#Opinião: “O Estudo 5615 e a evolução recente do SIGRE”

Por: Pedro Nazareth, CEO Electrão

Na sua origem, em 1996, o SIGRE (Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagem) correspondeu à resposta da indústria para assumir a responsabilidade alargada nos termos do, ainda hoje aplicável, sistema integrado. Neste sistema os embaladores/produtores/importadores transferem as suas responsabilidades legais pela gestão das embalagens em fim de vida para uma EG (Entidade Gestora), com a qual assinam um contrato e à qual pagam uma contrapartida financeira (ecovalor) pelas embalagens dos seus produtos colocadas no mercado nacional.

Pedro Nazareth

Com as receitas provenientes dos ecovalores a EG paga aos municípios, de forma indirecta, através dos SGRU (Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos), os custos acrescidos com a recolha selectiva e triagem dos resíduos de embalagem, de acordo com uma tabela definida pelo Estado.

No início o sistema pretendia pôr em funcionamento a recolha de proximidade e por isso só as embalagens primárias faziam parte do seu âmbito. A partir de 2001, com a introdução do fluxo não urbano, começou a existir a necessidade de definir, com maior precisão, que embalagens iriam dar origem a resíduos do fluxo urbano e quais iriam ter como destino o fluxo não urbano.

A partir de 2017, com a chegada da concorrência ao SIGRE, o seu âmbito passou a abranger apenas as embalagens primárias e os multipacks. Não se exigia qualquer valor aos embaladores pelas restantes embalagens secundárias e terciárias colocadas no mercado. Acontece que, na realidade, muitas embalagens secundárias – como são, por exemplo, as caixas que permitem agrupar várias embalagens, usadas para exposição dos produtos e que o consumidor pode trazer para casa – iam parar ao circuito urbano. As alterações introduzidas às licenças das EG, em Maio de 2020, vieram clarificar este âmbito.

Nessa data, de acordo com o Despacho 5615/2020, de 20 de Maio, o âmbito das licenças concedidas às EG do SIGRE passou a ser constituído pelas embalagens primárias, secundárias e terciárias não reutilizáveis, incluindo as embalagens de serviço, colocadas no mercado nacional, e respectivos resíduos de embalagem, cuja responsabilidade pela gestão está por lei atribuída aos SGRU, isto é, os resíduos domésticos e os resíduos semelhantes cuja produção diária por produtor não excede os 1100 litros.

Esta alteração levantou, no entanto, questões relativas ao financiamento do sistema gerido pelos SGRU. A situação agravou-se com a quebra dos valores de retoma, nomeadamente, o valor do papel/cartão, retirando uma fonte importante de rendimento aos SGRU e às EG.

Nesse contexto, tal como disposto no Despacho 5615/2020, as três entidades gestoras promoveram, sob a coordenação da CAGER, um estudo com vista a clarificar os impactos das alterações do âmbito das suas licenças. Este estudo, visava identificar, sectorialmente, a percentagem de embalagens que têm como destino o fluxo urbano e não urbano, através da caracterização da realidade do universo de embalagens colocadas no mercado e respectivos resíduos de embalagem contidos nos resíduos urbanos, bem como dos circuitos de gestão associados, identificando, para cada sistema de gestão de resíduos urbanos, as origens de recolha selectiva e a tipologia de produtores de resíduos.

Este estudo tinha como objectivo apoiar a revisão dos modelos de determinação dos valores de prestações financeiras no SIGRE, por forma a impedir a subsidiação cruzada entre embalagens primárias, secundárias e terciárias e garantir uma distribuição justa de responsabilidades pelos diversos operadores do sistema.

Estimou-se, naquela data, que, globalmente, 81% das embalagens colocadas no mercado estariam dentro do actual âmbito do SIGRE, valor este que ascendia para 89% se apenas estivéssemos a considerar as embalagens de produtos de grande consumo. Já a análise efectuada na Parte B do Estudo, permitiu apurar que para os diferentes tipos de material existiam proporções variáveis de origens em grandes produtores de resíduos urbanos, sendo que este contributo seria no máximo de 21% na madeira e até 6% no material vidro e aço, passando por cerca de 12% no papel-cartão.

Segundo o estudo 5615, à luz da revisão do âmbito do SIGRE, as responsabilidades líquidas das EG face aos SGRU representavam, afinal, menos 7,7 M€ em relação aos valores que foram efectivamente cobrados.

As recomendações do estudo apontavam ainda para a necessidade de ajustar alguns aspectos do funcionamento do SIGRE. A análise sugeria que fosse clarificada a diferença entre resíduos domésticos e comerciais/industriais, o que deve ser feito tendo em conta as características das embalagens, como acontece em outros países, e não tendo como referência a quantidade produzida de resíduos (1100 litros). O estudo considerava ainda a necessidade de estender o RAP (Responsabilidade Alargada do Produtor) a todas as embalagens, independentemente de serem domésticas ou comerciais/industriais.

Outra recomendação equacionava a possibilidade de remunerar os SGRU a 100%, pelo trabalho que desenvolvem de recolha e triagem de várias tipologias de resíduos, mas esse financiamento, sublinha o estudo, teria que ter origem em vários sistemas de RAP existentes ou a criar. Ou seja, esse custo não pode recair apenas sobre as EG do SIGRE actualmente existentes que já têm à sua responsabilidade o financiamento e a gestão da reciclagem de fluxos muito específicos de resíduos.

Se é certo que o novo regime do SIGRE definido no final de 2020 com a publicação do Decreto-Lei 102-D/2020, de 10 Dezembro, veio apontar para uma aceleração da extensão do seu âmbito a todas as embalagens, urbanas e não urbanas, bem como aos produtos de grande consumo e comerciais e industriais, prevista já para 2022, a verdade é que tal ainda não se concretizou.

Lamenta-se, por isso, que um trabalho determinado pelas autoridades competentes nunca tenha sido objecto de reflexão e decisão consequente que permitisse aliviar as nuvens de incerteza que ainda pairam sobre o SIGRE e que a todos os seus agentes envolvidos prejudicam.

*Este artigo foi incluído na edição 96 da Ambiente Magazine