O GEOTA e a ZERO foram duas das organizações ambientais que se mostraram relutantes em relação ao Plano de Desenvolvimento e Investimento na Rede Nacional de Transporte e Infraestruturas de Armazenamento de Gás Natural (PDIRG 2025), que esteve em consulta pública.
O plano prevê mais de 470 milhões de euros em investimentos, até 2035, e é considerado pelo GEOTA como “desalinhado com os compromissos de neutralidade climática assumidos por Portugal”, nomeadamente a Lei de Bases do Clima e o Plano Nacional de Energia e Clima 2030.
Miguel Macias Sequeira, vice-presidente do GEOTA, sublinha que “investir na expansão da capacidade das infraestruturas de transporte e armazenamento de gás natural em contexto de transição energética é um erro estratégico que compromete os objetivos climáticos de Portugal”. O GEOTA reconhece que o gás natural será um elemento relevante do sistema energético nacional durante, pelo menos, mais duas décadas e que a rede poderá beneficiar do aumento da produção de biometano; mas salienta que a proposta de PDIRG 2025 não tem em conta a redução expressiva do consumo de gás natural nos últimos anos, tendência que deverá acelerar com a eletrificação da economia e o crescimento da produção renovável. Este desfasamento poderá levar a infraestruturas subutilizadas e a “ativos encalhados”.
O GEOTA considera que uma parcela substancial do investimento proposto é questionável face à diminuição do consumo nacional de gás natural, à crescente disponibilidade de gás natural no mercado global e a uma perspetiva mais conservadora sobre a evolução dos gases renováveis. Em particular, critica-se a aposta em soluções tecnicamente desafiantes e ambientalmente pouco eficazes, como a mistura de hidrogénio verde com gás natural. “A utilização de hidrogénio verde deve ser reservada para setores onde não existem alternativas viáveis de descarbonização. Usá-lo como pretexto para expandir a rede de gás é ineficaz e economicamente irresponsável”, afirma Miguel Macias Sequeira.
Além disso, o GEOTA alerta para a ausência de uma visão estratégica para a desativação gradual da rede de gás natural, uma medida já em análise noutros países europeus. “Portugal precisa urgentemente de um plano sério, transparente e justo para desativar gradualmente a rede de gás natural, evitando investimentos desnecessários e preparando o país para um sistema energético mais sustentável”, conclui Miguel Macias Sequeira. O GEOTA apela para que alguns dos investimentos propostos sejam reavaliados, dando prioridade a soluções limpas, seguras e custo-eficazes.
A ZERO, por sua vez, considera que o PDIRG 2025 “não está alinhado com a trajetória nacional e europeia de descarbonização, não respeita os princípios de suficiência e eficiência energética, e arrisca perpetuar infraestruturas de gás fóssil obsoletas, comprometendo recursos que deveriam ser direcionados para soluções energéticas verdadeiramente sustentáveis”.
A proposta do Plano assenta em projetos de blending (mistura) de hidrogénio com gás fóssil (gás natural), prevendo investimentos superiores a 111 milhões de euros para adaptar a rede de transporte de gás (RNTG) e o armazenamento subterrâneo (AS) a misturas de até 10% de hidrogénio em volume. “Esta opção, que procura manter a atual rede de gás como peça central do sistema energético, não só carece de racionalidade económica e técnica, como é explicitamente desaconselhada pelo novo quadro legislativo europeu”, afirma a ONGA.
A ZERO reafirma a sua posição de que o modelo mais eficiente e sustentável para o aproveitamento dos gases renováveis — seja o hidrogénio verde, seja o biometano — passa pela produção descentralizada, próxima dos centros de consumo. Este princípio, reconhecido no debate técnico nacional e internacional, maximiza a eficiência energética, minimiza perdas no transporte, reduz custos de infraestrutura e evita investimentos desnecessários em redes de grande escala.
No caso do hidrogénio, este desfasamento é particularmente grave, tendo em conta que o hidrogénio deverá ser reservado, sobretudo, para setores de difícil eletrificação, como o transporte marítimo, a aviação e parte da indústria pesada, e não para consumo residencial ou generalista através da rede de gás existente.
Assim, a ZERO defende o descomissionamento faseado da Rede Nacional de Transporte de Gás (RNTG), com um horizonte de encerramento total a partir de meados da década de 2040.
Investimentos no Terminal de GNL de Sines são incoerentes com a trajetória de descarbonização
A proposta de expansão da capacidade de transbordo (transhipment) de GNL (Gás Natural Liquefeito) no Terminal de Sines, através da construção de uma quarta baía de enchimento de cisternas, constitui outro exemplo de investimento desfasado dos objetivos climáticos. “Com o consumo de gás natural em forte retração, e com o crescimento acelerado das renováveis e da eletrificação, não se compreende o reforço de infraestruturas associadas à importação de gás fóssil. Trata-se de um risco elevado de criação de mais investimentos sem retorno, contrariando o princípio de eficiência na utilização de fundos públicos e privados”, conclui a ZERO.