Opinião: “Compras públicas ecológicas: é possível promover a adoção de critérios de sustentabilidade sem distorcer a concorrência?”

Por Margarida Ferreira Marques, advogada AMMC LEGAL

No contexto da aprovação da ECO360 – Estratégia Nacional para as Compras Públicas Ecológicas 2030, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 132/2023 (RCM), no passado dia 25 de outubro de 2023.

A RCM define os critérios ecológicos aplicáveis à celebração de contratos por parte das entidades da administração direta e indireta do Estado, incluindo o setor empresarial do Estado, e estabelece princípios gerais em matéria ecológica aplicáveis transversalmente aos contratos públicos, bem como critérios ecológicos específicos, para as categorias de contratos aí previstas.

A definição da sustentabilidade ecológica das prestações como critério a atender na formação de contratos públicos está alinhada com as disposições do Código dos Contratos Públicos (CCP) e das Diretivas 2014/24/UE e 2014/25/EU que elevam a sustentabilidade e o cumprimento das normas aplicáveis em matéria ambiental a princípios específicos da contratação pública.

De facto, o CCP, já previa que os aspetos da execução do contrato pudessem dizer respeito a condições de natureza ambiental ou que se destinassem a favorecer a promoção da economia circular e dos circuitos curtos de distribuição e da sustentabilidade ambiental. E também já se encontrava previsto, que os fatores, e eventuais subfatores densificadores do critério de adjudicação pudessem traduzir-se, entre outros, em características ambientais.

A RCM vem agora estabelecer critérios mais claros e mensuráveis para a aplicação dessas normas, fixando que, a título preferencial, deve ser adotado um conjunto de princípios orientadores na preparação das peças de qualquer procedimento pré-contratual público:

  1.  a adoção da modalidade multifator no critério de adjudicação;
  2.  a inclusão de fatores de sustentabilidade ambiental sempre que seja adotada a modalidade multifator do critério de adjudicação;
  3.  a fixação de especificações técnicas por referência a standards mínimos de sustentabilidade ambiental, bem como a certificações emitidas por sistemas de reconhecida fiabilidade.

A efetividade na adoção de critérios de sustentabilidade nas compras públicas carece, contudo, de um juízo de ponderação entre a sua aplicabilidade e a conciliação do princípio da concorrência.

Até aqui, o princípio da concorrência vinha sendo entendido como pedra basilar e elemento dinamizador do mercado único europeu, potenciando o mais amplo acesso dos interessados em contratar aos procedimentos contratuais.

Agora, a necessidade de conciliação entre critérios ecológicos e o princípio da concorrência requer uma visão integrada da realidade que promova tanto o desenvolvimento sustentável como a competitividade.

Garantir que as entidades públicas contratualizam nas melhores condições técnicas, económicas e financeiras, já não é suficiente, é necessário que contratualizem também nas melhores condições sustentáveis.

Assim, se é possível e desejável promover a adoção de critérios de sustentabilidade nas compras públicas como forma de estimular práticas sustentáveis no setor público e influenciar positivamente o mercado como um todo, é fundamental tomar um conjunto de medidas adicionais que garantam a sua efetividade, por exemplo:

  1. Garantir transparência nos processos, definindo de forma clara os critérios de sustentabilidade adotados em cada procedimento e de que forma serão ponderados;
  2. Capacitar e informar entidades públicas e operadores económicos, garantindo uma compreensão adequada dos critérios de sustentabilidade e promovendo a participação efetiva no processo de contratação;
  3. Implementar mecanismos eficazes de fiscalização ao longo de todo o processo contratual.

Se é importante adotar legislação ambiental mais detalhada e rigorosa que vise promover práticas sustentáveis e reduzir os impactos ambientais, importa não esquecer que essa mesma legislação deve ser projetada para ser aplicada de forma equitativa a todos os operadores económicos garantindo assim o respeito pelo princípio da concorrência.