um livro sobre o estuário do Tejo e seus ecossistemas porque os outros municípios também atuaram bem em relação ao tratamento dos esgotos e das ETAR’s, o rio está de facto mais despoluído. Estamos em negociações para um sapal, que é o grande esquema de biodiversidade dos rios, na zona do Parque das Nações. Hoje há mais biodiversidade no rio, mas teremos mais. É necessário intervenções nas margens, com sapais, para que cresça a biodiversidade no rio. A montante precisamos de um transporte bom entre margens.

Também salientar o acordo a que chegámos com a APL (Associação dos Portos de Lisboa) para que os cruzeiros quando atraquem sejam abastecidos eletricamente, a partir de 2022, mitigando a poluição do ar.

Que soluções se poderão antecipar para mitigar a poluição da cidade, em concreto ao nível de ruído e do ar?
Ao nível do ar, foi aprovada a aquisição e implementação de 80 sensores ao longo da cidade para medir a poluição de gases e ruído. Isso permitirá informar as pessoas sobre essas áreas pois temos que alertá-las que os gases fazem mal ao corpo humano. Há estudos internacionais sobre essa matéria, que poderão ser explicados por médicos nacionais.

Temos que diminuir o trânsito na cidade. Neste momento, estamos a introduzir mais bicicletas e pistas, para permitir a mobilidade. Tem de haver uma grande discussão sobre teletrabalho, deslocações desfasadas para a cidade e o aumento dos residentes na cidade. Esta é também uma maneira de diminuirmos o tráfego automóvel, de onde vem a poluição.

Há aqui uma grande questão, que não é a posição da Câmara Municipal, mas minha. Estávamos, antes da pandemia, com níveis de ruído insuportáveis devido ao aeroporto. Não é de uma hora para a outra, mas tem que se fazer a deslocalização gradual do aeroporto para Alcochete. O aeroporto tem de sair de Lisboa. Sou contra o Montijo e a manutenção da Portela. Daria outra oportunidade à cidade que era expandi-la de uma forma extremamente estruturada, sem fazer as mesmas asneiras que fizemos durante décadas.

Como olha o vereador do Ambiente para o turismo?
Eu adoro viajar. Entendo que as pessoas queiram cá vir. São todos bem-vindos. O que se tem que fazer para que Lisboa continue a ser única é que os turistas não durmam todos no centro histórico. É isso que a Câmara Municipal agora está a fazer. Se estamos atrasados ou o deveríamos ter feito há mais tempo, admito que sim.

Que outros desafios tem Lisboa pela frente?
Há coisas que têm reflexos muito importantes em algumas áreas de Lisboa, por exemplo, a logística. Mesmo que se comece a investir em produção mais próxima ao seu consumo, poupando-se energia, ganhando-se empregos, entre outros, para uma cidade é muito importante pensar na logística interna. Há duas questões onde a cidade poderia ter mais intervenção e vai ter. Uma é a roupa, teremos uma Conferência pois temos de começar a ter uma consciência ambiental do que vestimos, que está relacionado com a poluição dos mares e rios. Não nos podemos esquecer que o grande consumo se dá nas cidades. A outra variante é a alimentação, apostar numa mensagem de alimentação saudável é muito importante, assim como em alimentação local ou de proximidade.

Na vertente ambiental, e citando-o, “estamos perante escolhas no sentido de evoluirmos”. Quais devem ser as prioridades dos cidadãos e dos políticos?
Têm de ser as mesmas, um político é um cidadão, um cidadão é um político, no sentido de que vota, escolhe e exige. O que tem de se fazer para se mitigar essa distância entre político e cidadão e vice-versa, há uma obrigação das entidades públicas e dos políticos em informar. A Câmara de Lisboa está a divulgar toda a informação que pode. Tem que se divulgar a boa e a má informação. O mundo não está para políticos com medo das consequências. Depois, o político tem que perceber que no serviço público o mais importante é o cidadão, não é o serviço. Essa manifestação da informação e de poder estar aberto à discussão é absolutamente essencial.

O cidadão também tem que saber exigir, e distinguir o trigo do joio face à informação que o rodeia. Isso só pode ser feito através da ciência. Este é um fator essencial e as pessoas hoje já perceberam, devido à pandemia, que a ciência é muito importante. Ou seja, precisamos de informação certificada.

Como vê Lisboa daqui a 10 anos, que principais mudanças poderão trazer mais significado para a cidade?
Uma coisa é o meu desejo. Outra é aquilo que eu pressinto que vá acontecer. Tentando misturar estas visões, vai haver três coisas muito boas na cidade. Uma é que Lisboa vai ser verdadeiramente uma cidade verde, excelente para passear. Fizemos nos últimos 10 anos mais de 200 hectares de zonas verdes e, para o próximo ano, mais 50 hectares. Não há ninguém que não tenha em Lisboa uma zona verde de média dimensão, a menos de 500 metros. Os parques são socialmente os espaços mais democráticos, são para todos. Lisboa, a esse nível, está num patamar extraordinário.
Será possível também consultar toda a informação sobre a cidade. Evoluímos muito, preparámo-nos para isso.

O que desejo, que é incontornável, e que pode falhar, mas eu não quero que falhe, é ter muitos portugueses a viver no centro histórico da cidade e que haja uma mobilidade bestial no interior da cidade, assim como para fora e, já agora, que o aeroporto não esteja dentro da cidade, mas com acessibilidades rápidas a todos nós.

O que o vereador Sá Fernandes sente que trouxe a Lisboa no campo ambiental e o que recebeu em troca?
Eu tenho um grande amor pela cidade. Tinha “a mania” que conhecia muito bem a cidade, agora conheço-a muito melhor. Todos os dias aprendo algo na cidade e isso é o melhor que recebo pessoalmente. Conheço sítios com mais sombras, refúgios, lugares de contemplação, bons restaurantes… Já conhecia muito bem a cidade, desde a Ameixoeira a Belém, mas recebi um maior conhecimento sobre esta.

O que mais me orgulho é de ter unido a cidade com o verde. Em 2021 posso ir-me embora, mas essa é uma realidade.