Opinião: “A Energia do Futuro Constrói-se Hoje: Resiliência, Rede e Proximidade”
Por João Nuno Serra, presidente da ACEMEL
Já parou para pensar em quantas vezes, ao longo do dia, depende da eletricidade? Desde o momento em que acorda e liga a luz, toma o seu banho matinal, prepara o café, utiliza o intercomunicador, até ao uso do multibanco, dos semáforos que regulam o trânsito, dos elevadores, ou mesmo dos dispositivos móveis que o mantêm conectado — a eletricidade está presente em quase todas as atividades do quotidiano.
Em Portugal, a eletricidade representa cerca de 25% do consumo final de energia, e a sua importância tende a crescer com a eletrificação de setores como os transportes e a climatização. (Fonte: DGEG, 2024)
A transição energética em curso, com a crescente incorporação de fontes renováveis e a digitalização dos sistemas, traz novos desafios. A variabilidade das fontes renováveis, como a solar e a eólica, exige uma maior capacidade de adaptação por parte da rede elétrica, que precisa de responder a oscilações de produção em tempo real. Além disso, a descentralização da produção de energia, com a proliferação de unidades de autoconsumo e comunidades de energia, torna a gestão da rede mais complexa.
A mudança nos padrões de consumo de energia, impulsionada pela adoção de tecnologias como o autoconsumo fotovoltaico e os veículos elétricos, está a levar a um alisamento da curva de carga — uma distribuição mais uniforme do consumo ao longo do dia. Esta tendência reduz os picos de procura, tornando mais previsível a gestão da rede e diminuindo a necessidade de recorrer a fontes de energia de resposta rápida, que são frequentemente mais poluentes e dispendiosas. Mas com o contraponto da intermitência
das fontes renováveis.
A resiliência das redes elétricas torna-se, assim, uma prioridade estratégica. Mais do que resistir a falhas, é essencial que o sistema consiga adaptar-se, isolar problemas, manter a operação e recuperar rapidamente em caso de perturbação. Ou seja, exige uma gestão muito competente e capaz de atuar com celeridade e dentro de tempos de resposta previamente definidos face aos diferentes cenários possíveis. O apagão registado a 28 de abril de 2025, que afetou simultaneamente Portugal e Espanha, é um exemplo claro dos riscos a que estamos expostos. Contrariando os arautos da desgraça, a resposta do sistema — rápida, controlada e eficaz — demonstrou a maturidade e robustez da infraestrutura portuguesa.
Isto não obstante a origem não ter sido no território nacional. E, nestas situações, as centrais renováveis que estejam para tal preparadas (dispositivos grid-forming), podem continuar a operar e a servir os clientes aos quais estão ligadas.
Neste contexto de transição que atravessamos, os comercializadores de energia desempenham um papel de charneira porque, enquanto elo final entre o sistema elétrico e o consumidor, são responsáveis por informar os clientes das melhores e mais eficientes soluções em cada caso e adaptar as soluções às suas necessidades específicas, promovendo a eficiência energética e facilitando a integração de fontes renováveis. Além disso, têm a capacidade de educar e sensibilizar os consumidores para práticas de consumo mais sustentáveis, contribuindo para o alisamento da curva de carga e para a estabilidade da
rede elétrica.
Construir um sistema energético resiliente, sustentável e centrado nas necessidades dos consumidores exige uma abordagem integrada que envolva todos os atores do setor. Os comercializadores de energia, pela sua proximidade com os consumidores e capacidade de inovação, estão numa posição privilegiada para estar na linha da frente desta transformação. Investir na resiliência das redes, promover a eficiência energética e educar os consumidores são passos essenciais para garantir que a energia do futuro seja segura, sustentável e acessível a todos.