Em janeiro de 2025 fez um ano desde que a recolha de biorresíduos é obrigatória por parte dos municípios portugueses. Esta legislação leva as autarquias a tomarem cada vez mais medidas para estarem na linha da frente neste setor. Desde Guimarães ao Porto, de Vila Franca de Xira a Sintra, do Seixal a Torres Vedras, todos têm ativamente trabalhado em prol de uma melhor gestão dos biorresíduos e contam tudo à Ambiente Magazine.
Antes de mais, o que são biorresíduos? Segundo a APA (Agência Portuguesa do Ambiente), biorresíduos “são os resíduos biodegradáveis de jardins e parques, os resíduos alimentares e de cozinha das habitações, dos escritórios, dos restaurantes, dos grossistas, das cantinas, das unidades de catering e retalho e os resíduos similares das unidades de transformação de alimentos”.
E onde os pode depositar? Cada município terá o seu plano para fazer a recolha e respetivo seguimento destes resíduos em particular, passando, na maior parte das vezes, pela deposição em contentores castanhos próprios para esse fim.
E sob a obrigação do Regime Geral de Gestão de Resíduos, que determinou que a operacionalização da recolha seletiva de biorresíduos estivesse concretizada a partir de 1 de janeiro de 2024, os municípios tiveram de se reinventar para responder rapidamente e corretamente à legislação.
E um ano depois, qual é o lugar destes municípios na recolha obrigatório de biorresíduos?

No caso de Guimarães, parece surtir efeito, visto que, além do papel/cartão, os biorresíduos estão entre as categorias mais recicladas, por contrário ao plástico e ao metal. Em 2024, o município recolheu 7.532 toneladas de biorresíduos, um terço da meta que pretende atingir em 2030. “Ainda assim, temos verificado um aumento gradual neste processo ao longo dos anos, sendo prova disso a recolha de resíduos orgânicos ter passado de 6,42kg/hab.ano, em 2022, para 47,67kg/hab.ano em 2024”, comenta Sofia Ferreira, vereadora do Ambiente e da Ação Climática da Câmara Municipal de Guimarães.
Nesta autarquia o método de recolha preferencial é o porta-a-porta aos utilizadores domésticos, três vezes por semana (uma vez para os resíduos indiferenciados e duas vezes para os resíduos orgânicos). Mas “muitas vezes é um desafio que a população entenda que a maior parte dos seus resíduos são orgânicos e que a recolha uma vez por semana para os restantes resíduos é suficiente”, conta a vereadora.
Mas cada vez há mais separação deste tipo de resíduos em Guimarães, também devido à implementação do sistema “Poupe se Separar” (SAYT), desde o início do ano passado. Aqui existe um reembolso de 50% da tarifa variável a todos os utilizadores que separam biorresíduos, beneficiando, assim, quem adere à iniciativa.
Também o município do Porto tem verificado os biorresíduos entre os fluxos com maior quantidade de recolha, sendo que o menos recolhido são as embalagens de plástico.
Depois de um 2024 em cheio, com a concretização do EcoPorto e com a aprovação do PAPERSU do município, Filipe Araújo, Presidente do Conselho de Administração da Empresa Municipal de Ambiente do Porto revela que o setor dos resíduos precisa de um “melhor alinhamento entre as entidades responsáveis para assegurar as condições necessárias para o cumprimento dos objetivos nacionai. As entidade gestoras continuam sem conseguir alcançar a cobertura de gastos, com consequente limitação no investimento na operação de recolha e tratamento”, “Ainda no que respeita ao financiamento do setor, é necessário aplicar o RAP em todos os fluxos de resíduos e implementar o princípio do poluidor-pagador”, frisa o responsável.

No que diz respeito aos resíduos orgânicos, a estratégia implementada pela Porto Ambiente permitiu em 2024 um crescimento de 5,3%, o que totaliza mais 422 toneladas recolhidas face a 2023. Atualmente, este sistema integra 1.228 aderentes no setor não doméstico e 2.760 no setor doméstico.
