O Orçamento de Estado para o próximo ano vai à votação final a 27 de novembro, estando o debate na generalidade marcado para os finais de outubro e o processo na especialidade inicia-se no dia 20 de novembro. Com várias áreas do país sob pressão, a Ambiente Magazine perguntou a diferentes entidades o que não pode ficar esquecido para 2026. Aqui fica o comentário de Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde.
O Orçamento do Estado para 2026 é fundamental para conduzir o País em matérias centrais e, no entendimento da Sociedade Ponto Verde, deve funcionar como um instrumento de aceleração da economia circular e da reciclagem de embalagens, orientando políticas públicas e investimento para melhorar a infraestrutura de recolha seletiva; garantir previsibilidade e estabilidade regulatória; promover inovação tecnológica; e incentivar maior envolvimento dos cidadãos.

Recorde-se que, recentemente, a Comissão Europeia alertou que Portugal arrisca falhar as metas da União Europeia para a reciclagem de resíduos urbanos em 2025, depois de já ter incumprido a meta de 50% fixada para 2020. Este alerta consta do Reexame da Aplicação da Política Ambiental, que identifica falhas estruturais nas políticas ambientais nacionais e pede empenho para acelerar medidas estruturais.
Esta é mais uma chamada de atenção que evidencia uma realidade preocupante: historicamente, Portugal não cumpre as metas de reciclagem de resíduos urbanos, a não ser na reciclagem de embalagens (com exceção do vidro). Contudo, embora este seja o único fluxo que tem atingido os objetivos comunitários, o seu bom desempenho pode estar em risco. Importa ainda sublinhar que o incumprimento destas metas não tem apenas consequências ambientais, mas também implica potenciais penalizações financeiras e um impacto reputacional negativo para o país, reforçando a urgência de agir com eficácia.
Em 2024, a taxa de retoma das embalagens foi alcançada, situando-se nos 57,4%. No entanto, o País permanece longe da nova meta para 2025: garantir a recolha seletiva de 65% de todas as embalagens colocadas no mercado. Os dados do primeiro semestre deste ano mostram uma estagnação nas quantidades enviadas para reciclagem, com destaque para o vidro, que registou uma quebra de 1% (menos 1.300 toneladas).
Não podemos permitir que este seja o caminho. Este momento é determinante para o nosso futuro coletivo e exige, como a SPV tem vindo a defender, um compromisso claro de todas as partes envolvidas na cadeia de valor, um modelo de financiamento justo e transparente, um quadro financeiro estável e previsível e, acima de tudo, urgência na ação. É necessário um esforço concertado e inovador, capaz de transformar o investimento já mobilizado em resultados concretos, sem agravar os custos para empresas e cidadãos.
Neste contexto, destaca-se o reforço financeiro do SIGRE (Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens), resultante do aumento dos valores de contrapartidas (VC) definido pelo Governo, que já está a ser pago pelas empresas embaladoras aos sistemas municipais e multimunicipais de recolha. Este mecanismo permitirá que, em 2025, o sistema disponha de mais 99 milhões de euros, num investimento total estimado de 219 milhões de euros, o que deverá traduzir-se numa melhor performance do SIGRE, nomeadamente no que diz respeito à recolha de embalagens de vidro tendo em conta a redução (-1%) nos primeiros seis meses do ano, face ao período homólogo. Ou seja, é um reforço financeiro que não pode significar apenas mais despesa. Têm de existir resultados efetivos, pois caso contrário, corremos o risco de repetir um novo ciclo de investimento sem impacto.
A aplicação deste montante, assim como dos restantes recursos arrecadados no âmbito da gestão de resíduos, deve, assim, ter como prioridades melhorar substancialmente o nível de serviço prestado aos cidadãos pelos sistemas municipais e multimunicipais, e globalmente toda a operação de reciclagem. Ao reforçar-se a eficiência e ao ganhar-se mais matéria-prima proveniente dos resíduos de embalagem que são recuperados, cria-se valor económico e reduz-se o recurso a aterros. Este é um tema também bastante crítico, dado que há uma pressão crescente sobre os aterros e nove dos 35 existentes no País poderão esgotar a sua capacidade nos próximos dois anos.
Para enfrentar estes desafios, é essencial apostar na inovação tecnológica em toda a cadeia de valor, desde a criação de embalagens mais circulares e recicláveis até ao desenvolvimento de soluções logísticas adaptadas às características de cada território. Exemplos concretos incluem a aposta em centros de triagem mais avançados, a utilização de sensores e inteligência artificial para melhorar a separação de materiais, ou ainda a introdução de novas soluções de recolha porta-a-porta em zonas de baixa densidade populacional. Igualmente importante é investir em tecnologias que melhorem os processos de triagem e reciclagem, contribuindo, como mencionado anteriormente, para o aumento da eficiência e o aproveitamento dos materiais.
Os cidadãos, que têm um papel central neste processo, devem continuar a ser envolvidos através de campanhas de sensibilização e iniciativas de proximidade, nomeadamente em escolas e nas comunidades. É igualmente necessário incentivar comportamentos mais responsáveis, quer através da implementação de sistemas pay as you throw, quer pelo recurso a soluções digitais, a ecopontos inteligentes e mecanismos de incentivo económico que reforcem a participação ativa de todos.
A Sociedade Ponto Verde, desde o início da sua atividade, tem mantido a colaboração no centro da sua atuação e garantido que existe capacidade de inovação tecnológica por parte de todos os intervenientes, contribuindo para a modernização e evolução contínua do sistema, com resultados comprovados. Contudo, pelo exposto anteriormente, este desempenho positivo está em risco.
É importante realçar que o setor das embalagens tem sido prova de que Portugal possui capacidade instalada e know-how para cumprir metas europeias, e que o Orçamento do Estado deve apoiar a expansão deste modelo de sucesso para consolidar os progressos já alcançados.
Por isso, concluo reafirmando que o Orçamento do Estado para 2026 deve ser usado como motor de transformação estrutural, de forma a garantir que o esforço das empresas e dos cidadãos não é desperdiçado em sistemas ineficazes, mas geram ganhos concretos para o País, concretizando um modelo económico mais circular. Não se trata apenas de cumprir as metas europeias: trata-se de garantir qualidade de vida, justiça ambiental e competitividade económica. A sustentabilidade e a economia circular, onde se insere a gestão de resíduos e a reciclagem de embalagens, são o futuro e exigem compromisso, inovação e ação imediata.








































