#Opinião: Os Planos de Gestão das ZEC – Conteúdo, Extensão e Limites 

Por: Ana Isabel Marques, Consultora na AMMC Legal

Com a criação, a nível europeu, da Rede Natura 2000, cada Estado membro ficou obrigado a identificar as áreas onde se encontram os habitats naturais e as espécies de aves, fauna e flora selvagens a proteger (zonas de proteção especial/ZPE e sítios de interesse comunitário/SIC, a serem posteriormente classificados como zonas especiais de conservação/ZEC), bem como a definir e adotar as medidas de conservação necessárias para garantir a manutenção ou o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies protegidas num estado de conservação favorável.

Em Portugal, o diploma que, em 1999, transpôs o regime da Rede Natura, identificou logo, de forma concisa, algumas dessas medidas de conservação, a serem aprovadas em sede de ordenamento do território, de gestão, de avaliação ambiental, de vigilância e de fiscalização. Estas medidas tinham por objetivo evitar a deterioração dos habitats e perturbações significativas nas espécies para as quais as ZEC foram designadas, apresentando, por isso, um cariz preventivo. No que toca ao ordenamento do território, e ao abrigo daquele diploma foi aprovado em 2008 o Plano Setorial que estabeleceu as orientações para a gestão dos SIC, ZEC e ZPE e para a definição das medidas de conservação das espécies e dos habitats. Além disso, estabeleceu a obrigação de planos de ordenamento do território coincidentes, no todo ou em parte, com ZEC ou ZPE, avaliarem o estado de conservação dos habitats e espécies protegidas e integrarem medidas adequadas à respetiva proteção na primeira revisão ou alteração a que fossem sujeitos. É precisamente o que se tem estado a verificar nos processos de revisão dos PDM, que têm definido as normas e medidas destinadas à salvaguarda dos valores e recursos naturais protegidos com impacto na ocupação, uso ou transformação do solo. Além disso, quando as ZEC e ZPE se sobreponham a áreas protegidas, as medidas de conservação serão previstas nos programas especiais de ordenamento das respetivas áreas protegidas.

Não obstante, o mesmo diploma de 1999 previa que poderiam ainda ser definidas medidas complementares de conservação, designadamente, em planos de gestão. Estes planos de gestão só agora estão a ser elaborados e cabe perguntar qual a utilidade e conteúdo específico dos mesmos. Mais de 20 anos depois da sua previsão na lei, justifica-se serem agora aprovados? Para quê? Que medidas devem ser neles incluídas que não estejam já previstas noutros instrumentos, como os que se referiram acima?

Note-se que, à luz das Diretivas comunitárias, estes planos de gestão não são obrigatórios. Contudo, o recente Decreto Regulamentar n.º 1/2020, de 16 de março, que veio classificar os sítios de interesse comunitário do território de Portugal continental como ZEC, determinou a elaboração de planos de gestão onde sejam definidas as medidas e ações complementares de conservação de habitats e espécies presentes em cada ZEC. Efetuada a consulta pública de alguns projetos de planos de gestão, constata-se a ausência de efetivas medidas de conservação, que agora deveriam ser avaliadas à escala e de acordo com as especificidades de cada uma das ZEC. O que se verifica é a enunciação de um conjunto de proibições ao uso do solo e ao desenvolvimento de atividades, em clara contradição com o monopólio legal de definição do regime de uso do solo pelos planos municipais, o que traz uma maior entropia no sistema e nada acrescenta para a prossecução dos objetivos de conservação destas áreas. Onde estão as medidas de conteúdo positivo e dinâmicas dirigidas ao maneio direto de espécies, habitats e ecossistemas, bem como medidas e ações de intervenção associadas a atividades socioeconómicas, tais como a silvicultura, a mineração, a agricultura, a pecuária, a caça ou a pesca, na medida em que tenham implicações significativas no maneio de espécies, habitats e ecossistemas protegidos, tendo em vista a sua manutenção ou recuperação para um estado favorável de conservação? Se essas medidas concretas e diretas de salvaguarda não forem incluídas nos vários planos de gestão em elaboração, correr-se-á o risco de estarmos perante mais uma oportunidade falhada para aproximar os órgãos locais autárquicos e as populações dos objetivos de conservação da natureza e de fomento da biodiversidade.