#Opinião: “Ceteris Paribus Hídrico inventado (não deixe de ler por causa do título)”

Por Carlos Manso, CEO Infralobo, E.M., Economista e Membro da Direção Nacional da Ordem dos Economistas

Por defeito de profissão escolhi como tema para este artigo de opinião a expressão ‘’ceteris paribus’’. Não desista de ler ainda. Mas o que é isto de ‘’ceteris paribus’’? A expressão é um conceito de economia, que traduzido para o português significa de uma forma simples, todo o resto constante, sendo uma técnica utilizada nos estudos de economia em que o investigador mantém algumas variáveis constantes, enquanto mexe em outras para identificar o impacto delas sobre o todo.

O que é que este conceito tem a ver com a problemática da água existente em Portugal? Nada.

Porque na minha opinião, o que assistimos nos últimos anos no setor da água mais parece um estudo em ambiente real de ‘’ceteris paribus inventado’’, já que estamos há vários anos a ver os resultados de não termos uma estratégia integrada e holística no setor da água, na esperança de que os resultados melhorem fruto dessa falta de decisões e estratégia. Ou seja, Não mexemos em nenhuma variável, na esperança que as coisas melhorem. Ou se pensamos que estamos a implementar algo, definitivamente não está a funcionar e não tem o impacto e relevância que consideramos ter. Os resultados confirmam a minha posição.

Para melhor explicar o meu ponto de vista, transmito alguns dados entre 2016 e 2022 que considero relevantes. Em 2016 o indicador de Água Não Faturada a nível nacional era de 29,80% com 256 entidades gestoras em baixa, sendo de 28,80% em 2022 com 233 entidades gestoras em baixa.

Apesar de ter havido uma redução de entidades gestoras em baixa, fruto de agregações e extinções, isso não se traduziu numa maior eficiência no sistema já que segundo os dados, o valor das perdas reais subiu de 151 milhões de m3 (era de 18,67%) em 2016 para 173 milhões de m3 (subiu para 21,11%) em 2022, uma subida nas perdas reais de 14,5%.

Houve uma descida na água fornecida gratuitamente em 30%, e dos 28,80% de Água Não Faturada em 2022, as Perdas Reais na Rede são 21,11%. Sobre este tema, já tive a oportunidade de afirmar em vários fóruns técnicos que apostamos demasiado numa comunicação sobre a Água Não Faturada, o que é um erro porque a descida dos valores do indicador Água Não Faturada, não representam uma maior eficiência no sistema nem redução nas perdas de água, mas devemos focarmo-nos no indicador das Perdas Reais na rede, conforme os dados nos demonstram. Em resumo, no período em análise e apesar do suposto esforço de todas as entidades gestoras do setor, as perdas na rede aumentaram.

O número de entidades gestoras que apresentam em 2022, valores de Água Não Faturada acima dos 40% atinge as 43% (99 entidades gestoras em 229), quando em 2016 rondava os 46% (118 entidades gestoras em 256). Mais preocupante, as entidades gestoras com mais de 50% de Água Não Faturada mantem-se nesse período em 20%.

Pouco mudou em 7 anos.

Uma das explicações para não estarmos a melhorar, como melhorámos no passado ao nível da cobertura do serviço que foi uma das maiores conquistas do nosso sistema, pode ser o reduzido investimento ao nível da reabilitação das condutas em que 69,87% das entidades gestoras apresenta níveis insatisfatórios de serviço em 2022, contra 76,95% em 2016. A dimensão de Entidades Gestoras que assumem não fazer qualquer reabilitação (valor zero) é de 19,21% em 2022 contra 20,70% em 2016. Mais uma vez, nada mudou.

Mas houve algo que parece ter mudado, a cobertura dos gastos. Houve uma redução significativa na quantidade de Entidades Gestoras que assumem ter uma melhor relação perda/ganho que em 2016 era de 80%, tendo reduzido para 43% em 2022, fruto de vários fatores em que destaco, melhor afetação de perdas e ganhos do ponto de vista contabilístico, implementação de melhores sistemas de contabilidade de custos e ajuste do preço para valores mais adequados ao custo do serviço reduzindo a subsidiação ao mesmo.

Mas o que fazer? Nenhuma solução é tão simples como parece à primeira vista, contudo deixo algumas reflexões que considero fundamentais e que tenho partilhado nos diversos fóruns e artigos de opinião, para que o setor evolua na direção certa, capaz de estar preparado para os desafios que se avizinham.

Uma maior profissionalização do setor, porque existe uma discrepância muito grande ao nível dos vários indicadores entre as Entidades Gestoras de modelo empresarial (Empresas Privadas, Empresas Municipais e Serviços Municipais) e o modelo de gestão direta pelos Municípios. Com claro prejuízo e deficiência para estes últimos, geridos pelos Municípios que representam ainda uma grande parte dos consumidores e do
setor, talvez sendo a justificação para a dificuldade em melhorar os principais indicadores.

Um modelo regulatório igualmente exigente, credível e responsabilizador para todas as entidades gestoras, públicas e privadas. Atualmente o nível de reporte, monitorização e fiscalização pela entidade reguladora (ERSAR) é muito mais superficial para a gestão direta pelos Municípios e mais exigentes para as entidades gestoras com
concessões e contratos de gestão delegada. Esta situação origina que atualmente, ainda existam Municípios com deficiências ao nível da contabilidade de custos, subsidiação oculta da atividade e tarifários desadequados à atividade.

Maior accountabilty, ou seja, uma maior responsabilização da gestão seja ela pública ou privada. Faz sentido que uma Entidade Gestora, mantenha a sua ineficiência permanente com prejuízos ambientais, sociais e económicos quer de curto prazo, quer de longo prazo sem que lhe seja imputada qualquer penalização?

A criação de uma entidade, ou alargar as competências das Águas de Portugal, de forma que, toda a informação sobre o setor e sobre a gestão do recurso água esteja concentrado, monitorizado e gerido por apenas uma entidade, respeitando todos os interesses envolvidos (setor urbano, setor agrícola, setor agropecuário, aquíferos,
etc…), em vez do modelo atual onde essa informação está dispersa por várias entidades, com modelos de fiscalização e reporte dispares que em nada contribuem para uma gestão mais justa, eficiente e profissional do recurso Água. Como já li em várias locais, a Água é só uma. E é este o modelo de Israel.

Como forma de garantir o acesso equitativo e por razões de coesão territorial e social, nas zonas do interior e de baixa densidade, onde se compreende que seja injusto que esta transição para um sistema mais eficiente e resiliente não possa ser realizado através dos tarifários, seria aceitável a existência de compensações ao nível do
Orçamento de Estado. Sim, porque as situações de coesão territorial e social, não devem vir pelos tarifários das restantes Entidades Gestoras, mas sim através do Orçamento de Estado.

É fundamental, como o fizemos no passado, que se ajuste o modelo existente para melhor responder aos desafios vindouros, porque como está provado com dados, o atual modelo que excelente resultado nos trouxe, apresenta dificuldades em nos fazer evoluir.

Nota: Este artigo de opinião apenas reflete a opinião pessoal e técnica do Autor e não a opinião ou posição das entidades com quem colabora ou trabalha.