ONGs contestam abate de pombo-da-madeira à Comissão Europeia

Oito associações de proteção do ambiente enviaram esta semana uma queixa à Comissão Europeia, alertando para o abate supostamente “excecional” de pombo-da-madeira que há 12 anos consecutivos mata uma espécie que não existe em mais nenhum local do mundo, violando legislação europeia.

Em comunicado, divulgado à imprensa, a SPEA dá nota que a queixa emitida pelas as organizações de ambiente (SPEA, ANP|WWF, GEOTA, FAPAS, LPN, Quercus, SPECO e ZERO) refere que “este abate anual, pela sua dimensão relativamente à população estimada da espécie e porque decorre há já 12 anos consecutivos, não tem um caráter extraordinário ou pontual de correção de efetivos como argumenta a Administração Regional”.

Não sendo uma “situação extraordinária ou pontual”, as ONG afirmam que o “abate é um incumprimento da Diretiva Aves da União Europeia, que classifica  o pombo-da-madeira como espécie protegida”. Passados 12 anos sem respostas satisfatórias da Administração Regional e sem fim à vista para o abate “extraordinário” do pombo-da-madeira, estas oito associações de ambiente viram-se obrigadas a reportar o problema à Comissão Europeia, através de uma queixa enviada esta semana.

“Estamos perante um abate contínuo e regular, que retira mais de 5% dos efetivos populacionais todos os anos. Trata-se de um abate em tudo semelhante a uma atividade extrativa e cinegética, e cujo impacto na população desta espécie protegida nem sequer está a ser adequadamente monitorizado” diz Domingos Leitão, diretor Executivo da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).

De acordo com a SPEA, o pombo-da-madeira, também conhecido na ilha pelo nome de pombo-trocaz, é a única espécie de pombo nativa da Madeira: “É uma espécie endémica desta ilha (i.e. não existe em mais nenhum local do mundo), que desempenha um serviço ecológico fundamental para o equilíbrio da floresta Laurissilva, atuando como dispersor de sementes de muitas espécies de árvores e arbustos, e contribuindo para o restauro deste habitat, por exemplo após os incêndios”. Devido à sua distribuição restrita, e aos baixos efetivos populacionais (10.000-12.000 indivíduos, estimativa de há mais de 12 anos), o pombo-da-madeira é uma espécie protegida a nível europeu, listada no Anexo I da Diretiva Aves e no Anexo III da Convenção de Berna. O Estado Português e a Região Autónoma da Madeira têm, por isso, uma obrigação legal de proteger a espécie.

Desde 2012 que a Região Autónoma da Madeira tem vindo a efetuar todos os anos um abate “excecional” de pombo-da-madeira, como medida de redução de alegados prejuízos na agricultura. Na queixa agora apresentada à Comissão Europeia, as organizações de ambiente salientam que o abate desta espécie protegida tem sido feito sem cumprimento de todos os pressupostos e obrigações legais que uma medida desta natureza exige. Nunca foi realizada a quantificação e avaliação precisa dos prejuízos causados pela espécie na agricultura, não foi obtida a necessária informação técnico-científica que sustente a opção do abate, nomeadamente sobre a alegada ineficácia das várias medidas alternativas ao abate, como o uso de canhões de gás e de redes protetoras das culturas, nem foi obtida informação precisa sobre o efetivo populacional da espécie.

Recentemente, a situação agravou-se. “Em 2021, 2022 e 2023, o Governo Regional da Madeira autorizou que o abate do pombo-da-madeira fosse efetuado por caçadores, sem estabelecer devidamente as condições e os limites desse abate, tratando esta espécie protegida como se fosse uma espécie cinegética a controlar”, alertam as ONG.

“Não é pelo simples facto de uma espécie se alimentar de cultivos agrícolas numa dada altura, que existe um prejuízo que justifique o seu controlo. A Diretiva Aves da UE é muito clara, e exige que o alegado prejuízo seja avaliado e quantificado com rigor. Só se existir um prejuízo significativo é que se poderá avançar para medidas de proteção das culturas”, atenta Domingos Leitão.

Segundo a legislação europeia, citada pela SPEA, primeiro devem ser implementadas medidas de proteção não letais, e só poderá haver recurso ao abate se ficar claramente demonstrado que as outras medidas não funcionam. Mesmo neste caso extremo, só será possível efetuar um abate limitado e controlado, que não coloque em risco a espécie em causa.

“Acontece que a Administração Regional não cumpriu nenhum destes pressupostos, e decidiu matar pombos-da-madeira sem justificação nem salvaguardas”, conclui Domingos Leitão.

Desde 2012 que as organizações de ambiente insistem com a Administração Regional que o abate de pombo-da-madeira é errado, e pedem informação precisa que o justifique. Mas a informação fornecida pela Administração Regional, tanto sobre a quantificação de prejuízos como sobre a comparação das medidas de proteção das culturas, foi sempre inexistente ou insuficiente. Quanto à informação sobre os abates, entre 2012 e 2020 foi abatida uma média de 472 pombos por ano, num total de 4.253 aves em nove anos. A continuidade dos abates ao fim de 12 anos é um indicativo de que esta opção para solucionar o problema não é eficaz. Em 2021, 2022 e 2023, com o alargamento dos abates aos cidadãos portadores da carta de caçador, não se sabe quantos pombos foram abatidos, porque à data atual os dados não foram tornados públicos pela Administração, não sendo claro sequer se aqueles existem.

As organizações de ambiente que apresentaram a queixa esperam agora que a Comissão Europeia interpele o Estado Português e a Administração Regional da Madeira, e faça cumprir a Diretiva Aves, impedindo o abate ilegal e desnecessário desta espécie única e endémica, que é uma das joias da ilha da Madeira e da floresta Laurissilva, património mundial da UNESCO.