Por Filipa Oliveira, Sandrina Tralhão e Vanessa Biel, LEAP Consulting
“No need for greed or hunger” – “Imagine”, John Lennon e Yoko Ono
No passado, imaginar um mundo sem fome pertencia ao domínio do utópico. Sim, utópico como John Lennon, defensor de uma realidade, distante, que se pretendia perto. Fora do palco, ao comum dos mortais, não parecia mais que uma idealização, sonho ou desejo impossível de alcançar. Mas cantava-se em uníssono. Porque a esperança, como diz o povo, é a última a morrer. E nesta espera expectante, sabemos que qualquer movimento deve ser dado em comunhão; porque juntos chegamos mais longe.
Passados todos estes anos, ainda hoje, em muitas circunstâncias, esta realidade continua a parecer utópica. Mas e se não for? E se a resposta estiver nas nossas mãos, nas decisões que tomamos todos os dias, nas empresas que lideramos, nos produtos que produzimos, vendemos e consumimos?
Imagine all the people
Em Portugal, falar de “fome zero” pode parecer estranho, a muitos. Vivemos num país com supermercados cheios, restaurantes em cada esquina e uma gastronomia que é orgulho nacional. Mas por detrás deste primeiro plano, há realidades, mais ou menos, escondidas, mais ou menos, ignoradas. Famílias que não conseguem garantir todas as refeições, garantir refeições na totalidade dos dias do mês, crianças que vão para a escola de estômago vazio, idosos que têm de escolher entre medicação e alimentação. Estima-se que em 2024, entre 240 000 e 300 000 pessoas viviam com dificuldades concretas ao nível da alimentação. Entre as quais crianças e idosos.
O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2 (ODS2), definido pela ONU, é claro: erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover uma agricultura sustentável. E este não é um desafio, apenas, para governos ou organizações humanitárias. É, igualmente, uma missão para o setor empresarial. Porquê? Porque a fome não se combate só com caridade. Combate-se com estratégia, visão e compromisso. E há muitas formas de atuar.
Imagine all the people, sharing all the world…
Uma das formas mais diretas de contribuir para a erradicação da fome (ODS2) é através da gestão responsável das cadeias de abastecimento alimentar. Em Portugal, toneladas de comida em perfeito estado continuam a ser desperdiçadas, todos os dias. As empresas, especialmente as do setor alimentar, podem (e devem) apostar na redução do desperdício mas, também, em sistemas de reaproveitamento de excedentes, como doações a bancos alimentares ou a instituições sociais.
Há também espaço para empresas tecnológicas inovarem na logística, monitorização de stocks e plataformas de ligação entre produtores e consumidores mais vulneráveis. A fome não é só falta de comida. É, essencialmente, a ausência de uma distribuição igualitária de alimentos, decorrendo uma acessibilidade e nutrição desiguais.
Outro ponto chave é a agricultura sustentável. E, aqui, as empresas assumem um papel fundamental ao escolher a quem compram e como valorizam a produção nacional. Imaginem se todos os supermercados portugueses tivessem políticas que priorizassem os pequenos produtores locais, praticando preços justos e assegurando contratos estáveis. Isso assumiria um impacto direto na resiliência das zonas rurais, na nutrição dos consumidores, na sustentabilidade ambiental e, claro, na redução da pobreza alimentar.
Empresas do setor agroalimentar – da distribuição, à restauração e, até, à hotelaria – podem ser motores de um novo modelo económico. Mais justo, rentável, sustentável e próximo da comunidade.
Parte do combate à fome passa, ainda, por educar os consumidores. E quem comunica com o público todos os dias? As marcas. Ao usarem os seus canais para promover hábitos de consumo sustentáveis, evitar o desperdício, escolher produtos sazonais e explicar a importância de uma alimentação equilibrada, as empresas contribuem para uma mudança cultural profunda.
As empresas são, sim, um veículo privilegiado para ajudar a emergir uma consciência coletiva que tanto urge. Mas não só. Elas podem ser ponte entre quem tem demasiado e quem não tem o suficiente.
I hope someday you’ll join us
A fome não um Destino. Uma fatalidade. Ou um fatalismo.
O ODS2 não é só um desejo. Um sonho inalcançável. Ou uma utopia.
Em Portugal temos os meios, o conhecimento e, sobretudo, a vontade de mudar.
As empresas são parte fundamental dessa mudança. Não, apenas, porque têm responsabilidade. Mas porque têm o poder de agir. Com estratégia. Impacto. Poder de transformação. E escala.
Há cada vez mais empresas dispostas a Fazer diferente.
E tu e a tua empresa?
Que lugar ocupam nesta canção?
Ler mais aqui:
Opinião: Do Lucro ao Propósito – O papel das empresas portuguesas no combate à pobreza | ODS 1