Por Filipe Ferreira, Chief Sustainability Officer do Grupo Vicaima e Administrador da Vicaima Indústria
Muitos de nós já nos confrontámos com uma situação em que uma proposta de mudança foi travada com um simples: “Sempre fizemos assim”. É uma frase aparentemente neutra, mas que revela um dos maiores entraves à transição energética na indústria: a resistência cultural.
No Dia Mundial da Energia (29 de maio), multiplicam-se relatórios, compromissos e metas. Mas o verdadeiro desafio não está apenas na tecnologia ou no investimento. Está, muitas vezes, no invisível: na cultura organizacional, nos hábitos instalados, na perceção de risco associada à mudança. A transição energética exige também uma mudança de mentalidade — uma disposição coletiva para questionar rotinas enraizadas e abrir espaço à reinvenção dos processos.
Na indústria, onde o consumo energético tem peso significativo, as transformações exigidas são cada vez mais concretas. As ferramentas técnicas existem: redes de ar comprimido otimizadas, painéis fotovoltaicos, mobilidade elétrica, biomassa. Mas nenhuma delas funciona sem compromisso coletivo. A tecnologia pode ser adquirida; a cultura constrói-se.
Na realidade que me é mais próxima os ganhos são comprováveis: a substituição de sistemas de iluminação por LED tem mostrado reduções de consumo e melhorias nas condições de trabalho em várias unidades industriais; a valorização de subprodutos como biomassa representa uma solução energética eficiente; e a monitorização em tempo real dos consumos permite decisões com impacto imediato. Ainda assim, o maior avanço tem vindo de outra frente: a mobilização das equipas. Ouvir resistências, formar continuamente, consolidar novos hábitos. Criar uma cultura de energia é, acima de tudo, criar uma cultura de responsabilidade partilhada.
A energia mais limpa é aquela que não se desperdiça. E o desperdício, na indústria, não é apenas térmico ou elétrico — é também humano e estrutural. A transição energética é também uma transição de pensamento. Trata-se de redefinir o sucesso: não pela produtividade por si só, mas também pela eficiência consciente e sustentável.
Hoje, defende-se uma abordagem centrada na ação. Menos promessas e mais comportamentos. Menos slides, mais quadros elétricos reprogramados. Menos frases feitas, mais decisões com impacto nos turnos e nos processos. A inovação não é um produto — é um processo contínuo que exige persistência, correção de falhas e aprendizagem constante.
É por isso que acredito que a próxima fronteira está menos na adoção de novas tecnologias e mais na capacidade de escutar o que os dados nos dizem e agir em conformidade. Está na humildade de reconhecer que nenhuma ferramenta é milagrosa sem contexto e sem cultura. Passar de empresas que “comunicam bem” para organizações que “agem melhor” exige esta disciplina: consistência no detalhe, coragem para mudar e visão para liderar pelo exemplo.
Essa transformação começa onde menos se vê: nas decisões quotidianas, nos detalhes operacionais, nas perguntas desconfortáveis que fazemos a nós mesmos. Porque, no fim, não é a energia que muda a indústria. São as pessoas.