Nos resíduos verdes, o município já disponibiliza de contentores próprios na via pública, além de oferecer o serviço de recolha porta-a-porta calendarizado. Em alternativa, os utilizadores podem depositar estes resíduos diretamente num dos Ecocentros da cidade.
No entanto, o maior desafio nos biorresíduos tem sido “assegurar a contínua participação dos munícipes e a sensibilização para a correta separação destes fluxos”, conta Filipe Araújo, acrescentando que a nível operacional, o dilema passa pela “adaptação dos serviços já existentes à maior necessidade de lavagem dos contentores para os resíduos orgânicos”. Na parte tecnológica, o principal desafio diz respeito à gestão de sistemas de controlo de acesso eletrónico disponíveis no mercado.
Descendo até Sintra, Carlos Vieira, diretor-delegado dos SMAS de Sintra dá conta à Ambiente Magazine que os dados provisórios de 2024 apontam para um ligeiro crescimento na recolha de papel/cartão e nas embalagens de plástico e metal, e para um decréscimo na recolha de vidro.
Em relação aos biorresíduos, explica que desde outubro de 2022 que a recolha abrange a totalidade do território do concelho sintrense. Com 75 mil aderentes no setor doméstico, o Sistema de Recolha Seletiva de biorresíduos assenta num regime co-coleção, que consiste na recolha conjunta de duas ou mais frações de materiais, neste caso com a deposição dos restos alimentares, devidamente acondicionados em sacos verdes, nos contentores de resíduos indiferenciados.

Para o setor não doméstico, os SMAS de Sintra, entidade responsável, estão a adotar também o regime de co-coleção (para restauração e similares), mas igualmente um circuito exclusivo com recolha dedicada, destinado a grandes produtores de restos alimentares, entidades públicas, estabelecimentos de ensino e semelhantes.
O maior desafio nisto tudo, conta Carlos Vieira, é a “participação/fidelização da população, numa efetiva e correta separação dos restos alimentares”, à imagem do que se passa no município do Porto. “A população ainda não está consciente da importância da reciclagem dos biorresíduos. A deposição dos restos dos alimentos e outros resíduos orgânicos no lixo comum é uma prática normal, pelo que alterar esse hábito é um desafio constante e requer tempo e esforço comunitário”, explica o diretor-delegado, frisando ainda que “as campanhas de sensibilização são essenciais para educar/informar a população, de forma a criar um sentimento de responsabilidade coletiva em relação à separação destes resíduos”.
Desta forma, em Sintra, para incentivar a adesão dos utilizadores, foi criado, em 2023, um tarifário de desconto de um euro por mês, atribuído aos aderentes do sistema e renovável de seis em seis meses, através do pedido de reforço de sacos verdes. Em 2025, a proposta é que o desconto passe a dois euros mensais, “como forma de reconhecimento para quem contribui para a valorização dos restos alimentares”.

Já em Vila Franca de Xira a recolha de biorresíduos começou a ser implementada em 2021, através de um projeto piloto na cidade da Póvoa de Santa Iria e junto do canal Horeca, que permitiu “afinar este processo, que é novo e exige uma grande educação ambiental no conjunto da população”, afirma Fernando Paulo Ferreira, presidente da Câmara Municipal.
Garantindo que as “metas previstas estão a ser alcançadas”, o autarca também conta que a aceitação por parte dos habitantes tem sido positivo, verificando-se uma “crescente deposição de biorresíduos nos equipamentos, que é a melhor forma de mudarmos a sua adesão”.
Todavia, tendo em conta que os biorresíduos representam cerca de 70% do volume dos resíduos indiferenciados, é preciso mudar o paradigma na sociedade, “uma vez que se verifica ainda um significativo desconhecimento das vantagens da separação dos biorresíduos para o ambiente e para a efetiva redução dos custos de operação, que pode baixar o custo financeiro para os residentes”. “Paralelamente, é necessário sensibilizar fortemente as pessoas para o adequado acondicionamento destes resíduos, diminuindo impactos como cheiros e outros” e “é urgente que o Governo lance uma grande campanha nesta área”, apela Fernando Paulo Ferreira.
