Título na íntegra: “A necessidade de recentrar o planeamento como instrumento estratégico de desenvolvimento e sustentabilidade: os programas regionais de ordenamento do território e a síntese integradora e espacializada das diversas políticas públicas com incidência territorial”
Por Drª. Isabel Moraes Cardoso, Sócia Fundadora da AMMC Legal
Um grupo de Associações de profissionais do urbanismo e ordenamento do território apresentou aos partidos com assento parlamentar um conjunto de 12 propostas para a melhoria das políticas públicas com incidência territorial e do sistema de planeamento em geral, com o objetivo de recentrar o planeamento como instrumento estratégico de desenvolvimento e sustentabilidade.
A melhoria da eficiência, eficácia e transparência do sistema de gestão territorial, e em especial, da dinâmica de elaboração, revisão e alteração dos planos territoriais municipais, é outra das propostas, a qual se revela essencial para ultrapassar as graves disfunções registadas, quer ao nível das práticas, quer ao nível da articulação entre regimes e instrumentos setoriais de políticas públicas com incidência territorial. Tem sido nossa preocupação evidenciar em anteriores publicações algumas das situações de desarticulação aquelas políticas públicas e entre os correspondentes planos e estratégias setoriais, bem como de sobreposição de instrumentos de planeamento da responsabilidade de diversos setores da Administração central do Estado para tutela dos mesmos interesses públicos ou, pelo menos, para salvaguarda dos mesmos recursos territoriais, cuja aplicação à escala municipal é, não raras as vezes, incompatível. A identificação de tais disfunções, desarticulações e sobreposições, em grande parte responsáveis pelas dificuldades sentidas nos processos de planeamento a nível municipal e pela respetiva morosidade, é condição essencial para a melhoria da eficiência e da eficácia do sistema de planeamento e para a respetiva credibilização. Num contexto global marcado por incerteza crescente e riscos sistémicos bem identificados a nível internacional e nacional — v.g., as alterações climáticas, o acesso à habitação, as pressões demográficas, a escassez de recursos, as crises energéticas, as questões de mobilidade – requerem-se respostas orientadas aos problemas existentes e atempadas, o que impõe modelos de financiamento e de programação da respetiva execução, sob pena de inoperacionalidade, mas também de efetiva capacitação institucional para uma resposta atempada.
As diferentes velocidades a que os diversos setores da Administração Central aprovam os seus instrumentos programáticos, cujas orientações devem ser ponderadas e incorporadas no planos municipais, é reconhecidamente um dos fatores de maior entropia nos procedimentos de revisão dos planos diretores municipais, a que acresce o lento ritmo de cumprimento pelo Estado das obrigações impostas em 2014 quanto à recondução dos planos especiais a programas e dos planos regionais de ordenamento do territórios a programas. Neste contexto, a recondução dos atuais Planos regionais de Ordenamento do Território da Área Metropolitana do Oeste e Vale do Tejo, da Área Metropolitana de Lisboa, do Alentejo e do Algarve a programas (deliberada em 2023, mas relativamente à qual pouco se sabe), e a aprovação dos programas regionais de ordenamento do território do Norte e do Centro, é uma oportunidade para se proceda a uma efetiva síntese integradora dos objetivos, das orientações dos instrumentos de política setorial de âmbito nacional e da respetiva espacialização. O modelo de organização do territorial dos programas regionais tem de efetuar a concertação e a territorialização integrada das diversas políticas públicas setoriais, articulando os instrumentos das políticas agrícola, florestal e ambiental, designadamente nos domínios dos riscos e da adaptação às alterações climáticas, das estruturas ecológicas regionais, da paisagem e da valorização dos serviços dos ecossistemas, da economia circular, da descarbonização da economia, da mobilidade sustentável, das redes de energias renováveis, e da defesa e segurança, fornecendo um quadro integrado de referência para o planeamento de nível municipal e intermunicipal. É claro o regime legal quanto a caber aos PROT definir a incidência espacial, a nível regional, das políticas estabelecidas pelos planos, programas e estratégias setoriais preexistentes. Atentos os interesses, os sistemas e os recursos e valores em presença, que não conhecem limites administrativos concelhios, esta função não cabe à escala do planeamento municipal, devendo a Administração central assumir que é a si que lhe compete a concertação entre as respetivas políticas públicas e a respetiva territorialização, com a devida articulação com as estratégias estabelecidas e nível sub-regional e municipal. Caso os programas regionais venham apenas considerar tais instrumentos no quadro de referência estratégico para o modelo de organização do território regional, dispensando a respetiva espacialização enquanto base de referência para a sua adequação territorial à escala municipal, a ineficiência do sistema perdurará. A ausência desta integração e mediação à escala regional obriga os municípios a incorporar diretamente, e de forma fragmentada, os múltiplos instrumentos das políticas públicas setoriais, o que sobrecarrega os planos diretores municipais e bloqueia a capacidade municipal de afirmar uma visão territorial própria e coerente.
Os PROT devem por isso assumir-se como instrumentos estratégicos de integração espacializada das orientações dos planos e programas setoriais e dos regimes territoriais especiais (v.g., REN e Rede Natura no contexto da delimitação da estrutura ecológica regional de proteção e valorização ambiental) e, neste contexto, as CCDR desempenham um papel central enquanto entidades coordenadoras operativas (função que decorre também da transferência de atribuições da administração central para o nível regional), que é essencial ser clarificado. Dotar as CCDR de um instrumento estratégico integrador e reforçar a respetiva capacidade de articulação entre entidades públicas, de diferentes setores e níveis de governação, permite ultrapassar lógicas setoriais fragmentadas, assegurando a convergência das políticas num quadro territorial coerente.