#Opinião: “A encruzilhada do setor dos resíduos”

Por Paulo Praça, presidente da direção da ESGRA*

De acordo com o Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal, de 2022 (RASARP 2022), que visa sintetizar a informação mais relevante sobre este setor nas várias vertentes da atividade regulatória relativa ao ano de 2021, no serviço de gestão de resíduos urbanos, a maioria das entidades gestoras não recupera os gastos com a prestação do serviço em todas as regiões.

Quanto ao Relatório Anual de Resíduos Urbanos (RARU) relativo ao ano de 2022, constata que a produção de resíduos urbanos (RU) em Portugal foi de 5 323 mil toneladas, mantendo-se o valor praticamente constante face ao valor apurado em 2021, tendo 57% sido depositados em aterro, um valor muito distante da meta de 10% de deposição em aterro a atingir em 2035. Acresce que o mesmo Relatório refere que, ao nível da recolha, não se verificam diferenças significativas ao longo dos últimos anos, mantendo-se a preferência pela recolha indiferenciada, constando-se que os quantitativos recolhidos seletivamente se mantêm aquém do esperado.

Face a este cenário e às exigentes metas comunitárias a que Portugal se encontra comprometido, o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos 2030 (PERSU 2030) veio traçar um conjunto de objetivos, medidas e ações exigente, mas considerado necessário, de modo a inverter a atual trajetória e implementar as iniciativas necessárias para promover a transição para uma economia circular.

O mesmo instrumento estratégico, reconhecendo a necessidade do esforço em causa para o ambicionado cumprimento das metas para o setor dos resíduos urbanos, identifica o pacote financeiro destinado aos investimentos no âmbito do Portugal 2030, a devolução da Taxa de Gestão de Resíduos para o reinvestimento em projetos que promovam a recolha seletiva e tratamento na origem de biorresíduos, a necessidade de assegurar um equilíbrio entre parcelas que se reconhecem serem da maior relevância como as tarifas e os valores de contrapartidas financeiras devidas pela prestação do serviço de recolha e tratamento assegurado pelos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos.

A realidade é que nem o pacote financeiro previsto é suficiente para os investimentos que são necessários para dotar o setor da capacidade de tratamento necessária de acordo com as exigências comunitárias, nem as tarifas praticadas permitem a cobertura total dos gastos e muito menos o nível de prestação exigido pelas metas comunitárias, sendo que os valores de contrapartida financeira permaneceram inalterados desde 2016, só tendo sofrido a primeira atualização a aplicar no último trimestre de 2023, não obstante a discrepância dos custos à data em que aqueles valores foram fixados.

Acresce a este cenário a manutenção da produção de resíduos, em que se constata que as preocupações ambientais assumidas pela população não se refletem em qualquer desaceleração do consumo cujas oscilações apenas são reflexo do maior ou menor poder de compra em função da conjuntura económica, como também se mantém a resistência a admitir o estabelecimento de novas infraestruturas de tratamento de resíduos.

Com este cenário, por mais empenhado e mobilizado que o setor dos resíduos esteja, ou se assiste a uma mobilização de todos os atores que fazem parte da cadeia de valor para a mudança, na qual também os Municípios têm que assumir um papel determinante, tal como a população, ou será uma tarefa inglória e sem fim à vista. Milagres não temos!

*Este artigo foi publicado na edição 103 da Ambiente Magazine.