Em Torres Vedras, a presidente da Câmara, Laura Rodrigues, conta que o município alcançou em 2024 as 475 toneladas de resíduos alimentares recolhidas, além de ter cumprido com a exigência de obrigação de recolha de biorresíduos desde janeiro do ano passado.

O município inovou com o lançamento do programa TORRES VEDRAS + BIO em outubro de 2023, que está desde o início estruturado para o canal HORECA e para os consumidores domésticos da cidade e ainda refeitórios escolares e mercados. “Por conseguinte, o programa foi ampliado em fevereiro de 2024, com a instalação de contentores de proximidade com controlo de acessos para os munícipes”, acrescenta a autarca.
Atualmente, a cidade e a localidade próxima Varatojo contam com 142 contentores de proximidade e a participação de 3.465 famílias, abrangendo 36% das habitações na área de recolha. A recolha abrange ainda 142 estabelecimentos de restauração e hotelaria, mercados e refeitórios escolares.
Porém, “há desafios a superar”, admite Laura Rodrigues. “A adesão da população ainda está aquém das expectativas, embora a intensa campanha de sensibilização porta-a-porta tenha conseguido taxas de adesão superiores a 90% entre os munícipes que atenderam as equipas. Fatores como a repulsa por odores e a falta de espaço para mais contentores nas residências também são barreiras significativa”, aponta.
Por fim, no Seixal, desde 2019 que se tem vindo a desenvolver esforços no sentido de implementar uma rede de recolha seletiva de biorresíduos em todo o território municipal. E agora em março de 2025, ficará concluída a implementação da ação de recolha porta-a-porta de biorresíduos em todas as localidades.
À presente data, estão servidas 20.866 famílias, sendo que 12.444 aderiram voluntariamente ao serviço, como nos conta Paulo Silva, presidente da Câmara Municipal do Seixal, falando ainda da recolha de proximidade nos bairros de habitação plurifamiliar, com recurso a modelo de acesso condicionado a contentores molok e participação voluntária dos utilizadores. Neste caso, os primeiros seis bairros serão testados ainda no primeiro trimestre de 2025. Também os estabelecimentos de elevada produção, como supermercados e restauração, têm este sistema implementado desde 2024, que tem recebido adesões diárias.
Assim, até novembro de 2024 foram recolhidas 3.103 toneladas de biorresíduos só no setor doméstico.

“A recolha de biorresíduos em localidades de grande densidade populacional, em fase de implementação, é desafiante porque a recolha é realizada através de contentores de utilização coletiva e, por conseguinte, a comunicação e sensibilização mais personalizadas são mais complicadas”, explica o presidente da Câmara. “Por outro lado, os custos de investimento associados à implementação de uma rede de equipamentos dedicada à recolha seletiva de biorresíduos são muitíssimo elevados, pelo que os municípios terão de recorrer a programas de financiamento para concretizar o seu plano de investimento”, acrescenta.
Outra queixa deixada por Paulo Silva são os “aumentos desproporcionados nas tarifas que se pagam pela deposição dos resíduos no sistema em alta”, no caso do Seixal, na AMARSUL, geridos pela empresa EGF. Estes aumentos “estrangulam a capacidade de inovação e investimento dos municípios, que deviam, ao invés, ser apoiados para concretizar as metas nacionais”, acusa o autarca.
Objetivos delineados pelos municípios para 2025
Para este ano que agora se inicia, o município do Seixal pretende concluir, como mencionado acima, a rede de recolha porta-a-porta de biorresíduos nas localidades de moradias, além de angariar 8.000 famílias para este sistema em localidades que já têm o serviço disponível.
Noutro pronto, a autarquia pretende testar o sistema de recolha de proximidade de biorresíduos em zonas de prédios, para avançar com a ampliação da rede, e angariar mais 200 utilizadores para os circuitos do canal HORECA.
