#Opinião: Comportamentos

Foi recentemente divulgado, através de uma parceria entre a Sociedade Ponto Verde (SPV), o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e do Observatório de Ambiente, Território e Sociedade, os resultados de um inquérito nacional sobre as Práticas e Atitudes dos Portugueses face aos Resíduos e à Reciclagem.

Este inquérito revela-se como um importante contributo para conhecermos melhor os hábitos e comportamentos dos nossos cidadãos, mas também para percebermos melhor a perceção existente sobre o assunto. Portanto é de elogiar este trabalho e a iniciativa da SPV de, em boa hora, ter decidido pela sua elaboração e com isso dar-nos mais esta ferramenta para análise.

Dos dados apresentados, alguns não se revelaram grandes surpresas e outros na realidade surpreenderam-me. Admito, contudo, que a minha perspetiva se encontra condicionada pelo viés de uma relação próxima com a realidade de gestão de resíduos no concelho de Lisboa.

Não surpreendeu que quando se esmiúce a poluição em geral (principal problema ambiental identificado) a resposta mais representativa esteja diretamente relacionada com a vida quotidiana dos cidadãos – o lixo e, também, não surpreende que a dimensão da limpeza seja mais relevante para as pessoas que propriamente a correta separação dos resíduos.

Não surpreendeu, ainda, que a maioria das pessoas responsabilize os seus municípios pela operação de recolha seletiva, quando é certo e sabido que são muito poucos os municípios que têm a seu cargo essa competência.

Identifica-se, aparentemente, algumas contradições. Quando questionados qual o sistema de recolha seletiva que gostariam de ter apenas 6,9% responderam que gostariam de ter sistema de recolha porta-a-porta (PaP), preferindo a grande maioria não alterar nada (69,5%), no entanto 61% dizem que se tivessem recolha PaP seria um fator que impulsionaria o seu comportamento e aumentaria a sua separação de resíduos. Isto coloca-nos com um desafio grande pela frente. Se está provado que a recolha seletiva PaP garante mais separação, melhor recolha e melhores materiais, a resistência em relação à recolha seletiva PaP é muita. Basta ver os problemas que o município de Lisboa enfrenta, presentemente, com a implementação das ecoilhas subterrâneas de suporte ao sistema principal PaP, pois assistiu-se a uma migração automática dos cidadãos para o ecoponto em detrimento do PaP, principalmente por comodismo e redução de custos de condomínio, deixando de ter o trabalho de colocar os contentores para remoção e voltar a guardá-los no prédio de seguida.

Verifica-se, de forma muito surpreendente, que cerca de 40% dos cidadãos não faz a mínima ideia que paga tarifa de resíduos, nem onde o faz, o que reforça a minha convicção que para a maioria das pessoas o pagamento de impostos na sua generalidade é donde vem a receita que paga todo processo de gestão dos resíduos e, devido a isso desresponsabilizam-se individualmente pelo tratamento que lhes é dado, desde que o lixo não lhes entre pelos olhos adentro na rua onde moram.

Penso que esse é mesmo o principal problema quanto aos fatores que impedem uma verdadeira mudança de comportamentos e que impede a correta separação dos resíduos no país e não haverá 5 ou 10 cêntimos de euro por garrafa de PET que vá solucionar o grande desafio que temos pela frente – cumprir as metas que até hoje nunca cumprimos.

Se os municípios têm a (má) fama e não têm qualquer proveito com o assunto, talvez esteja na hora de os deixar decidir como resolver o problema, em vez de se multiplicarem entidades gestoras e sistemas de gestão uns ao lado dos outros, que não o resolverão de todo.

Uma coisa é certa, os resíduos e a sua gestão em Portugal não são a galinha dos ovos de ouro que alguns pensam que é e tratá-los tem custos financeiros gigantescos que ninguém, nem os responsáveis políticos querem admitir. Não o assumir terá, a prazo, ainda mais custos, especialmente, ambientais.

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