Os F-gases: que alternativas?

Apesar de desconhecidos do grande público, os gases fluorados (F-gases) estão presentes no dia-a-dia de todos. Começaram a ser usados nos anos 90 pelo setor da refrigeração e ar condicionado como substitutos dos gases que destroem a camada de ozono (como os CFCs). Mas, os F-gases têm um grande potencial de aquecimento global (PAG), até 23 mil vezes maior que o dióxido de carbono, e as suas emissões aumentaram drasticamente nas últimas décadas. Hoje em dia, os F-gases estão na “mira” da União Europeia que te, impulsionado a investigação de novas alternativas tecnológicas para recuperar, separar e reciclar estes gases. É neste contexto que surge o KET4F-Gas, um projeto europeu, onde a NOVA School of Science and Technology FCT NOVA, Universidade Nova de Lisboa, é a entidades promotora, em Portugal.

Mas, ante de darem a conhecer este projeto, os coordenadores do projeto, Ana Belén Pereiro e João Mendes de Araújo, deixam um alerta sobre os impactos nefastos dos F-gases no meio ambiente e na saúde do ser humano: “Apesar das emissões destes gases serem muito menores do que as emissões de outros gases com efeito de estufa, o seu efeito é muito superior ao de outros compostos, como por exemplo o tão falado CO2, e podem permanecer na atmosfera durante muitas décadas, comprometendo o futuro das gerações futuras”. Exemplo disso, são os efeitos do aquecimento global que já se fazem sentir com intensidade e que têm aumentado a cada ano, afetando não só os ecossistemas como também a vida humana devido ao aumento do número de inundações, ondas de calor, períodos de seca, incêndios e aumento do nível do mar. Depois, o aumento das temperaturas tem levado a uma maior procura por equipamentos de refrigeração e, consequentemente, ao aumento da utilização de gases fluorados: “Cria-se um círculo vicioso com consequências dramáticas para todos nós”, atentam.

Através do projeto KET4F-Gas, com a duração de três anos, foram desenvolvidas tecnologias inovadoras para separar e reciclar F-gases no fim do ciclo de vida dos equipamentos de refrigeração e ar condicionado, cuja implementação terá um papel fundamental numa economia circular no setor dos F-gases: “Considerando que a problemática dos F-gases é transversal a vários setores, neste projeto elaboraram-se vários produtos, como um manual de boas práticas para a indústria e gestores de resíduos, um roteiro para as administrações públicas responsáveis pela gestão de resíduos, vídeos de sensibilização e uma ferramenta online para ajudar o utilizador a escolher de forma informada os melhores F-gases e as melhores tecnologias de tratamento”, explicam.

Do ponto de vista científico, tal como indicam os investigadores, “capturar e reciclar gases fluorados” é um grande desafio tecnológico: “As misturas de refrigerantes comportam-se como compostos puros, o que reduz a eficácia dos métodos tradicionais de separação, como a destilação, para o seu tratamento”. Por isso, a equipa do projeto KET4F-Gas investigou e desenvolveu tecnologias baseadas em “nanotecnologia, materiais avançados e processos de separação avançada” para recuperar o F-gás R-32, presente em misturas como o refrigerante R-410A que é muito utilizado em equipamentos de refrigeração e ar condicionado: “O sucesso dos estudos em laboratório levou à construção de dois protótipos de baixo custo baseados em tecnologias de membranas e de adsorção”. Ambos os protótipos desenvolvidos são viáveis para minimizar os F-gases: “Permitem tratar o refrigerante R-4010A, recuperando o F-gas R-32 com uma pureza superior a 98%, com uma elevada poupança ambiental em emissões de CO2 em comparação com o sistema atual de produção e incineração deste tipo de compostos”. Já para o setor industrial, a captura e reciclagem de F-gases como o R-32 tem vantagens económicas: “Os custos de operação da tecnologia KET4F-Gas situam-se abaixo do preço de compra atual deste refrigerante. Este custo poderá ser reduzido com base em maiores quantidades de refrigerante tratado”. Além disso, explicam os investigadores, “o R-32 pode ser usado como parte de refrigerantes de quarta geração, que substituem os refrigerantes com alto PAG e que têm a sua utilização controlada a nível europeu”. Na Europa, por exemplo, existe ainda enormes margens para aumentar a recuperação e reutilização de F-gases, integrando-os no mercado de economia circular: “Além disso, a reciclagem seletiva é fundamental para reduzir a dependência da indústria em refrigerantes com elevado PAG, reduzir os preços e aliviar a pressão na cadeia de mercado”, precisam.

Neste momento, o projeto encontra-se na sua fase terminal, mas terá seguimento como objetivo de “desenvolver as tecnologias e implementa-las em escala real”, adiantam os responsáveis, acrescentando que, para tal, foi criado um “catálogo de oportunidades de financiamento”. E, no próximo mês de outubro terá início um projeto, financiado pelo Programa Europeu Life, cujo objetivo é a implementação dos protótipos KET4F-Gas em ambiente real numa gestora de resíduos portuguesa.

Questionados sobre a importância de sensibilizar a população sobre os F-gases, Ana Belén Pereiro e João Mendes de Araújo explicam que, apesar  de todos os progressos feitos a nível europeu na gestão de F-gases, apenas uma “pequena percentagem é recuperada e tratada”, o que dificulta a implementação de uma encomia circular: “É fundamental o contributo de todos os intervenientes do setor dos F-gases, incluindo o público em geral”. Para tal, é necessário não só “aumentar os incentivos e fiscalização pelas entidades públicas”, como também, “aumentar a pressão social e a consciencialização da sociedade” para os riscos destes gases para o meio ambiente e para as vantagens que decorrem de uma adequada gestão destes compostos: “Por exemplo, na compra de um novo frigorífico ou um ar condicionado, o utilizador deverá analisar as etiquetas dos equipamentos e comparar os fluidos refrigerantes usados. Além disso, na sua instalação e manutenção, deverá assegurar que os técnicos e as empresas estão certificados para o manuseamento deste tipo de compostos, o que permitirá que não se produzam fugas de gases nestas operações”. Adicionalmente, no final de vida dos equipamentos, estes devem ser “entregues nos pontos de recolha” e nunca deixados na rua. Para apoiar a sociedade nesta tarefa, o projeto KET4F-Gas criou uma ferramenta online gratuita que classifica o impacto ambiental dos diferentes F-gases, permitindo que o consumidor tome uma decisão informada e consciente quando compra um novo equipamento.

Quais as perspetivas para o futuro? 

“O projeto KET4F-Gas propõe dar um passo em frente para a implementação efetiva em todo o setor industrial de refrigeração e ar condicionado de processos de captura, separação e purificação de gases com efeito de estufa. Os resultados destas investigações também irão beneficiar os gestores de resíduos, as administrações publicas e a indústria que usa sistemas de refrigeração, bem como os cidadãos em geral. Hoje em dia não existem tecnologias aplicadas para a recuperação e separação deste tipo de gases e as empresas têm uma clara necessidade de implementar uma economia circular neste setor para cumprir a legislação em vigor e aumentar a sua competitividade”.

O KET4F-Gas é um projeto europeu co-financiado pelo Programa Interreg Sudoe através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), com um financiamento de 1,7 milhões de euros.