Em Torres Vedras, as metas passam por alcançar 50% de adesão por parte das habitações na área de recolha por proximidade e atingir a cobertura total de recolha porta-a-porta nos estabelecimentos HOREA. Laura Rodrigues, presidente da Câmara, comenta ainda o objetivo de promover o tratamento de biorresíduos na origem, com distribuição de compostores domésticos e instalação de compostores comunitários.
Este município também espera mais investimento em novos equipamentos, viaturas de recolha, soluções inteligentes de gestão e sistemas pay-as-you-throw (PAYT).
Ainda em 2025, Vila Franca de Xira propõe-se a recolher cerca de 4.800 toneladas de biorresíduos, onde se incluem não só os restos alimentares, mas também resíduos verdes.
Estes biorresíduos recolhidos continuarão a ser encaminhados para a Estação de Tratamento e Valorização Orgânica da Valorsul, onde são transformados em composto, utilizado pelo município nas zonas verdes e também disponibilizado ao cidadão.
Em Guimarães, o objetivo passará por alargar a recolha seletiva de biorresíduos às restantes freguesias do concelho, de forma faseada. Além disso, até ao final deste ano, é fundamental atingir as 12 mil toneladas de biorresíduos recolhidos.
Estes resíduos recolhidos manterão a sua trajetória até à central de tratamento mecânico biológico da RESINORTE, onde são submetidos a processos de triagem, recolha, valorização e tratamento.
Por sua vez, os biorresíduos produzidos no Porto, que normalmente são encaminhados para a LIPOR, para a Central de Valorização Orgânica, acabam por se tornar num composto orgânico 100% natural (o Nutrimais). E para este ano, a Porto Ambiente, neste fluxo em particular, espera alcançar a recolha de 23 mil toneladas.
Em Sintra, as metas ainda não estão totalmente definidas para 2024, visto que “o PAPERSU ainda não foi aprovado”, explica Carlos Vieira, diretor-delegado dos SMAS. “No entanto, perspetiva-se que as mesmas sejam ambiciosas”.
Saiba que no município sintrense, os biorresíduos recolhidos são encaminhados para a entidade em alta, a Tratolixo, para serem transformados em composto orgânico de fertilização de solos agrícolas e para produzir energia.
Municípios defendem mais apoios financeiros
Filipe Araújo da Porto Ambiente desabafa que “nos últimos anos, o setor tem assistido à publicação de inúmeros diplomas nacionais e europeus cujo teor tem provocado incerteza/instabilidade”.
E nesta linha, Carlos Vieira dos SMAS de Sintra apelou a mais apoios financeiros para as entidades em baixa, além da realização de campanhas de sensibilização de abrangência nacional.
Com isto concorda o presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, Fernando Paulo Ferreira, reiterando que é importante a “disponibilização de mais fundos que permitam aos municípios efetuar o investimento necessário à implementação de ações e medidas para o aumento dos volumes dos resíduos recolhidos seletivamente”. “Embora sejam os municípios que estão na linha da frente deste desafio ambiental, as metas são nacionais, e o Governo tem de criar condições para assegurar o seu cumprimento”, frisa o autarca.
Já em Torres Vedras, Laura Rodrigues acredita o “sucesso pleno depende de um esforço conjunto entre município e população.Este empenho reafirma a responsabilidade ambiental do Município para cumprir com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propostos pela ONU, promovendo um território mais inclusivo, resiliente e sustentável para todos”.
E por fim, o presidente da Câmara Municipal do Seixal, Paula Silva, resume as reivindicações: “falta um verdadeira política para os resíduos em Portugal que coloque os interesses das populações e do ambiente em primeiro lugar e sendo este sector dos resíduos, um sector estratégico da economia e fundamental para a qualidade de vida de todos nós, deverá ser gerido pelo estado central em conjunto com as autarquias, pois só assim se poderá garantir que que as opções são tomadas em função das necessidades de todos, ao contrário daquilo que sucede hoje, onde as decisões tomadas só favorecem alguns”.
*Este artigo foi publicado na edição 109 da Ambiente Magazine