“Portugal é o único país na Europa que não tem um plano de mobilidade sustentável”, alerta especialista 

Em plena Semana Europeia da Mobilidade, a Ambiente Magazine assistiu à terceira sessão do segundo ciclo de webinars “Meia Hora de bom Ambiente”, promovidos pela ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável), e que contou com Paula Teles, engenheira civil, consultora e coordenadora de estudos e projetos na área da mobilidade urbana inclusiva.

Este ano, a União Europeia centrou o tema desta Semana da Mobilidade em “Emissões Zero, Mobilidade para Todos”, para que os cidadãos pensem mais sobre as cidades e a forma como funcionam. Foi precisamente no “saber planear” e “gerir a mobilidade urbana” que a engenheira se debruçou durante 30 minutos, considerando ser um “passo indispensável” no caminho para a neutralidade carbónica.

Na visão da responsável, é urgente “planear” a mobilidade. Mas, para que seja realmente viável e fidedigno, é preciso perceber que um planeamento é um “processo” onde é preciso cumprir vários requisitos como a “comunicação” ou estar no “terreno” com as “pessoas residentes, as que trabalham ou até as que visitam”. Dentro deste processo, a engenheira reporta para a necessidade de haver “capacidade de decisão”, alertando para o facto dos “ciclos políticos” serem cada vez mais “curtos”, prejudicando assim os “planeamentos”. O apelo recai assim sobre o cidadão comum: “No primeiro mandato, devia exigir planeamento e, no segundo, a implementação de medidas”, sublinha.

Não restam quaisquer dúvidas de que o mundo está diferente e a “mobilidade” passou a ser a “grande chave” no processo de transição que se avizinha. “O planeta parou. A pandemia (de Covid-19) veio criar novos estilos, mudar hábitos e padrões de mobilidade”. Para quem estuda a “mobilidade” no seu todo, “sabe que há várias realidades urbanas preocupantes”, declara Paula Teles, destacando que “50% da população mundial está nas grandes cidades”, uma percentagem que acarreta diversos problemas até no crescimento das crianças.

As alterações climáticas parecem ser um outro problema que, para muitos, ainda é uma “brincadeira”, alerta a responsável, dando nota das evidências: “Portugal passou a ter imagens com enormes incêndios e chuvas”. Hoje, “sabemos que a descarbonização vai ser um problema”, declara, acreditando que a “mobilidade” será um contributo forte para a resolução. 

O “direito à cidade” é algo que deve estar intrínseco num planeamento, sublinha a engenheira, considerando que o “dinheiro que vem da Europa ou do Estado” deve ser aplicado em “desenhos universais”, isto é, para todos e sem exceção: “Não tenho dúvidas de que se tivéssemos implementado na Legislação Portuguesa matérias de acessibilidade e de desenho universal não tínhamos problemas de falta de distanciamento nas ruas”. 

Além disso, já há muito que a “mobilidade” está no cerne de muitas preocupações ambientais e de saúde. Embora a perceção de “mudança” esteja cada vez mais incutida no cidadão, Paula Teles acredita que tal “reflexão” e “vontade de comunicar” nunca passou disso mesm: exemplo disso são os dados que “continuam a demonstrar a primazia do automóvel”. Tão ou mais preocupante é que foi “detetado” em cidades, como “Porto ou Lisboa”, que, “há medida que a concentração de CO2 na atmosfera aumenta, também aumentam as entradas nos hospitais de pessoas com problemas de respiração e outras doenças”, afirma a responsável, acreditando que a “humanização” e a “descarbonização” são palavras que devem ser reforçadas quando a palavra é “apostar”. E, para tal, cabe aos decisores terem uma “atitude correta” e nunca “aplicar as verbas” em “medidas avulso que não obedecem a montante de um sistema integrado: é preciso ter estratégia, saber planear e pensar de forma estruturada”. Além disso, “ações de sensibilização” e de “formação” devem ser promovidas, acrescenta. 

Ainda em matéria de planeamento de mobilidade, Paula Teles lamenta o facto de “Portugal ser o único país na Europa que não tem um plano de mobilidade sustentável”, declarando que “o Governo não está a dar orientações aos municípios”. Embora haja um “grande avanço ao nível das cidades inteligentes”, a engenheira dá conta que “continuamos a ter infraestruturas não ajustadas à mobilidade contemporânea”. E “se este ano não for o ano de mudança de paradigma, temos um grande problema”, alerta, considerando que, para tal mudança, é vital “mudar hábitos de mobilidade” mas também “implementar medidas mais integradas e planeadas” por parte dos decisores políticos, remata.