“Ponto de Transição”: Um modelo inovador de ações de proximidade para combater a pobreza energética

O município de Setúbal foi o local escolhido para dar início ao “Ponto de Transição” um projeto, da Fundação Calouste Gulbenkian, que visa combater a pobreza energética em Portugal. Até ao mês de julho, tal como indica Filipa Saldanha, subdiretora do Programa Gulbenkian Desenvolvimento Sustentável, os cidadãos que se desloquem ao “Ponto de Transição”, que neste momento está instalado junto ao Mercado 2 de Abril (em Setúbal) podem beneficiar de um conjunto de serviços de forma totalmente gratuita, tais como “aconselhamento sobre faturas de eletricidade e gás”, “informação e aconselhamento sobre a obtenção de financiamento para a renovação energética das habitações” e “apoio ao preenchimento de candidaturas”. Acresce que os residentes no município de Setúbal têm ainda a possibilidade de agendar uma avaliação energética gratuita das suas casas. Esta análise permite identificar oportunidades de melhoria que vão servir de base a aconselhamentos posteriores.

À Ambiente Magazine, Filipa Saldanha explica que o projeto tem como finalidade construir um “modelo inovador de ações de proximidade”, ao nível da freguesia ou do município, para “apoiar as famílias na melhoria do desempenho energético das suas habitações”, aumentando o seu conforto térmico, contribuindo assim para combater a pobreza energética e para uma transição energética justa no país. Muito concretamente, “transformámos um contentor marítimo reutilizado num espaço de atendimento presencial apelativo, onde as pessoas podem, de forma completamente gratuita, aceder a um conjunto de informações importantes e receber aconselhamento”, explica a responsável pela incitava. Quanto à escolha de Setúbal para testar este piloto deve-se ao facto de “reunir um conjunto de condições favoráveis” a esta experiência: “por um lado, é uma área sinalizada como de elevada vulnerabilidade; por outro, Setúbal é um concelho comprometido com o desenvolvimento sustentável e a ação climática, sendo também uma das áreas de intervenção da Agência de Energia local que já trabalha em estreita ligação com o município. Isso interessava-nos, nesta fase piloto”.

No desenvolvimento deste piloto, Filipa Saldanha refere que o envolvimento da rede de parceiros estratégicos foi essencial, nomeadamente pelo “know-how, conhecimento do território e proximidade aos cidadãos” que pudessem apoiar na cocriação de um modelo de intervenção potencialmente escalável: “O Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC 2030), que tomámos como referência, identifica a RNAE – Associação das Agências de Energia e Ambiente e as próprias Agências de Energia como entidades-chave no combate à pobreza energética e no aperfeiçoamento dos instrumentos de proteção a consumidores vulneráveis”.  Foi com base nestas recomendações que a Fundação Calouste Gulbenkian convidou a ENA – Agência de Energia e Ambiente da Arrábida, que é responsável pela “implementação e operacionalização do projeto no terreno (contentor e avaliações energéticas das habitações)”, e a RNAE, a quem cabe “prestar consultoria para a identificação de programas e instrumentos de financiamento públicos aplicáveis às famílias” que constituem o público-alvo deste projeto. Visto que o objetivo do projeto é “testar, validar e replicar” o modelo do Ponto de Transição noutros territórios, foi também convidado o CENSE – Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade (FCT-NOVA) para o “acompanhamento científico” do projeto. A escolha do concelho de Setúbal para lançar o projeto, também levou à Câmara Municipal a aderir à iniciativa: “Tem dado um importante apoio não só logístico, mas também na aproximação aos munícipes, em geral, e em particular aos moradores dos bairros que estão mais próximos deste espaço de atendimento que é o Ponto de Transição”, adianta a responsável.

[blockquote style=”2″]Aumento da literacia energética dos consumidores mais vulneráveis[/blockquote]

Ao nível de ações que estão a ser promovidas, Filipa Saldanha considera que um dos aspetos mais originais do projeto é a constituição de uma bolsa de “agentes de transição”, que são jovens que pertencem à comunidade local, e que a Câmara de Setúbal, através da sua Divisão de Habitação Pública Municipal, ajudou a recrutar: “A ENA – Agência de Energia e Ambiente da Arrábida deu-lhes formação técnica, para poderem realizar as auditorias energéticas das habitações, e vai coordenar o trabalho deles no terreno. Como estes jovens têm uma ligação forte à comunidade e inspiram a confiança dos “vizinhos”, esperemos que possam reforçar o alcance do projeto junto da população”.

Com os atendimentos presenciais também é esperado conseguir-se reunir mais informação que ajude a melhorar a abordagem: “Com o apoio do nosso parceiro científico, o CENSE, construímos um inquérito de caracterização que nos permitirá recolher um conjunto de dados cuja análise poderá vir a ser extremamente útil na criação um modelo de intervenção escalável de combate à pobreza energética a nível local e em contexto de proximidade”. Outro desejo, partilhado pela responsável, é que os “agentes de transição possam localmente continuar a disseminar o seu conhecimento e a dar aconselhamento sobre boas práticas energéticas nos bairros abrangidos”, mesmo após a conclusão do projeto.

Avaliando a importância do “Ponto de Transição” enquanto instrumento de combate à pobreza energética, Filipa Saldanha chama a atenção para o “problema complexo” que Portugal enfrenta e, que decorre de um “desequilíbrio” entre” baixos rendimentos, preços elevados da energia”, e “baixo desempenho energético das habitações”. No país, o “peso dos impostos nas faturas de eletricidade e gás é dos mais elevados da União Europeia”, atenta a responsável, constatando que “esta situação gera níveis desadequados de serviços energéticos, conduzindo a situações de subconsumo de energia”. Por outro lado, “os equipamentos de climatização nos lares portugueses são muito pouco eficientes”, algo que, no entender de Filipa Saldanha, é especialmente grave quando associado a um “parque habitacional com baixo nível de isolamento térmico e fraco desempenho energético”. Face a toda a complexidade, a Fundação Calouste Gulbenkian, enquanto sociedade civil, pretende com este projeto “contribuir para o combate à pobreza energética” através da construção de um “modelo” que promova o “aumento da literacia energética dos consumidores mais vulneráveis” e que “capacite as famílias para ativarem os recursos necessários para melhorarem as suas condições de habitabilidade”.

Depois de Setúbal, o “Ponto de Transição” terá rumo a um outro concelho com “características diferentes” de Setúbal, para enriquecer ainda mais a aprendizagem. Quanto a datas, Filipa Saldanha espera que o piloto termine até ao final  2022.

📸 Gonçalo Barriga/FCG