Por Carlos Rabaçal, presidente do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados de Setúbal (SMS)*
Falar de gestão pública vs gestão privada não está na ordem do dia, no que respeita ao sector das águas. É uma pena porque os SMS são a prova de que é possível os municípios garantirem serviços mais eficientes, mais justos e equilibrados para todos. Esta discussão não está a ser feita, mas devia, porque as necessidades de investimento no sector do abastecimento de água e saneamento de águas residuais são colossais (na reabilitação, no combate às perdas, na expansão dos sistemas, entre outras) e a gestão pública possibilita os ganhos necessários para o investimento.
Um ano e meio sob a reativação dos SMS, após 25 anos de concessão privada, demonstrámos que é possível fazer a transição e melhorar logo os serviços. Foi o que fizemos e estamos a fazer. Com recurso aos resultados financeiros, que habitualmente constituem lucro para as empresas privadas e dividendos para os respetivos acionistas, baixámos logo o preço da água em cerca de 20%, melhorámos as condições dos trabalhadores e os seus locais de trabalho – alguns dos quais sem qualquer intervenção há mais de duas décadas, atualizámos a frota – igualmente envelhecida e investimos na requalificação e alargamento das redes de abastecimento e de saneamento, bem como na gestão dos resíduos urbanos.
Também verificámos que conseguimos dar resposta a outras necessidades específicas, sem termos de depender da volatilidade do mercado e das condições impostas pelos seus atores, pelo que estamos a robustecer as equipas, internalizando cada vez mais serviços. A gestão dos clientes é outra das nossas prioridades, porque não basta fazer obra, é preciso ouvir os munícipes, informá-los e procurar soluções em conjunto.
Esta “visão 360” dos SMS, só é possível porque assenta, desde a primeira hora, numa lógica de sustentabilidade dos recursos hídricos. Veja-se que em pouco mais de um ano, desenvolvemos e implementámos o 1º Regulamento de Descarga de Águas Industriais do concelho (!), o Plano de Redução de Fossas Séticas e o Plano Estratégico da Água – este último ainda em desenvolvimento – que deverá apontar medidas para a adaptação às alterações climáticas, para a conservação do aquífero e fontes alternativas de água.
É muita coisa ao mesmo tempo!
O Selo de Qualidade Exemplar da Água para Consumo Humano, que os SMS recebem este ano da ERSAR, vem comprovar que estamos no bom caminho em Setúbal, apesar da complexidade na operação de transição da gestão privada para a gestão pública. O nosso compromisso com as pessoas, de garantir o acesso a este bem essencial (água e saneamento) de forma segura e acessível, está ganho, mas pode rapidamente ficar em risco, caso se concretize a anunciada fixação das tarifas pela ERSAR, a partir de 2026. Setúbal já contestou este retrocesso na gestão dos serviços de água e saneamento. Outros municípios também já se manifestaram contra esta incompreensível decisão.
Atualmente, 89% dos municípios tem gestão pública na água e no saneamento, e estes precisam de apoios e meios para qualificar os seus sistemas e as suas infraestruturas, não de uma entidade central que imponha tarifas saídas de fórmulas matemáticas, que ignoram as particularidades do território e das pessoas. Só o poder local pode assegurar esta perspetiva. E só o serviço público, focado no interesse público, assegura a gestão das águas de forma mais equilibrada para todos e a longo prazo. Vamos ao debate?
*Este texto foi publicado na edição 107 da Ambiente Magazine.