#Opinião: “Plano de Ação para o Biometano 2024-2040”

Por: Isabel Moraes Cardoso, Sócia Fundadora da AMMC LEGAL

Foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2024, de 15 de março, o Plano de Ação para o Biometano (PAB), que propõe uma estratégia integrada, a partir de 2024 e tendo como horizonte 2040, para o aproveitamento do potencial de biometano em Portugal. O PAB apresenta como visão estratégica a promoção do mercado do biometano como uma forma sustentável de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, descarbonizar a economia nacional, reduzir as importações de gás natural utilizado nos setores industriais e doméstico, incluindo o seu uso na mobilidade, aproveitando os recursos endógenos existentes em cinco setores estratégicos  – resíduos urbanos, águas residuais, agricultura, pecuária e agroindústria, tendo por pressuposto o contributo que o biometano pode ter para o aumento da segurança energética através da diversificação das fontes e origens de energia.

Em linha com esta visão estratégica, o PAB prevê duas fases com objetivos e horizontes temporais distintos (2024-2026 e 2026-2040) e um eixo complementar transversal ao aproveitamento do gás a nível nacional – a garantia da sustentabilidade social e ambiental – e apresenta 20 linhas de ação, organizadas em sete eixos prioritários. As linhas de ação propostas são de forma realista direcionadas para ultrapassar as barreiras económicas, sociais, ambientais, tecnológicas e regulamentares que se identificam para o desenvolvimento do setor.

Entre as barreiras identificadas conta-se a inexistência de um “modelo de negócio” para o biometano, uma vez que a respetiva produção não tem viabilidade em condições normais de mercado, afigurando-se indispensável a criação de sistemas de apoios e soluções de financiamento favoráveis como forma de atrair o setor privado. A sustentabilidade da cadeia de valor do biometano enfrenta também a barreira da falta de soluções de mercado para o digerido, que pode ser utilizado na agricultura como fertilizante ou corretivo orgânico, sendo uma mais-valia para a promoção da economia circular. A necessidade de regulamentação específica que objetive a harmonização das diversas políticas públicas com incidência na cadeia de valor do biometano, é outra das barreiras reconhecidas para a qual são estabelecidas ações específicas.

Para a primeira fase e no âmbito da prioridade 1 – acelerar o desenvolvimento da produção de biometano, o PAB tem como objetivo a capacitação de setores estratégicos para o aproveitamento do potencial de biogás de forma a implementar um mercado interno de biometano. É assim essencial, a curto prazo, efetivar a recolha de bioresíduos por parte dos municípios, tendo em conta as metas do Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos 2030, e remover as barreiras para a utilização de biometano em mercados finais: injeção do biometano na rede pública de gás (RPG), e utilização no setor dos transportes e na indústria. Para a segunda fase, são apresentadas linhas de ação a médio prazo, centradas na consolidação do mercado e no aumento da escala de produção do biometano, que incluem o reforço do potencial do setor pecuário (estrumes e chorumes), a avaliação estratégica de tecnologias inovadoras e produtos associados à produção de biometano como o digerido e o CO2 biogénico e a consequente criação de novas cadeias de valor.

Nestes pressupostos e para a primeira fase definem-se seis linhas de ação: L1 – Prosseguir um quadro de apoios à produção de biometano com o objetivo de diminuir o risco de mercado e aumentar a competitividade do gás renovável enquanto opção de descarbonização; L2 – Efetivar a recolha seletiva de biorresíduos e capacitar os sistemas de gestão de resíduos urbanos a maximizar a valorização orgânica por digestão anaeróbia, na medida em que é o setor dos resíduos urbanos o mais preparado e capacitado para acelerar a produção de biometano; L3 – Fomentar a reconversão de unidades de biogás já existentes para biometano e acelerar a implementação de projetos já aprovados e/ou em desenvolvimento no setor agropecuário e agroindustrial, sendo de especial relevância assegurar as condições regulatórias adequadas à entrada em exploração nos prazos previstos, dos projetos já aprovados e em desenvolvimento, com apoio do PRR, para instalação de unidades de produção de biogás e biometano, especialmente a partir de efluentes pecuários e agroindustriais; L4 – Estabelecer metas de incorporação de biometano na rede pública de gás; L5 – Explorar oportunidades para o biometano no setor dos transportes e incentivar o consumo de biometano na indústria; e L6 – Realizar estudos prospetivos para a implementação estratégica de projetos tendo em conta a avaliação integrada das condições e necessidades atuais da RPG, em função do potencial de produção de biometano existente a nível regional.

A segunda prioridade da primeira fase, é a criação de um quadro regulatório favorável. A L7 preconiza a promoção da injeção de biometano na RPG, sendo para tanto indispensável a definição de medidas que promovam a efetiva integração de novos produtores na rede, numa lógica de partilha de custos entre produtor e operador de rede, pelo que se perspetiva a alteração do Decreto-Lei n.º 60/2020, de 17 de agosto, do Regulamento de Relações Comerciais no setor do gás, e a adequação do regime tarifário para injeção de gás na rede de transporte. Por fim, a L8 estabelece a clarificação do quadro regulamentar e a simplificação dos processos de licenciamento, domínio no qual muito ou quase tudo se encontra por fazer. A definição de uma entidade coordenadora para os procedimentos de licenciamento das unidades de produção de biometano, a consolidação da legislação dispersa, quer relativa à instalação destas unidades, quer para a restante cadeia de valor, com especial destaque para a adaptação do quadro regulatório que garanta a qualidade do digerido enquanto matéria fertilizante, são essenciais para a viabilização dos projetos em desenvolvimento e para a criação do mercado de biometano.

O PAB parte de um quadro realista do mercado do biogás e do biometano e das barreiras que o mesmo enfrenta, sendo por isso ambiciosos os objetivos a que se propõe. A clarificação do quadro regulamentar de toda a cadeia de valor deste mercado constitui condição sine qua non do respetivo sucesso.