Pobreza energética é uma “deficiência crónica” que está ligada à construção de má qualidade do parque habitacional português

No passado dia 29 de Maio, Sábado, assinalou-se o Dia Mundial da Energia, uma data que tem como principal objectivo, sensibilizar e motivar a sociedade para a necessidade de criação de estratégias de eficiência e poupança energéticas e alertar para os impactos ambientais e a importância de preservar os recursos naturais. Em entrevista à Ambiente Magazine, Teresa Ponce de Leão, presidente do LNEG (Laboratório Nacional de Energia e Geologia), fez um ponto de situação sobre o sector energético em Portugal.

O LNEG, que trabalha sob o lema “Construir um futuro mais limpo e melhor”, tem a missão de “contribuir de forma independente para o desenvolvimento económico e melhoria da qualidade de vida”, colocando o “conhecimento” ao serviço da sociedade: “Visa ser uma instituição de referência, capaz de contribuir com soluções de excelência para uma economia descarbonizada”, declara. Conscientes de que o sucesso advém da colaboração, o LNEG é membro e parceiro de importantes redes nacionais e internacionais, onde se destaca a “ampla participação” em “Laboratórios Colaborativos” e na “European Energy Research Alliance”.

A actividade deste laboratório foca-se, essencialmente, no desenvolvimento de Energias Renováveis e na sua Integração no Sistema Energético e na implementação de soluções e suporte para a Transição Energética em Portugal. E fazem-no com “preocupação territorial”, aproveitando para o efeito o “GeoPortal”, que disponibiliza informação dos recursos de forma georreferenciada, explica. Enquanto laboratório nacional de investigação, assume ainda o compromisso de “apoiar as políticas do governo português”, a fim de atingir a meta de “80% de energias renováveis na electricidade” e “47% no consumo total de energia até 2030”, declara.

Com uma panóplia de projectos a decorrer, o LNEG está também a desenvolver soluções para acelerar a capacidade de reabilitação de edifícios mais eficientes através de actuação ao nível da sua envolvente: “Os nossos projectos têm sempre a preocupação de aplicar os conceitos de economia circular vertente fundamental no acelerar o rumo à descarbonização”. E, no início de 2021, criaram uma “nova área de avaliação económica (verde) de recursos”, que permite utilizar estes conceitos de forma integrada, refere.

Desde o momento em que se começou a falar no hidrogénio, como o “vector energético” que traz a “complementaridade” e a “flexibilidade” que ainda falta para assegurar a total descarbonização do sistema de energia, garantindo a sustentabilidade, a presidente do LNEG constata que, após várias análises, há uma enorme valia: “Somos competentes em várias áreas importantes para o hidrogénio. Temos competências ao nível da produção, do transporte e dos usos”.

[blockquote style=”2″]Portugal é dos países europeus com maior potencial solar[/blockquote]

Olhando para o panorama actual do sector energético, não restam dúvidas de que o investimento feito por Portugal na descarbonização já não é recente: “Se fizermos um exercício de memória, verificamos que existiu um primeiro plano de barragens e que, nos finais de 2007, foi lançado o Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH), que visou aproveitar o recurso hídrico ainda por explorar, desta feita enquadrado por critérios económicos, ambientais e sociais”, explica. O plano visou reforçar o “aproveitamento do potencial hidroeléctrico nacional”, nomeadamente através da “conclusão da construção do complexo hidroeléctrico do Alto Tâmega, constituído por três aproveitamentos hidroeléctricos que, no seu conjunto, representam 1,2 GW de nova capacidade”, explica.

Em 2004, após o estudo do potencial eólico sustentável em Portugal, onde se identificou o “potencial efectivo na altura”, calculado tendo em conta as restrições ambientais, económicas, técnicas, acessibilidade de rede e de transporte e de existência de terreno, foi lançado o concurso para o desenvolvimento da Eólica e colocados a concurso os 5,4 GW identificados: “Este plano foi praticamente todo cumprido”, sucinta. Mais recentemente, passados 15 anos, com a “evolução técnica dos equipamentos, turbinas de maior potência e com melhor rendimento”, verificou-se que Portugal dispõe ainda de um “significativo potencial eólico em terra por explorar e que existe um significativo potencial, mas no offshore”, declara, acrescentando que,  em 2030, perspectiva-se “estarem disponíveis no total 9,0 GW de eólica onshore e 0,3 GW de eólica offshore”.

Para Teresa Ponce Leão, Portugal é dos países europeus com “maior potencial solar” e, numa lógica de “complementaridade à produção centralizada”, tem previsto um “plano de produção descentralizada que se prevê atingir 9 GW em 2030”. Esta produção será instalada através de “parques solares, das comunidades energéticas ou, ainda, do aproveitamento dos telhados das nossas casas”, refere. Também o PNEC (Plano Nacional Energia e Clima), instrumento obrigatório para todos os países da Comissão Europeia, perspectiva um “forte impulso à electrificação do consumo associado à descarbonização”, através destes reforços já identificados. Mais recentemente, foram traçadas as metas para o novo vector energético: “O hidrogénio verde, com metas de 2 a 5% na indústria, 1 a 5% no transporte, 3 a 5% no transporte marítimo e 1,5 a 2% no consumo final”. Com esta evolução, a perspectiva é que a potência total instalada no sistema para produção de electricidade seja “aproximadamente 80% renovável”, sucinta.

