ODS poderão gerar 380 milhões de novos postos de trabalho até 2030, diz estudo da OCDE

Quando se fala em sustentabilidade, fala-se também sobre a ética do futuro. Mas convém não confundir sustentabilidade com ambiente. Quem o diz é Jorge Moreira da Silva, Development Co-operation Directorate da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

Desde 2015, aquando foram aprovados os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o Acordo de Paris, que existe a necessidade de não se confundir os dois termos (sustentabilidade e ambiente): “Falámos da dimensão ambiental mas também da dimensão social  e económica. Estamos a falar de nós e dos outros”. O responsável falou no último dia do Tomorrow Summit. O evento totalmente digital realizou-se entre os dias 25 e 27 de novembro.

Mesmo antes da crise pandémica provocada pela Covid-19, Jorge Moreira da Silva lembra que Portugal já estava “fora da pista” no combate à pobreza. E as razões são claras: “Temos infelizmente mais de 800 milhões de cidadãos em situação de pobreza extrema e as desigualdades no mundo têm vindo a aumentar”. Esta realidade está claramente relacionada com a sustentabilidade fazendo parte dos ODS: “Vivemos num contexto em que mil milhões de cidadãos não têm acesso a eletricidade, 2400 milhões não têm acesso a saneamento básico; temos uma crise migratória que coloca em risco quase 64 milhões de cidadãos, estando 24 milhões num contexto de crise de refugiados”. Posto isto, o “contexto de insustentabilidade” é já uma realidade de há muitos anos, precisa.

[blockquote style=”2″]Temos que dar uma resposta enquanto consumidores, eleitores e contribuintes[/blockquote]

E o mesmo se pode dizer quanto ao tema das alterações climáticas, da biodiversidade ou dos oceanos: “Em breve, teremos mais plástico no mar do que peixes”. Hoje, atenta o responsável, “vivemos uma caminhada inexorável” com a mudança climática e está “fechar-se” de uma forma muito rápida a “janela de oportunidade” para travar os efeitos do fenómeno: “Estamos a viver a sexta extinção em massa de biodiversidade”. Além disso, sustenta Jorge Moreira da Silva, é claro que a “pressão que é colocada nos recursos” (água, energia, biodiversidade ou oceano) deve ser motivo para a rápida mudança de paradigma, exemplificando desde logo com a forma como “consumimos, produzimos, investigamos ou inovamos”. Esta é assim um “chamada de atenção”, que não se foca exclusivamente nos governos, mas também na sociedade: “Temos que dar uma resposta enquanto consumidores, eleitores e contribuintes” E, ainda num “conjunto de evidências” cada vez maiores, o responsável lembra aquela que tem sido a mensagem dos cientistas, nomeadamente o facto das atitudes e concretizações de hoje irão certamente deixar uma marca positiva ou negativa para as gerações vindouras. Mas, neste contexto é também fundamental ter noção das “enormes” desigualdades: “Há um azar terrível que assola os países mais pobres. Eles não são aqueles que mais emitem gases com efeito de estufa mas são aqueles que mais enfrentarão as consequências das alterações climáticas”.

[blockquote style=”2″]Noção perfeita de que quem investiu em fundos verdes teve uma rentabilidade superior[/blockquote]

Num mundo marcado pela desigualdade, insustentabilidade e por compromisso à escala global e com alguma inação na concretização dos ODS, Jorge Moreira da Silva quis dar conta dos sinais positivos. E a aposta no “verde”, na “economia azul”, nas “soluções mais sustentáveis de produção e de consumo” são, não apenas uma “obrigação no plano ético” mas, também, uma “grande oportunidade de desenvolvimento económico e de criação de emprego”. As áreas dos materiais, transportes ou armazenamento de energia são um dos exemplos que a revolução é já notória: “Hoje, 70% dos países do mundo já têm energias renováveis mais baratas do que a mais barata das tecnologias fósseis”. Na verdade, há uma “noção perfeita” de que quem investiu em “fundos verdes” teve uma “rentabilidade superior” a outros fundos: “E mesmo em momentos de crise como aquela em que vivemos, esses fundos foram mais resilientes do que aqueles que incluem ativos tóxicos”, precisa. Por outro lado, há dados cada vez mais robustos quanto à vantagem de investirmos no combate às alterações climáticas: “A OECD produziu um estudo que aponta para uma oportunidade de crescimento do PIB a 5% até 2050 se integrarmos as preocupações climáticas nas políticas macroeconómicas mas também na política industrial”. Ainda segundo o mesmo estudo, “os ODS poderão gerar 380 milhões de novos postos de trabalho até 2030”. Portanto, “há um conjunto de evidências que apontam para a urgência do combate a sinais de insustentabilidade mas também às oportunidades associadas a este combate”, reforça.

[blockquote style=”2″]Nós não vamos sair (da crise) sem ser juntos[/blockquote]

Do ponto de vista do responsável, este é um contexto em que os países em desenvolvimento estão a enfrentar aquilo que é a “tempestade perfeita”. Assim, falar de alterações climáticas, biodiversidade, oceanos, água e energia tem de ser “compatibilizado” com o combate à pobreza: “Se não o fizermos, estamos a colocar de uma forma ineficiente uma dicotomia entre o social, económico e o ambiental”. Para Jorge Moreira da Silva, é tão fundamental compatibilizar a resposta como também evitar uma “escolha” entre esta crise e outras crises: “Temos de encontrar uma forma de recomeçar de novo e a resposta à pandemia tem que ser compatível com o combate às alterações climáticas, à extinção da biodiversidade e às desigualdades”. Por outro lado, “precisamos também de uma resposta que vá além de financiamento”, isto é, que não se limite a “olhar para o conta quilómetros do investimento e do financiamento”, esquecendo que “há mudanças de comportamento e mudanças estruturais” que requerem “políticas, audácia e coragem”, refere. Depois é também necessário encontrar um resposta que vá além da dicotomia “nós e eles”: “Nós não vamos sair (da crise) sem ser juntos. É necessário que, ao mesmo tempo que resgatamos a nossa economia, ajudamos os outros a crescer”.

Em notas finais, Jorge Moreira da Silva quis chamar a atenção que não é possível “enfrentar” uma crise como a da Covid-19 se cada país se limitar a resgatar as economias de forma individual, esquecendo a “obrigação” de projetar “maior solidariedade internacional” que obrigará a um “conjunto de instrumentos, políticas e metas mais ambiciosas” para o combate às alterações climáticas e, ao mesmo tempo, colocar o cidadão (game changer) no centro destas políticas: “É o cidadão quando escolhe, quando consome e quando vota”.