#Opinião: Águas Residuais Tratadas – Maior celeridade dos procedimentos administrativos em troca de mais responsabilidade dos particulares

Por: Ricardo Travado Reis, Advogado Estagiário da AMMC Legal, Sociedade de Advogados Portugal

O Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro, conhecido como simplex ambiental, veio reformar e simplificar licenciamentos ambientais, com o propósito de desburocratizar a atividade administrativa, de modo a reduzir os encargos administrativos e os custos de contexto dos particulares/empresas.

Para alcançar essa finalidade optou-se por sujeitar a comunicação prévia com prazo atividades que antes estavam sujeitas a licenciamento, podendo, assim, o interessado iniciar a atividade pretendida desde que a Administração Pública (AP) não se pronuncie em sentido contrário dentro de determinado prazo.

Um dos regimes jurídicos alterado nesse sentido foi o da produção e utilização de água para reutilização, obtida a partir do tratamento de águas residuais (ApR), previsto no Decreto-Lei n.º 119/2019, de 21 de agosto.

Assim, enquanto a atividade de produção de ApR continua sujeita a licença (exceto para uso próprio), a utilização de ApR em várias situações está agora sujeita ao regime da comunicação prévia com prazo. São, nomeadamente, os casos de lavagem de vias urbanas e arruamentos; uso em autoclismos; produção de energia, nomeadamente hidrogénio; rega de campos de golfe, jardins e espaços florestais.

A comunicação é submetida pelo interessado através da plataforma SILiAmb, juntamente com os respetivos elementos instrutórios, onde se inclui agora um termo de responsabilidade ambiental e de risco contra terceiros, comprometendo-se o interessado a cumprir na íntegra todos os requisitos e as obrigações legais aplicáveis, bem como as medidas de minimização do risco ou outras condições de gestão do risco aplicáveis. Assume ainda toda a responsabilidade civil decorrente de quaisquer danos/prejuízos para a saúde individual de terceiros (humana e/ou animal), para a saúde pública e para o ambiente, resultantes de riscos associados à produção e utilização de ApR e compromete-se a pagar as compensações e/ou indemnizações por estes mesmos riscos e/ou danos/prejuízos.

A vantagem deste procedimento consiste na sua celeridade: a utilização das ApR pode ser iniciada decorridos 20 dias da apresentação da comunicação prévia sem ter de se aguardar por uma decisão expressa.

Mas esta desgraduação de procedimentos acarreta desvantagens para os particulares.

Em primeiro lugar, estes passam a ser os únicos responsáveis por garantir a legalidade das suas atuações, pelo que se antecipa a necessidade de recurso a meios técnicos que verifiquem e assegurem o cumprimento da lei, o que pode acarretar um aumento dos custos associados.

Em segundo lugar, o procedimento de comunicação prévia contém um nível de incerteza assinalável, na medida em que mesmo na ausência de pronúncia da AP dentro do prazo poderá haver sempre a possibilidade de adoção de medidas de tutela da legalidade, bem como a aplicação de coimas de valor avultado.

Acresce que, a exigência de um termo de responsabilidade pelos danos/prejuízos que daí resultarem para terceiros e para o ambiente, resultará num aumento do recurso aos seguros de responsabilidade civil para garantia desta responsabilidade, os quais, como é sabido, encerram, em matéria ambiental, dificuldades na cobertura de todas as situações.

Em suma, mais celeridade procedimental para os particulares implica também menos garantias e mais responsabilidade. Por conseguinte, é provável que, em face da responsabilidade acrescida, as empresas preferissem o cenário oposto – o licenciamento – que lhes confere mais certeza e segurança, curiosamente o procedimento que o legislador substituiu pela comunicação prévia a pensar, precisamente, nas empresas…