Opinião: E os biorresíduos vão “a banhos”?

A poucas semanas da data limite (02. 08.2021) estabelecida pelo Fundo Ambiental (FA) para a submissão dos estudos para planeamento de sistemas de recolha de biorresíduos, e tendo acompanhado este tema e “corrido” o simulador nas suas 3,5 versões, importa fazer uma análise deste processo com vista a introduzir os biorresíduos não só no setor mas também na cultura portuguesa.

No âmbito das duas fases de financiamento do programa de apoio à elaboração de estudos de sistemas de recolha de Biorresíduos foram aprovados 116 candidaturas (92+24).

Felicita-se o desafio abraçado de envolver todas as partes interessadas, de as sentar na mesma mesa. Mas, nem tudo o que é certo é sabido, ou seja, o território nacional também na gestão resíduos se faz de uma realidade muito heterégonea. Pois se era certo que a recolha de biorresíduos é obrigatória a partir de 2023, o que não era sabido é que a atualização de dados do Estudo será uma constante. Porquê?

Desagregando os inputs técnicos e económico-financeiros, vamos perceber, que alguns simuladores tiveram p.e., que colocar “0” nos gastos com a tarifa em alta, pois a mesma ainda não é sabida, mas sim estimada.

Sem dúvida que os inputs técnicos permitiram pela primeira vez mapear o território nacional em termos de potencial de produção de biorresíduos (domésticos e não domésticos).

As entidades contratadas para a realização do estudo certamente em estreita articulação com o sistema em alta, baixa e com o cidadão, aferiram a “quantidade de biorresíduos recolhidos seletivamente” alvo de recolha seletiva porta-a-porta (PaP), recolha na Via pública (VP), reciclagem na origem (RO). Estes modelos foram desagregados por subcategoria de biorresíduos (alimentares e verdes). No entanto, nasce aqui a obrigatoriedade de ir ao terreno, porquê?

Porque se considerarem os dados referentes ao número de habitantes alvo de RS de biorresíduos em todo o município, ou o n.º de estabelecimentos HORECA, ou até outros setores (com expressão económica mas que sejam resíduos urbanos) sem aplicar filtros como dispersão geográfica, baixa densidade, o potencial dispara para valores teóricos, tendo como é óbvio, impacto direto no dimensionamento da contentorização, das viaturas, outros equipamentos e sacos biodegradáveis, etc.

A evolução dos cenários deverá ter a sempre a perceção real de todos os pressupostos do estudo, porquê?

Se tal não acontecer, as taxas de captura desde 2022 até 2030 serão ideais e não reais!

Sem dúvida que se está a planear, no entanto, este planeamento não deverá ser apenas baseado no referido estudo, porque as zonas verdes e vermelhas no mundo dos biorresíduos serão também uma constante.

Como referido, certamente quem utilizou o simulador disponibilizado pelo FA sabe que “os números” das análises CAPEX e OPEX tiveram na sua grande maioria (e bem) a migração de dados das folhas inputs Técnicos e Auxiliar.

O output do simulador traduz-se numa folha de apoio à decisão com os seguintes indicadores:

  • Acessbilidade ao serviço de recolha;
  • Quantidade de biorresíduos – onde não só mas também, se quantifica a contribuição dos biorresíduos recolhidos seletivamente para a taxa de preparação para reutilização e reciclagem (PPR&R);
  • Sustentabilidade económico-financeira;
  • Viabilidade do projeto – Indicadores económico-financeiros

Todos estes indicadores serão fundamentais para a elaboração do PERSU 2030. Para a PPR&R é preciso ter bem presente que o contributo dos biorresíduos será medido pela quantidade alvo de recolha seletiva e/ou quantidade reciclada na origem (p.e. compostagem doméstica e comunitária) – mais uma vez é importante ter pressupostos próximos da realidade:

  • O estudo utiliza dados dos censos de 2011, sabe-se também que nos territórios com elevada dispersão, nos últimos 10 anos registou-se um decréscimo da população residente assustador. Desta forma, após a publicação dos dados dos censos de 2021, poderá haver a necessidade de atualizar o estudo, até porque este trabalho vai permitir que nasçam os Planos de Gestão Municipais ou Intermunicipais de Biorresíduos.
  • Os cenários de referência dos estudos poderão (e bem) ter sido alimentados por projetos já aprovados (no caso daqueles que fizeram caminho) ao abrigo do POSEUR. Mas é importante que sejam analisadas as metas contratualizadas e os resultados atingidos à data de 2020 nesses projetos, de forma a que os estudos se revejam numa realidade “segura”.

Por falar em realidade, sem dúvida que a necessidade, a vontade e a obrigação são premissas que estão a mudar a história dos biorresíduos, mas alerta-se para o seguinte: é preciso uma estratégia de comunicação e operacionalização coordenada que envolva toda a cadeia de valor, não é novidade, mas depois verificam-se situações como p.e.:

  • Contentores para deposição de biorresíduos em superficíes comerciais inseridas em territórios onde ainda não existe qualquer modelo de gestão de biorresíduos, e que não houve qualquer integração ou articulação com o SGRU.
  • Contentores na via pública, em zonas do país com elevadas taxas de turismo (2021 não é exemplo) onde já há um contentor com sinalética “resíduos orgânicos” mas depois a recolha é feita pelo camião da recolha indiferenciada.

Por falar ainda em sinalética e ainda no âmbito da estratégia de comunicação, é importante que o presente Estudo uniformize o nome da criança/do biorresíduo, ou cada um de nós vai trabalhar em nomes, sinaléticas e depois mais uma vez teremos que recorrer a uma mega campanha nacional para corrigir o que era evitável.

Importa ainda referir que já foram divulgadas pela APA as regras para a compostagem doméstica, as quais também serão uma ajuda para implementar e medir resultados efetivos no âmbito da reciclagem de biorresíduos. Mas no meio destes processos não nos esqueçamos que também no estudo é importante aferir Técnicos e Operadores, ou seja, encargos para este pessoal, pois não chega entregar compostores e um Guia…já assistimos a este erro no passado.

Não me alargando mais, sem dúvida que os últimos tempos têm sido de horas divididas entre diversas Pessoas que trabalharam (e bem) nos estudos, e estas sim, merecem “ir a banhos”!