#Opinião: “Sustentabilidade na Europa: O efeito Bruxelas na Definição das Normas ESG nos Mercados Financeiros”

Por: João Maria Botelho

As práticas ambientais, sociais e de governação (ESG) têm vindo a assumir uma importância crescente não só para as empresas como para os investidores, por todo o mundo.

Neste sentido, a Europa tem estado na vanguarda do desenvolvimento de quadros regulamentares abrangentes para as práticas ESG, enquanto que os Estados Unidos têm sido mais lentos a adotar estas práticas, devido a um crescente movimento anti-ESG.

Este artigo apresenta uma comparação das atuais práticas e cenários ESG tanto na Europa como nos EUA.

Quadros legislativos e regulamentares:

A Europa deu significativos passos na criação de um quadro regulamentar mais abrangente para as práticas ambientais, sociais e de governação (ESG), em comparação com os Estados Unidos. A implementação de vários regulamentos de sustentabilidade na União Europeia (UE) tem desempenhado um papel fundamental na promoção de práticas sustentáveis.

Um dos principais regulamentos é o Regulamento de Divulgação de Informações sobre Finanças Sustentáveis (SFDR), que exige que os participantes no mercado financeiro divulguem a forma como integram os riscos de sustentabilidade nas suas decisões de investimento. Isto inclui a divulgação da forma como consideram os fatores ambientais, sociais e de governação nas suas decisões de investimento e como se envolvem com as empresas em questões ESG. Esta transparência permite que os investidores tomem decisões informadas e incentiva as empresas a adotarem práticas mais sustentáveis.

Outro regulamento fundamental é a Diretiva relativa aos relatórios de sustentabilidade das empresas (CSRD), que obriga as empresas a divulgarem informações mais completas sobre as suas práticas de sustentabilidade. Isto inclui a divulgação de emissões de gases com efeito de estufa, a utilização de água e as diferenças salariais entre géneros. A CSRD também exige que as empresas informem em relação à forma como estão a contribuir para os objetivos climáticos da UE. Estes requisitos permitirão aos investidores tomar decisões mais informadas e incentivarão as empresas a adotar práticas mais sustentáveis para satisfazer as expectativas dos investidores.

O Regulamento Taxonomia é outro sistema de classificação essencial concebido para ajudar os investidores a identificar as atividades económicas que são sustentáveis do ponto de vista ambiental. Este sistema ajudará os investidores a reconhecer os investimentos sustentáveis, o que constitui um passo essencial para a promoção de práticas sustentáveis.

Além disso, a Norma sobre Obrigações Verdes estabelece requisitos para a emissão de obrigações verdes, que são utilizadas para financiar projetos ambientalmente sustentáveis. Estes regulamentos desempenham um papel essencial na promoção de práticas financeiras sustentáveis, alinhando-as com o Regulamento Taxonomia e fazendo avançar as iniciativas de sustentabilidade.

Entre nós, o pacote bancário da UE, que deverá ser implementado em breve, visa melhorar a resiliência do setor bancário, promover a disciplina do mercado e garantir a estabilidade financeira.

Falamos do Regulamento de Requisitos de Capital (CRR II), a Diretiva de Requisitos de Capital V (CRD V) e a Diretiva de Recuperação e Resolução de Bancos II (BRRD II) introduzem novos requisitos para os bancos relacionados com as práticas ESG.

O CRR II exige que os bancos divulguem informações sobre a sua exposição aos riscos de alterações climáticas, enquanto que a CRD V exige que tenham em conta fatores ESG na avaliação do risco de crédito. A BRRD II exige que os bancos desenvolvam planos de recuperação e resolução que tenham em conta os fatores ESG.

O Efeito Bruxelas:

O Efeito Bruxelas refere-se à capacidade da Europa para moldar a regulamentação e as normas globais relacionadas com as práticas de sustentabilidade. Este efeito deve-se, em parte, ao quadro regulamentar abrangente da Europa para as práticas ESG, que se tornou num modelo para outros países em todo o mundo.

Por exemplo, o Regulamento Taxonomia da UE estabelece um sistema de classificação para atividades económicas sustentáveis que está a ser utilizado como base para iniciativas semelhantes noutros países.

Benefícios financeiros:

Em Abril de 2023, a Harvard Business Review publicou um artigo convincente que instava os líderes empresariais a adotarem práticas ESG, apesar do movimento anti-ESG que prevalece nos EUA. O artigo argumenta que estas práticas não só são moralmente necessárias, como também trazem benefícios financeiros significativos a longo prazo. De facto, um conjunto crescente de investigação de instituições da Ivy League, como Harvard e Yale, corrobora esta afirmação.

