Por Débora Melo Fernandes, sócia da Pérez-Llorca, na área de Direito Público e Regulatório
Se todos concordamos com a transição energética, porque é que Portugal continua atrasado?
Imagine-se uma comunidade onde a maioria apoia políticas verdes, partilha nas redes sociais apelos à neutralidade carbónica, participa em marchas pelo clima e subscreve manifestos a favor das energias renováveis. Mas quando surge um projeto concreto – um parque eólico, uma central de biomassa, uma linha de muito alta tensão – que cumpre todos os requisitos legais e ambientais e contribuirá diretamente para a transição energética e para o crescimento económico do país, a mesma população mobiliza-se contra: petições, protestos, ações judiciais.
É o paradoxo do NIMBY (Not In My BackYard): todos dizem querer a transição energética, mas não no seu quintal.
Em Portugal, este fenómeno tem consequências reais. No setor solar, num dos países com maior radiação da Europa, os licenciamentos prolongam-se por anos, travados por contestações locais e pela atuação do Ministério Público, que tem impugnado declarações de impacto ambiental emitidas pela Agência Portuguesa do Ambiente. No setor do lítio, Portugal é o maior produtor da UE e figura entre os países com maiores reservas a nível mundial, mas o concurso para atribuição de direitos de prospeção, anunciado desde 2018, continua por concretizar. Projetos de refinação enfrentam entraves que comprometem parcerias e financiamento.
Em nome da proteção ambiental ou do território, travam-se projetos essenciais à descarbonização. Procedimentos administrativos como a avaliação de impacto ambiental, criados para ponderar valores e assegurar equilíbrio, são por vezes capturados por lógicas de rejeição preventiva. A judicialização precoce, somada à hesitação política perante o conflito local, gera incerteza e paralisia. Mesmo quando os tribunais validam os procedimentos, o tempo perdido raramente é recuperado. O fenómeno tornou-se hoje um risco assumido pelos investidores.
A verdade, porém, é que o NIMBY veio para ficar. As comunidades continuarão a dizer “sim, mas aqui não”. E o quadro jurídico português é especialmente propício à defesa judicial de interesses coletivos por cidadãos, associações e Ministério Público.
Promotores e investidores terão de incorporar esse risco nas suas decisões e adotar estratégias que permitam mitigar a oposição e caminhar para uma atitude PIMBY (Please In My BackYard). Como? Num relatório publicado em março de 2025, a Comissão Europeia apresenta dez boas práticas, com base em estudos de caso na Polónia. Entre elas, destacam-se cinco como particularmente relevantes:
- Envolver cedo e ouvir com método – a participação das comunidades deve começar logo na fase de conceção do projeto;
- Comunicar com clareza e contexto – informação acessível, adaptada ao território e transparente gera confiança e reduz especulação;
- Criar fóruns locais de diálogo – espaços formais de concertação entre promotores, cidadãos e autoridades antecipam e evitam conflitos;
- Oferecer compensações relevantes – os benefícios devem ser tangíveis, proporcionais e ajustados às necessidades locais;
- Assegurar monitorização e adaptação contínuas – os projetos devem ser acompanhados ao longo do tempo, com indicadores claros e canais permanentes de comunicação.
Enquanto cada comunidade continuar a dizer “sim, mas não aqui”, a transição energética continuará por cumprir. De pouco serve Portugal destacar-se pela ambição climática – com a neutralidade carbónica antecipada para 2045 e uma previsão de 51% de energia renovável no consumo final até 2030 – se, na prática, os projetos são sistematicamente travados no terreno.
A participação pública e a proteção ambiental são pilares de uma democracia responsável, que devem ser preservados e protegidos, mas não instrumentalizados. O país precisa de reconstruir a sua capacidade de decidir, com base num novo contrato entre Estado, comunidades e investidores, que una legitimidade democrática, urgência e visão estratégica. Enquanto esse equilíbrio não for alcançado, o interesse público continuará a ceder à fragmentação territorial e ao imobilismo institucional. E continuaremos a aplaudir metas e a adiar soluções.