Por António Jorge Monteiro, Senior Industry Expert da ENGIDRO e Professor Associado do IST
A água – um recurso estratégico para diversos setores da nossa sociedade – enfrenta desafios sem precedentes nos dias de hoje. Com as alterações climáticas a intensificarem a frequência de secas e a ameaçarem a qualidade da água, o Governo lançou recentemente o plano “Água que Une”, que visa garantir a sua gestão sustentável e integrada nos próximos 15 anos. Esta estratégia não se limita a assegurar o abastecimento de água para consumo humano, mas propõe-se a salvaguardar a agricultura e os ecossistemas, promovendo a colaboração entre todos os intervenientes para um futuro mais resiliente.
Esta estratégia propõe aumentar a capacidade de armazenamento através de novas barragens e explorar fontes hídricas alternativas, como dessalinização e interligações entre bacias hidrográficas. Porém, estas medidas não se poderão considerar consensuais e para serem implementadas vão sempre exigir uma abordagem participativa, para garantir que se equilibram as necessidades de adaptação climática com a sustentabilidade dos ecossistemas e a coesão social.
Pretende, também, promover a eficiência hídrica, a redução de perdas nos sistemas de abastecimento e a reutilização de água residual tratada. A implementação destas medidas é amplamente consensual, é benéfica e não suscetível de arrependimento. Contudo, o consenso não deve obscurecer a análise e discussão de como essas medidas devem ser implementadas.
O relatório da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) evidencia que as entidades gestoras têm melhorado significativamente, mas a ritmos diferentes. Muitas entidades carecem de diagnósticos adequados das suas infraestruturas e planos para combater as perdas nas redes de distribuição, ou as afluências indevidas nas redes de drenagem. Este setor caracteriza-se por ser de capital intensivo em infraestruturas de longa duração, contudo, longa não significa eterna, como muitas vezes é erradamente percecionado. Estas infraestruturas necessitam da monitorização contínua de desempenho, para garantir uma intervenção preventiva adequada e que os investimentos de reabilitação, quando necessários, sejam orientados para onde os benefícios são maiores.
Ter planos, estudos e projetos de qualidade, feitos atempadamente, que identifiquem as intervenções de que uma entidade gestora necessita e pretende implementar deviam ser entendidos como o elemento fundamental para obter financiamento, ao contrário da prática corrente de só se fazer um projeto, e à pressa, após se ter garantido o financiamento.
A gestão das pressões nas redes de distribuição e das afluências indevidas é crucial. A digitalização do setor é uma oportunidade para melhorar a eficiência, mas é necessário determinar o que medir e onde medir. Basta consultar o relatório da ERSAR para ver os exemplos de entidades gestoras em Portugal que, rapidamente, atingiram níveis de excelência nos indicadores de perdas e seguir os processos que essas entidades implementaram e que têm divulgado em publicações e em encontros técnicos do setor.
As fontes de financiamento destinadas à melhoria da eficiência no setor são frequentemente referidas, de forma geral, com a utilização de fundos ambientais e programas comunitários. Neste domínio, o desafio estrutural a ultrapassar é a atitude que muitas entidades têm de que as suas ineficiências só podem ser resolvidas com investimentos financiados a fundo perdido, mesmo nos casos em que há evidência de que os benefícios do investimento se pagam rapidamente, e em que é incompreensível continuar ineficiente à espera dum eventual pacote de apoios ao investimento.
Por fim, a revisão da Diretiva de Águas Residuais Urbanas (DARU), recentemente aprovada, estabelece novas exigências para o tratamento de águas residuais e monitorização das descargas pluviais, que vão exigir consideráveis investimentos em Portugal.
Até 2039, a remoção do azoto e do fósforo será obrigatória para as estações de tratamento de águas residuais urbanas (ETAR) que tratem uma carga poluente igual ou superior a 150 000 habitantes equivalentes, e até 2045 essas ETAR terão de aplicar um tratamento adicional para remover micropoluentes. A sua implementação enfrenta necessidades de investimentos que não parecem estar contemplados na estratégia “Água que Une”.