Relativamente a desafios, a presidente do LNEG aponta que Portugal necessita de recorrer de “forma inteligente” às oportunidades fortemente dependentes dos instrumentos de financiamento que resultam da aplicação do European Green Deal (EUGD), nomeadamente através dos “mecanismos dos IPCEI (Important Projects of Common European Interest)” ou “os projectos do Innovation Fund (BEI)”. A isto, acresce ainda o mecanismo do “Programa de Recuperação e Resiliência” que, como já é do conhecimento, dá destaque a “projectos estruturais”, refere. Também no EUGD, a inovação e desenvolvimento de conhecimento é a “chave” para o acelerar dos processos de descarbonização: “Temos que explorar as potencialidades do Horizon Europe (HEU) e os financiamentos comunitários estruturais que deverão estar alinhados com o HEU”. Teresa Ponce Leão defende também que a “investigação e a inovação” em colaboração serão cruciais para “desbloquear áreas cinzentas” em todo o processo de descarbonização.

[blockquote style=”2″][/blockquote]Encontrar caminho para descarbonizar sectores de difícil descarbonização

Quando questionada sobre o desafio da “pobreza energética” em Portugal, a presidente do LNEG refere que este estado está, “em primeiro lugar, estreitamente ligado à construção de má qualidade do nosso parque habitacional: uma deficiência crónica que, em primeiro lugar, tem impacto na saúde e no desconforto térmico”. Pela frente, há um “desafio hercúleo, concentrar esforços e financiamento na recuperação do parque habitacional”, sendo que “a actuação ao nível da envolvente dos edifícios é fundamental”, defende. No entanto, Teresa Ponce Leão acredita que as decisões que estão a ser tomadas em linha com a estratégia Renovation Wave europeia vão no bom caminho.

Nas metas com que Portugal está comprometido, a responsável reconhece que o país está bem posicionado: “A meta mais difícil de contabilizar, mas que está em fase de acompanhamento estreito, será a eficiência energética. Mas a estratégia do Governo está agora a dar os primeiros passos para essa implementação, colocando no terreno instrumentos de política como a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação de Edifícios que, como o nome bem sugere, é de longo prazo e ainda é ainda cedo para retirar conclusões”.

Relativamente à EN-H2 (Estratégia Nacional para o Hidrogénio), a presidente do LNEG também constata que as prioridades do Governo estão alinhadas com a estratégia europeia do European Green Deal, mas não só: “Estas prioridades estão alinhadas com as recomendações da Agência Internacional de Energia e com a International Renewable Energy Agency (IRENA)”. O hidrogénio surge, assim, como a “peça do puzzle” que faltava para trazer “flexibilidade ao sistema de energia”, garantido a “necessária capacidade de armazenamento através de moléculas mais fáceis de armazenar que os electrões”, afirma.

Um Sistema de Energia Sustentável em Portugal é o mais defendido pelo LNEG: “Será aquele que conduz a emissões zero ou mesmo emissões negativas”, ou seja, “Toda a energia é produzida a partir de energias renováveis, cujo recurso natural é abundante no nosso país. Em simultâneo, tal deverá ser feito com o menor desperdício possível”, atenta. E qual é o caminho? “Actuar, tendo como primeira prioridade a eficiência energética e encontrar soluções que minimizem os consumos; em segundo lugar, manter o rumo face à electrificação do sistema de energia através do recurso a fontes renováveis; e, finalmente, mitigar a variabilidade das renováveis através de energia facilmente armazenável através da integração no sistema de gases renováveis onde o hidrogénio verde assumirá um papel fundamental”. Mas todos estes sistemas devem “comunicar e estar integrados” através da digitalização. A par destas prioridades, atenta a responsável, “temos que encontrar caminho para descarbonizar sectores de difícil descarbonização” como a “indústria pesada e o transporte terrestre pesado, o transporte marítimo e a aviação”, onde os “gases renováveis” poderão ter um papel acelerador, defende.

Neste Dia Mundial da Energia que mensagem pode deixar?

O COVID, se alguma vantagem trouxe, foi o demonstrar que é possível acelerar a penetração de renováveis, garantindo a segurança de abastecimento e mantendo a qualidade de serviço. A descarbonização tem que estar fundamentada nos três pilares da sustentabilidade (económico, ambiental e social), sem esquecer o pilar do financiamento responsável, o qual deve estar presente em todos os financiamentos públicos e privados. Os projectos deverão evidenciar de que forma estão a contribuir para os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável constantes da Agenda 2030

*Este artigo foi escrito sem o novo acordo ortográfico