Por exemplo, um estudo da Yale School of Management concluiu que as empresas com classificações ESG elevadas tendem a ter múltiplos de avaliação mais elevados e um custo de capital mais baixo do que os seus pares. Isto sugere que os investidores estão dispostos a pagar mais por empresas que dão prioridade aos factores ESG, uma vez que consideram que estas empresas são mais sustentáveis e mais bem geridas.

Além disso, a Harvard Business School concluiu que as empresas que se centram na gestão das partes interessadas (ou seja, que respondem às necessidades de todas as partes interessadas, incluindo trabalhadores, clientes e comunidades) tendem a ter um melhor desempenho financeiro a longo prazo. Isto deve-se ao facto de as empresas orientadas para as partes interessadas construírem relações mais fortes com as suas partes interessadas, o que se pode traduzir numa maior fidelidade dos clientes, numa menor rotatividade dos empregados e num menor risco regulamentar.

Outro estudo realizado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) concluiu que as empresas com um bom desempenho em matéria de ESG eram mais inovadoras, tinham um melhor planeamento estratégico a longo prazo e geriam melhor os riscos operacionais.

Na mesma ótica de pensamento, um estudo da Global Sustainable Investment Alliance concluiu que o investimento sustentável cresceu significativamente nos últimos anos, atingindo 35,3 biliões de dólares em activos sob gestão em 2020. Isto mostra que os investidores estão a reconhecer cada vez mais os benefícios financeiros de investir em empresas com fortes práticas ESG.

A ideia core que pretendo denotar com estes exemplos, neste caso, reside na importância que estas práticas têm para os investidores, pois a um nível macro, há cada vez mais investidores que procuram investir em empresas que adotam e implementam robustas práticas ESG sólidas.

Desafios:

Apesar da importância crescente das práticas ESG, o movimento continua a enfrentar desafios. Um deles é a questão do greenwashing, em que as empresas deturpam as suas práticas de sustentabilidade.

Este facto pode minar a confiança dos investidores nos investimentos ESG e reduzir o impacto das práticas de sustentabilidade no ambiente e na sociedade. Outro desafio é a falta de normalização dos relatórios ESG, o que pode dificultar a comparação do desempenho ESG das empresas por parte dos investidores.

Outro desafio, a falta de padronização nos relatórios ESG, o que pode dificultar a comparação do desempenho ESG das empresas por parte dos investidores. Para enfrentar este desafio, as entidades reguladoras e os investidores têm de trabalhar em conjunto para desenvolver normas claras para os relatórios ESG e garantir que as empresas são responsabilizadas pelas suas declarações de sustentabilidade.

O papel de liderança da Europa no desenvolvimento de quadros regulamentares abrangentes para as práticas ESG teve um impacto significativo nas normas globais de sustentabilidade.

O Efeito Bruxelas desempenhou um papel fundamental na definição destas normas, uma vez que o quadro regulamentar da Europa se tornou um modelo para outros países por todo o mundo. As novas regras da UE em matéria de relatórios de sustentabilidade, que entrarão em vigor em 2024, exigirão que as empresas forneçam informações mais pormenorizadas sobre as suas práticas de sustentabilidade.

Estas regras terão impacto não só nas empresas europeias, mas também nas empresas americanas que operam na Europa. As empresas devem preparar-se para estas novas regras, revendo os seus atuais relatórios de sustentabilidade e assegurando que dispõem dos dados e processos necessários para cumprir os novos requisitos.

A regulamentação ESG é cada vez mais vital, uma vez que os investidores e as entidades reguladoras procuram garantir que as empresas atuam de forma sustentável e responsável.

De acordo com um relatório do Instituto de Economia da Energia e Análise Financeira (IEEFA), a falta de regulamentação do sistema de notação ESG conduziu a inconsistências nas pontuações ESG das diferentes agências de notação. Esta falta de consistência e transparência prejudica a confiança dos investidores nos investimentos ESG, o que pode afetar o acesso das empresas ao capital. Por conseguinte, a normalização e a regulamentação dos relatórios ESG são necessárias para melhorar a fiabilidade das classificações ESG e reforçar a confiança dos investidores nos investimentos ESG.

Em jeito de conclusão, as práticas ESG tornaram-se uma parte essencial das atividades empresariais tanto na Europa como nos EUA, mas ainda há desafios que devem ser enfrentados para garantir o sucesso contínuo do movimento.

Não nos podemos esquecer que o movimento anti-ESG dos EUA constitui um entrave significativo que poderá limitar a capacidade das empresas implementarem práticas sustentáveis e dos investidores tomarem decisões informadas sobre matérias relativas à sustentabilidade.

No entanto, há sinais de que este movimento poderá sofrer alterações no futuro, nomeadamente à medida que a sensibilização do público para as questões ambientais aumenta, particularmente com o aumento da consciencialização do público para as questões ambientais.