#Opinião: “Financiamento climático ao Sul Global: os exemplos de Cabo Verde e Moçambique”

Por: Filipa Morais de Almeida, Associada Principal da Miranda & Associados e membro do ESGimpact+ Team da Miranda Alliance

Os países do Sul Global têm sido vítimas de eventos climáticos extremos, sendo previsível que estes venham a ser ainda mais frequentes, mais catastróficos, e mais onerosos, o que torna imperativo o investimento em projetos de acção e resiliência climática e a angariação de financiamento para os mesmos. Por outro lado, ao abrigo dos mecanismos de compensação de perdas e danos (loss and damage), os países do Norte Global têm vindo a procurar formas de investir em projetos de ação e resiliência climática que permitam aos países do Sul Global implementar ou reforçar infraestruturas que permitam fazer face às alterações climáticas.

Uma das formas de financiamento que têm vindo a ser utilizadas são os chamados instrumentos e troca de dívida (debt swaps for climate or nature), cuja finalidade é a redução ou cancelamento da dívida externa de um Estado através da reestruturação da dívida existente com uma taxa de juro mais baixa ou vencimento mais longo. Nesta troca, o Estado devedor assume compromissos financeiros relacionados com a conservação ambiental, o apoio à economia verde, e a aceleração da transição energética. Em alternativa, a dívida ser adquirida com desconto, ou seja, o credor pode aceitar um montante inferior ao valor do crédito existente e, em contrapartida, o devedor obriga-se a utilizar o equivalente ao montante reduzido para implementação de projetos nacionais capazes de produzir benefícios ambientais significativos a nível nacional, regional ou global.

O recurso a estes instrumentos de troca de dívida pode ter particular relevância em países com dívida externa significativa e/ou profundamente afectados pelas alterações climáticas, como é o caso de países como Cabo Verde e Moçambique.

Em junho de 2023, Cabo Verde e Portugal celebraram um acordo para trocar dívida pública por investimentos no fundo ambiental e climático do arquipélago (a ser criado). Ao abrigo deste acordo, Portugal comprometeu-se em converter dívida no valor de € 12 milhões para apoiar o financiamento e investir na transição climática de Cabo Verde até 2025. Dependendo dos resultados do projeto, a partir de 2025 as partes acordaram alargar o mecanismo de conversão ao valor restante da dívida, ou seja, cerca de € 140 milhões. Paralelamente, Cabo Verde já demonstrou a intenção de abordar outros países e outras instituições bilaterais e multilaterais, perante as quais Cabo Verde é devedor, para que possam trocar dívida por natureza e assim aumentar a capacidade financeira do fundo climático e ambiental, com o objetivo de acelerar a transição energética.

Por outro lado, em Dezembro de 2023, os Governos da Bélgica e de Moçambique aprovaram a troca de dívida por ação climática (debt-for-climate swap), em resultado a Bélgica acordou cancelar parte da dívida de Moçambique no montante de € 2,4 milhões em contrapartida da implementação de programas de ação e resiliência climática, nomeadamente a instalação de sistemas de aviso prévio de ciclones.

Para além disso, Cabo Verde parece estar claramente empenhado na promoção da economia verde e azul, tendo aprovado a criação de instrumentos financeiros para o efeito, como os chamdos títulos verdes e azuis (green and blue bonds) – i.e. instrumentes financeiros representativos de dívida que, tal como as obrigações ditas “clássicas”, conferem ao seu titular um direito de crédito face à entidade que as emite com a particularidade de o capital subscrito pelos investidores dever ser aplicado a fins específicos, em especial, projetos relacionados com o desenvolvimento sustentável ou com a obtenção de benefícios de cariz ambiental e a mitigação das alterações climáticas. A primeira emissão de blue bonds em Cabo Verde ocorreu em 2023 na Bolsa de Valores de Cabo Verde, através da qual foram colocadas à subscrição 35 mil obrigações, ao preço de 10 mil escudos cada, com maturidade a cinco anos e taxa de juro de 4%, para financiar projetos na área da economia azul. Em relação a Moçambique, existem já indícios de que o Estado pretende também aprovar, já este ano, legislação sobre instrumentos de financiamento sustentável, onde se incluem as green e blue bonds, mas também outro tipo de obrigações de finalidade específica, como as obrigações de responsabilidade social.

Considerando o expectável aumento do interesse dos países do Norte Global em investir em projectos climáticos nos países do Sul Global, ao abrigo nomeadamente dos mecanismos previstos no Acordo de Paris, países como Cabo Verde e Moçambique devem esforçar-se por se posicionar como destinos atrativos. Ambos os países parecem estar no caminho certo e têm demonstrando abertura para adoção de instrumentos financeiros inovadores e adaptação da legislação interna para o efeito. No entanto, é importante que ambos os países sejam proativos – tanto na abordagem aos credores, como na produção legislativa – de modo a que não venham a perder oportunidades de angariação de financiamento climático, porventura, irrepetíveis.