Opinião: “As dificuldades são como as montanhas. Elas só se aplainam quando avançamos sobre elas”

Por Paulo Praça, presidente da Direção da ESGRA – Associação para a Gestão de Resíduos*

A tomada de consciência sobre a importância da gestão de resíduos tem evoluído de forma particularmente significativa nos últimos 10 anos.

Em 2014, Comissão Europeia apresentou um primeiro pacote relativo à economia circular. Contudo, em março de 2015, a Comissão retirou a proposta legislativa relativa aos resíduos, incluída nesse pacote, para dar lugar a “uma proposta mais ambiciosa que abrangerá toda a economia circular”. Assim, no âmbito de um novo pacote sobre a economia circular, a Comissão lançou, em dezembro de 2015, um plano de ação para a economia circular centrado na área dos resíduos que levou à revisão do quadro legislativo aplicável aos resíduos da qual resultaram alterações aos diplomas enquadradores desta área, a saber: a Diretiva-Quadro relativa aos resíduos; a Diretiva relativa aos aterros; a Diretiva relativa às embalagens; bem como, no que respeita aos veículos em fim de vida, às pilhas e acumuladores e aos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos. Desta revisão resultou um quadro legal muitíssimo mais exigente para a área dos resíduos urbanos.

Num cenário de economia circular assistir-se-á a uma redução dos resíduos ao mínimo, privilegiando-se a reutilização, a reparação, a reutilização e a reciclagem de materiais e produtos existentes, traduzindo-se na redução das pressões sobre o ambiente e por conseguinte no aumento da segurança do aprovisionamento de matérias-primas, maior competitividade, inovação, crescimento e emprego.

Sucede que as alterações legislativas acima referidas se precipitaram na expectativa do potencial colocado no setor dos resíduos urbanos ao impor metas obrigatórias muito exigentes quando a transição para uma economia circular pressupõe tremendos desafios com um escopo muitíssimo abrangente ao nível dos agentes económicos, do comportamento dos consumidores e modelos empresariais, bem como da governação a vários níveis.

Mais recentemente, no final de 2019, na sequência da declaração de emergência climática do Parlamento Europeu, a Comissão apresentou o Pacto Ecológico Europeu, um roteiro para a Europa se tornar um continente com impacto neutro no clima até 2050, em resposta à solicitação de serem adaptadas as suas propostas e adotadas outras com o objetivo de limitar o aquecimento global e de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.

No quadro das medidas previstas no Pacto Ecológico Europeu e de alcançar os objetivos traçados nos diferentes instrumentos com vista a promover a transição para a economia circular e responder à crise climática, tem-se assistido a uma verdadeira voracidade legislativa por parte da Comissão Europeia, estabelecendo obrigações cada vez mais exigentes que se sucedem, e algumas até contraditórias, pondo em causa os princípios basilares da Diretiva Quadro-Resíduos ao secundarizar, em outros instrumentos legais, a prioridade que tem sido dada à recolha seletiva de resíduos.

Assim, mais do que continuar a legislar a um ritmo vertiginoso importa refletir sobre os resultados dos Relatórios de Alerta Precoce dos países em risco de incumprimento, mobilizar esforços para promover um maior aprofundamento do legislador europeu da realidade dos Estados-Membros e adotar medidas concretas em articulação com os agentes regionais e locais, de modo a combater o distanciamento crescente entre o nível de exigência dos diferentes instrumentos legais e a realidade.

A este propósito não deixa de ser emblemática a intervenção de Aurel Ciobanu-Dordea, Diretor da Economia Circular/DG ENV/Comissão Europeia, num evento realizado em Bruxelas, em julho deste ano, onde reconheceu que a Comissão “passou demasiado tempo a micro-regulamentar” e referiu a necessidade de alterar a “filosofia regulamentar”. Foi ainda mais longe e a nosso ver assertivo e objetivo ao admitir que “ter uma lei no Jornal Oficial não é suficiente para atingir a realidade”, sublinhando que a implementação é sobretudo uma questão de responsabilidade política. Ciobanu anunciou que a Comissão iria iniciar uma avaliação da sua estratégia de aplicação em setembro deste ano, não devendo esta oportunidade ser desperdiçada pelos decisores nacionais, mas também pelo setor em reiterar o que a nível nacional tem defendido sobre a necessidade de ajustar o nível de exigência legal ao que é exequível face aos meios disponíveis e canalizar o esforço para encontrar as melhores soluções e progressivamente ir ao encontro aos objetivos ambientais preconizados, fundamentais para o planeta onde todos queremos continuar a viver com qualidade de vida e condições saudáveis.

*Este artigo foi publicado na edição 102 da Ambiente Magazine