Opinião: “A racionalidade na gestão dos serviços de água”

Por Carlos Rabaçal, presidente do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados de Setúbal

Escrevi apenas “gestão pública e privada da água” no motor de busca e eis que a IA responde: “A gestão pública da água prioriza o interesse público, o controlo democrático e a resposta às necessidades das populações, considerando a água um direito humano. Já a gestão privada incide sobre necessidades individuais e de grupos, sendo motivada principalmente pelo lucro”. Parece tão óbvio…

Já o RASARP, relatório da ERSAR – Entidade Reguladora para os Serviços de Águas e Resíduos, observa que entre as 221 entidades gestoras existentes no abastecimento de água em baixa – na sua maioria com uma área de intervenção igual ou menor à da área do município – 23 são concessões. “Nos últimos anos, a gestão concessionada está estagnada, verificando-se até algum recuo”, remata ainda o documento. O regresso à gestão pública foi operado nos municípios de Mafra em 2022, Setúbal em 2023, Batalha e Paredes em 2024; em circunstâncias muito distintas e com executivos municipais de distintas cores políticas, o que é de sublinhar.

Mas este movimento não é exclusivo de municípios portugueses. O relatório “The Future is Public”, publicado pelo Transnational Institute, dos Países Baixos, mostra que entre 2000 e 2019 foram identificados mais de 1400 casos de sucesso de “remunicipalização” de serviços, em 2400 cidades e 58 países em todo o mundo. A publicação evidencia que “os serviços públicos são mais importantes do que nunca, face à catástrofe climática, ao aumento das desigualdades e à crescente agitação política. […] A crise da COVID-19 demonstrou que os serviços públicos e as pessoas que os operam são verdadeiramente a base de sociedades saudáveis e resilientes. Com o fracasso da privatização, um crescente movimento internacional está a escolher a (re)municipalização como uma ferramenta fundamental para redefinir a propriedade pública para o século XXI.”

Cito ainda: “Em conjunto, as organizações da sociedade civil, os sindicatos e as autoridades locais estão a dar forma a um novo modelo de como alargar a propriedade pública democrática a todos os níveis da sociedade e a abrir novas vias para serviços públicos orientados para a comunidade e conscientes das questões climáticas”. Isto é o que estamos a fazer em Setúbal, ao criar grupos de trabalho com representantes de moradores, juntas de freguesia e autarquia, para encontrar em conjunto as melhores soluções para os problemas e anseios da população. Algo inexistente e impensável durante a vigência da concessão privada, que perdurou 25 anos!

Entre os diversos sectores abordados na publicação, a água é o que mais casos de remunicipalização observou, destacando-se França, Inglaterra e Espanha como os países com mais casos de sucesso. A cidade espanhola de Valladollid, é muito semelhante à situação de Setúbal: mais de duas décadas de concessão foram responsáveis por aumentos no preço da água de cerca de 38%, enquanto os investimentos na manutenção da rede eram muito limitados e a empresa continuava a distribuir lucros aos seus acionistas. Em 2015, o novo executivo municipal resolveu mudar a gestão da água, tal como fizemos, aqui, em 2021.

Em Setúbal logo no primeiro ano da entrada em funcionamento dos SMS, baixámos o preço da água em 20% para todos os munícipes e ainda implementámos a tarifa social, que abrange perto de 9000 famílias (representando mais uma redução de 50% do preço da água). E o investimento tem sido incomparável: até ao final de 2025 o valor das obras lançadas deverá aproximar-se dos 17 milhões de euros.

Tudo isto evidencia uma coisa: a gestão pública dos serviços de água é antes de mais uma questão de racionalidade económica, social e de qualidade na lógica do serviço público, quando se trata de um bem essencial à vida.

*Este texto foi publicado na edição 113 da Ambiente Magazine.